Acórdão nº 2007/09.3TVPRT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 07 de Outubro de 2014

Magistrado ResponsávelJOS
Data da Resolução07 de Outubro de 2014
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo 2007/09.3TVPRT.P1 Acordam no Tribunal da Relação do Porto I – Relatório Recorrente(s): C… – Companhia de Seguros, S.A.; Recorrido(s): Fundo de Garantia Automóvel.

  1. Vara Cível do Porto – 1ª Secção.

*****O Fundo de Garantia Automóvel, com sede na Rua …, n.º .., Lisboa, subrogado na posição da A. B…, com residência indicada na Rua …, Entrada …, casa …, ….-… Porto, na sequência da sentença de homologação do acordo celebrado com aquela e a respectiva Ré, C… – Companhia de Seguros, S.A., anteriormente denominada de D… – Companhia de Seguros, SA, com sede na …, nº .., ….-…, LISBOA, veio prosseguir com os presentes autos em que são intervenientes a Herança Jacente aberta por óbito de E…, e F…, residente na Rua …, n.º …, Porto, fruto do pedido de intervenção, a título principal provocado, deduzido pelo respectivo Fundo da garantia Automóvel, ao abrigo do disposto no art. 62.º, do DL 291/2007.

Como fundamento da acção, alega o autor que B…, em consequência do acidente de viação em causa nesta acção, sofreu TCE, que a deixou em estado de coma vegetativo, em consequência do despiste do veículo de matrícula ..-..-RC, em que seguia como passageira, quando conduzido por E…, não habilitado com carta de condução. Invocando ter sido transferida a responsabilidade do veículo ..-..-RC, por contrato titulado pela apólice nº ........., para a companhia de seguros demandada, a esta foi imputada a responsabilidade civil decorrente da circulação do mencionado veículo.

A demandada contestou, alegando a inexistência de contrato de seguro válido e eficaz à data do acidente. Assim, conclui, face ao estipulado na cl.ª 4.ª, al. g) do seguro de ocupantes, ocorrer uma causa de exclusão da responsabilidade para si transferida, mais invocando que, a tomadora do seguro usou de dolo, ao indicar falsamente outra pessoa como condutor habitual da viatura, o que consubstancia invalidade do contrato de seguro, atento o estipulado na cl.ª 11.º, das condições gerais da apólice de seguro, em conjugação com o disposto no art. 429, do Cód. Com. No mais, impugnou a factualidade alegada pela então autora.

Conclui, como tal, pedindo, que se julgue procedente a excepção peremptória de inexistência de seguro válido e eficaz à data do acidente com a consequente absolvição do pedido Contrapôs o FGA que o referido contrato de seguro é perfeitamente válido e eficaz ou, caso assim se não entenda, para a hipótese de se considerar que as referidas declarações prestadas pelo tomador influíram decisivamente na decisão de contratar, entende que tal facto não poderá ser oponível à lesada. Pede, como tal, a condenação da seguradora no montante pago à lesada.

Delineada a base instrutória, veio a proceder-se a julgamento vindo a Companhia de Seguros apresentado as suas alegações de direito, nos termos que constam de fls. 1004.

Finalmente, veio a ser proferida a douta decisão, ora em recurso, nos seguintes termos: “Nos termos expostos, julgo a presente acção totalmente procedente, por provada, quanto ao pedido formulado pelo Fundo de Garantia Automóvel, subrogado na posição da primitiva A., e, como tal, habilitado, nessa posição, a prosseguir com os presentes autos, e, em consequência, condeno a Ré, C… - Companhia de Seguros, S.A., a reembolsar o referido FGA dos pagamentos por este efectuados à lesada, B…, e à instituição de acolhimento e tratamento, mais substituindo o FGA nos pagamentos em falta até ao limite do valor de 190.000,00€.

Custas pela Ré.”*Inconformada com tal decisão, dela interpôs recurso a ré de cujas alegações se extraíram as seguintes conclusões: 1. O presente recurso é restrito à matéria de Direito (artigo 639.º/2 do CPC) e visa a revogação da sentença recorrida e a sua substituição por uma decisão que, julgando procedentes as excepções peremptórias de anulabilidade e de nulidade do contrato de seguro, respectivamente, em razão das falsas / inexactas declarações prestadas e da falta de interesse evidenciada pela tomadora, exonere a Recorrente de toda e qualquer obrigação de reembolso perante o FGA; 2. Verdade seja dita, que o Tribunal a quo fez uma correcta apreciação da matéria factual, tomando em devida consideração as provas produzidas, sobre as quais se debruçou de forma crítica… claudicando, todavia, no plano normativo, por errada interpretação e/ou aplicação do disposto nos artigos 428.º e 429.º do Cód. Comercial, 6.º/1 e /2 e 22.º do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de Agosto, e 9.º/1 e/3 do CC; 3. Em 20-10-2008, data em que foi subscrito o contrato de seguro em apreço, encontrava-se em vigor o Título V do Cód. Comercial, em cujo artigo 429.º se fazia constar que “toda a declaração inexacta, assim como a reticência de factos ou circunstâncias conhecidas pelo segurado ou por quem fez o seguro, e que teriam podido influir sobre a existência ou condições do contrato tomam o seguro nulo”; 4. Trata-se, para empregar a definição que viria a constar do artigo 24.º do Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16 de Abril (que aprovou a LCS), do dever de declaração inicial do risco, que em si vincula o tomador do seguro e/ou segurado: (i) a não fornecer informações inexactas (misrepresentation); e (ii) a divulgar todos os elementos que a contraparte (Segurador) tenha interesse objectivo em conhecer (full disclosure); 5. Para qualquer contrato, independentemente do modo de formação, é essencial o acordo das partes, quanto ao seu âmbito (subjectivo, objectivo e temporal) e às cláusulas que o compõem (mesmo os contratos de adesão, de seguro e outros, são precedidos de uma fase preliminar, de exibição de um questionário cujas respostas permitirão ao declaratário decidir se apresenta ou não uma proposta e quais as condições em que o fará); 6. Nos contratos de seguro, atenta a respectiva natureza como negócio ubérrima fides (ou de confiança), as regras da boa-fé, a que o artigo 227.º/1 do CC alude num contexto geral, fazem sentir-se com especial intensidade, admitindo o legislador que o Segurador pode ser a parte mais fraca, pois nenhuma observação, nenhum documento ou questionário, por mais exaustivo que seja, é apto a assegurar, só por si, o pleno equilíbrio de posições, a partir do momento em que há factos que são do conhecimento exclusivo do tomador; 7. Tendo em conta os factos assentes e os dados como provados, resulta clara a sua violação por parte de F…, tomadora do seguro que: declarou, na proposta de seguro, como condutor habitual do veículo RC, o G…, quando, na verdade, aquele iria ser habitualmente conduzido por E… – violação, por acção, do dever de não fornecer informações inexactas; como se “esqueceu” de mencionar que o mesmo E… não tinha a habilitação legal exigida para a condução do veículo RC – violação, por omissão, do dever de plena divulgação / informação de factos; 8. Uma pessoa razoável, normal ou dotada de conhecimentos médios, não deveria ignorar a importância de que se reveste, para o Segurador, e no âmbito de um seguro automóvel, a correcta identificação do condutor habitual do veículo – mesmo que esse aspecto não tivesse sido objecto expresso de questionário (que foi), a sua relevância resulta à saciedade, para o cálculo dos prémios e, no limite, quanto à própria decisão de contratar (por poder tornar o sinistro mais provável ou mais amplas ou severas as suas consequências); 9. Para que opere a estatuição do artigo 429.º do Cód. Comercial, e recuperando o elemento literal, basta que as declarações ou omissões do tomador tenham efectivamente influído na celebração do contrato de seguro e respectivas condições, o que, in casu, sucedeu – tanto assim foi, que o Tribunal a quo acedeu à anulabilidade do...

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