Acórdão nº 148/12.9TBVLP.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 23 de Outubro de 2014

Magistrado ResponsávelPEDRO MARTINS
Data da Resolução23 de Outubro de 2014
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Acção ordinária 148/12.9TBVLP do Tribunal Judicial de Valpaços Sumário: I – Os danos a indemnizar não incluem aqueles que foram provocados por outrem e que em circunstâncias normais não ocorreriam.

II – Um cônjuge não pode pedir indemnização por danos verificados em bens em relação aos quais nem sequer alega os factos necessários para que sejam considerados comuns e não próprios do outro cônjuge.

III – A perda da capacidade de ganho é indemnizada tendo em consideração a aplicação da percentagem dessa perda em relação à remuneração que se recebia, e não pela diferença entre aquilo que se recebia antes do evento lesivo e uma pensão que se passou a receber da segurança social.

IV – A remuneração a ter em conta é a ilíquida e não a líquida.

V – O que importa é a esperança média de vida e não a idade da reforma.

VI. Aqueles que ficam totalmente incapacitados para o trabalho, embora tenham apenas um défice funcional permanente de 29 + 5 pontos, devem ser indemnizados como se tivessem uma incapacidade de 87,5%.

VII – Ainda hoje no cálculo da indemnização da perda da capacidade de ganho há que ter em consideração, para além do mais, “a evolução provável na situação profissional do lesado, o aumento previsível da produtividade e do rendimento disponível, a melhoria expectável das condições de vida, a inflação provável ao longo do período temporal a que se reporta o cômputo da indemnização.” Acordam no Tribunal da Relação do Porto os juízes abaixo assinados: B… intentou a presente acção contra a C…, Companhia de Seguros, SA, pedindo a condenação desta a pagar-lhe, entre o mais, como indemnização por danos sofridos em consequência de um acidente de viação causado por culpa exclusiva do condutor do veículo seguro, (i) o valor de um salário (1550€) do seu marido por este não ter podido trabalhar durante um mês para lhe prestar assistência; (ii) o custo (79,18€) de telefonemas feitos pela sua filha, e (iii) 200.000€ pela perda da capacidade de ganho de rendimentos com o seu trabalho, que ela calcula com base naquilo que auferia diminuído do valor de uma pensão que passou a receber, com base numa taxa de juro de 5% ao ano.

Realizado o julgamento, foi proferida sentença, condenando a seguradora a indemnizar estes danos, embora o último com apenas 180.000€ e não com os 200.000€ pedidos.

A seguradora interpôs recurso desta sentença para que seja revogada na parte em que concede a indemnização pelos dois primeiros itens e para que seja diminuída quanto ao último, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões: A) A autora não tem legitimidade para peticionar neste autos indemnizações correspondentes a perdas salariais do seu marido, nem a despesas/gastos da sua filha, os quais, por essa razão, deverão ser retirados ao montante final da condenação; B) A indemnização destinada a ressarcir o dano patrimonial futuro da autora não deverá ir além dos 152.000€, sob pena de o montante atribuído, acrescido da pensão da autora, a colocar numa situação que, sob o ponto de vista patrimonial, seria muito superior à verificada antes do acidente.

A autora contra-alegou defendendo a improcedência do recurso. Mas antes, sem mais, diz que “o recurso não deve ser admitido dada a sua extemporaneidade e ausência do pagamento de qualquer sanção.”*O recurso foi admitido pelo tribunal recorrido que o considerou tempestivo “uma vez que o recorrente pagou multa inerente à prática do acto no segundo dia após o fim do prazo” [o que está comprovado a fl. 437 do processo electrónico]*Questões que importa decidir: a prévia da tempestividade do recurso; a de saber se a seguradora não devia ter sido condenada relativamente aos dois primeiros itens e se a indemnização pela perda de capacidade de ganho deve ser reduzida para, no máximo, 152.000€.

* Da tempestividade do recursoComo resulta do que antecede, a seguradora pagou multa pela apresentação do recurso no segundo dia após o prazo, pelo que o recurso não pode ser considerado extemporâneo.

*Para a decisão das outras questões, passam a considerar-se os factos dados como provados com interesse para tal decisão (tendo-se como pressuposto, não discutido pela ré, que a autora tem direito à indemnização dos danos sofridos, por a culpa exclusiva do acidente – ocorrido a 31/12/2006 – ser do condutor do veículo segurado pela ré): 39. A data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 05/02/2010.

52. Em 31/12/2006, a autora prestava serviços domésticos, sobretudo de limpeza, no Principado de Andorra.

53. A autora estava inscrita, como trabalhadora, na CASS como contribuinte e beneficiária com o n.º ……..

54. A autora completou a 3.ª classe do ensino primário.

55. Em consequência do acidente de viação e das lesões provocadas pelo mesmo, a autora ficou incapacitada para o trabalho da sua profissão, e o seu défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixa-se em 29 pontos, a que acrescem 5 pontos de dano futuro.

56. …e, por força da sua idade e do facto 54, a autora ficou totalmente incapacitada para o trabalho.

64. Em 31/12/2006, a autora auferia mensalmente a quantia média de 1.423,62€.

66. A autora em consequência da incapacidade para o trabalho, foi reformada pela CASS com a importância mensal de 711,81€.

67. …recebendo a quantia de 672,66€ a partir de 07/07/2010 que subiu para 723,20€ mas que só recebe 683,42€.

68. A autora desde 31/12/2006 até 07/07/2010, recebeu da CASS o subsídio mensal por doença no valor de 866,52€.

69. A autora teria mais 15 anos de vida activa (até aos 67 anos).

70. O marido da autora devia apresentar-se ao trabalho em 02/01/2007, o que não sucedeu em virtude de ter de permanecer em Portugal até 31/01/2007, para apoiar a autora.

72. …o que importou a perda de vencimento de um mês equivalente a 1550€ por não ter trabalhado.

75.

A filha da autora usou do telefone desta para se informar do seu estado o que importou um custo de 79,18€.

Facto acrescentado na sentença [ao abrigo legítimo do art. 607/4 do CPC]: A autora nasceu em 18/12/1958 – documento de fls. 366.

*Quanto à segunda questão, a sentença integrou nas despesas que a autora teve a perda do salário do marido e as chamadas feitas pela filha, acrescentando: “é certo que é discutível que o valor que o marido deixou de ganhar seja um dano emergente (podendo enquadrar-se como lucro cessante) e que esta verba e as despesas de telefone da filha poderão configurar danos de terceiro não enquadráveis nestes autos; todavia, parece que a economia processual e a justiça do caso concreto, aliados a uma relativa insignificância de valores em causa, no conjunto do que vem peticionado, permitirão, sem abuso, considerá-las aqui.” Pegando nestas palavras da sentença, a seguradora veio, no corpo das alegações, dizer o seguinte sobre a questão: “A autora não intentou a presente acção em representação do seu marido ou filha, nem se vê que estes últimos sejam parte na causa.

Assim sendo, não se percebe ao abrigo de que princípio de natureza jurídica se aceita que determinada pessoa, sem mandato, reclame em juízo os prejuízos ou danos sofridos pelo seu cônjuge ou filhos (a menos que estes fossem menores, o que não foi alegado).

Como é bom de ver, estamos perante um evidente problema de falta de legitimidade, que nenhuma consideração relacionada com economia processual, justiça do caso concreto ou insignificância de valores poderá superar.

[…].” A autora, por sua vez, diz o seguinte: “Na sua contestação não alegou a seguradora ilegitimidade em qualquer aspecto. No despacho saneador declaram-se legítimas as partes. A declaração de legitimidade respeita a todo o objecto da acção. Não deduziu a seguradora qualquer reclamação ao despacho saneador, pelo que transitou em julgado, não podendo agora a seguradora furtar-se ao pagamento com base na ilegitimidade.

Se no aspecto adjectivo não lhe assiste razão, muito menos a tem no substantivo.

Vejamos o salário do marido da autora: não põe a seguradora em dúvida que a autora é casada, tal como se apresenta no cabeçalho da p. i. e se vê da certidão do seu assento de nascimento constante dos autos. É o regime de bens o supletivo, ou seja, o da comunhão de adquiridos. O vencimento de qualquer dos cônjuges aos dois pertence. A sua falta é um dano no património de ambos, pelo que qualquer deles o pode reclamar. Por outro lado, embora dos autos não conste, era o património de ambos administrado por qualquer dos cônjuges. A autora ao reclamar o vencimento de seu marido, está actuando por direito próprio e reclamando o que lhe pertence.

Quanto às despesas telefónicas: diz-se no art. 83 da p. i. que a filha da autora telefonou várias vezes para se informar do estado de saúde da mãe e que “usou o telefone da autora”, tendo gasto 78,18€. É exactamente isto o que se tem por provado no facto 75. Também aqui a autora reclama o que lhe pertence a si própria e não à filha.” Decidindo Quanto ao custo dos telefonemas: a autora não disse, ao contrário do que foi interpretado pela sentença, logo seguida pela seguradora, que o telefone era da filha ou que as despesas eram da filha. O que ela disse é que a filha praticou actos que se traduziram em despesas da própria autora. Apesar disso, a questão mantém-se, embora com outra forma: os danos de que os lesados têm direito a ser indemnizados são aqueles que podem ser considerados consequência adequada do acto lesivo (no caso, o acidente de viação; arts. 483 e 563 do CC). Ora, os gastos com os telefonemas não foram provocados pelo acidente, mas pela conduta da filha da autora que utilizou o telefone da mãe para os fazer. É certo que se não fosse o acidente, a filha da autora não faria estes telefonemas (isto é, com o conteúdo que é pressuposto implícito no facto 75, ou seja, para saber do seu estado decorrente do acidente). Mas isso, só por si, não justifica que o custo deles deva ser suportado pela seguradora, porque nem tudo aquilo que ocorre na sequência de um facto pode ser imputado juridicamente a este, mas apenas aquilo que é consequência...

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