Acórdão nº 956/10.5PJPRT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 08 de Outubro de 2014

Magistrado ResponsávelMOREIRA RAMOS
Data da Resolução08 de Outubro de 2014
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Proc. nº 956/10.5 PJPRT.P1 Tribunal da Relação do Porto (2ª Secção Criminal – 4ª Secção Judicial) Origem: Juízos Criminais do Porto (1º Juízo – 1ª Secção) Acordam, em conferência, na 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto: I – RELATÓRIO: No processo supra identificado, por sentença datada de 28/03/2014, depositada em 14/04/2014, e no que ora importa salientar, decidiu-se julgar a acusação pública procedente, por provada, e, em consequência, condenar o arguido B…, como autor de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152º, nº 1, al. a), do Código Penal, na pena de dezoito meses de prisão, substituídos pela prestação de quatrocentas e oitenta horas de trabalho a favor da comunidade, a cumprir de acordo com o plano a elaborar pela DGRS, sujeita a regras de conduta, consubstanciadas na frequência de acções que incidam sobre as suas dificuldades de auto-responsabilização, desenvolvendo competências de análise crítica das situações e de respeito pela ofendida e a comparência a entrevistas com regularidade a determinar por aquela entidade.

Inconformado com a sobredita decisão, dela veio o mesmo interpor recurso nos termos constantes de fls. 640 a 682 (via fax, com remessa electrónica documentada a fls. 686 a 728 e com original a fls. 729 a 771), aqui tidos como especificados, tendo formulado, a final, as seguintes conclusões (transcrição): A. Atenta a prova produzida nestes autos, o Venerando Tribunal ad quo errou, não apenas na apreciação material da prova produzida em audiência, assim como e principalmente, na sua apreciação jurídica, julgando erradamente estarem preenchidos os pressupostos jurídicos e materiais do crime em questão.

  1. Para além disso, ainda que os pressupostos materiais do crime de violência doméstica se encontrassem preenchidos, o que não se concede, sempre se diga que a pena em que o Arguido foi condenado é escandalosamente desproporcional às necessidades de punição que poderiam estão em questão neste caso, designadamente, ao nível da prevenção geral e especial.

  2. Sendo que o arguido foi condenado, repare-se, sem ter quaisquer antecedentes criminais e sendo portanto primário, em 18 meses de prisão! D. Quanto à matéria de facto considerada provada pelo Tribunal ad quo, julgamos que a mesma foi incorrectamente apreciada atenta a prova produzida em audiência, designadamente, no que concerne aos pontos da fundamentação de facto d), f), g), h), i), j), l), m), n), o), p), q), t), u), v) e x) e z).

  3. Os quais, atenta a prova produzida em audiência, designadamente, testemunhal, deverão ser dados como não provados ou, pelo menos, alterados.

  4. Para além disso, na apreciação da matéria de facto, o Tribunal ad quo não incluiu a forma como os actos imputados ao Arguido afectaram ou não a Assistente C…, designadamente, cada um dos factos que lhe foram imputados, sendo que resulta por demais perverso incluí-los todos no mesmo “bolo” quando os factos descritos na fundamentação de facto de C) a O) ocorreram até ao momento em que Arguida encerrou o estabelecimento comercial de restauração “D…” em 28 de Agosto de 2010, e os factos assentes constantes das alíneas P) a U) ocorreram a partir do divórcio do casal, decretado em 26.06.2012 até data que ficou por determinar.

  5. Tudo conforme a prova produzida em audiência e os factos constantes da acusação, nos quais, os dois momentos temporais foram bem separados, havendo um hiato temporal de quase dois anos em que nenhuma conduta é censurada ao Arguido, nem pela acusação nem pelo Tribunal ad quo.

  6. Ora, será admissível que o Tribunal ad quo condene o arguido por tais actos, os quais configuram dois crimes diversos, sem considerar, separadamente, a forma como cada um desses conjuntos de actos imputados ao Arguido afectaram ou não a Assistente C….

    I. Ou seja falhou o tribunal ad quo ao não considerar que o arguido praticou diferentes crimes, como também na análise das circunstâncias e pressupostos de cada, J. Isto sendo certo que, se relativamente ao primeiro período temporal, ou crime, o Tribunal ad quo condena o arguido por comportamentos activos de ofensa física e verbal da Assistente, que considera de vexatórios e humilhantes da Assistente, pelo segundo momento, ou crime, em que o Tribunal condena o Arguido por uma atitude de perseguição, de stalking, de incómodo.

  7. Ora, na nossa modesta opinião, cremos decisivo para o preenchimento da factispécie legal do crime previsto no artigo 152.º do Código Penal que o Tribunal considere a forma como tais actos de violência doméstica afectaram ou não a sua vítima, sendo que tal dispositivo estabelece que “quem, de modo reiterado ou não, infligir maus tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações da liberdade e ofensas sexuais…” L. Deveria pois o Tribunal ad quo ter-se pronunciado sobre o maior ou menor sofrimento vivido pela vítima em cada um dos crimes de que foi acusado o Arguido e em que o veio a condenar, até para determinar o grau de culpa e a censurabilidade da conduta do arguido.

  8. Isto porque se os actos do arguido no primeiro momento temporal considerados, crime, podem ter sido motivados por uma atitude, que apenas se conjectura mas não se admite, por desgaste da relação, no segundo momento temporal ou crime, a sua atitude para com a Assistente é claramente diversa, conforme plasmado nos escritos do Arguido, até porque nesse segundo momento não tem qualquer contacto com a Assistente.

  9. Sendo certo que no segundo momento temporal ou crime estão em questão 20 (vinte bilhetes, notas ou cartas), repare-se 20, que o Arguido endereçou à ofendida, as quais, do nosso modesto ponto de vista, não podem de maneira nenhuma merecer a censura que mereceram do Tribunal ad quo.

  10. Isto porque são apenas a mais pura demonstração de um comportamento humano, misturando racionalidade e emotividade, raciocínio e comoção.

    P: O que não pode ser confundido com actos de violência doméstica.

  11. Ora, o que podemos ver nas cartas enviadas pelo Arguido à Ofendida é que nunca houve por parte do arguido um qualquer intuito de magoar a ofendida, o que de facto nunca aconteceu.

  12. Qualquer destas mensagens, pelo seu carácter íntimo, à luz de uma secretária de um qualquer julgador, longe de todas e quaisquer circunstâncias em que posam ter sido escritos, sempre poderão parecer estranhas, difíceis, despertando em nós um sentimento de vergonha alheia.

  13. Mas estes bilhetes não só não foram escritas por um jurista que muito procura cuidar pelas suas palavras, como também não foram escritas para serem lidas por terceiros.

  14. Bem como, repare-se, não foram escritas, sequer, para serem lidas pela Assistente, anos após.

  15. Tais palavras foram usadas num determinado momento desconhecendo nós, de todo as circunstâncias que rodearam as mesmas.

    V. Pelo que, ainda que se faça um exercício académico de que o arguido venha condenado pelos restantes factos pelos quais vem acusado, o que não se admite mas que poderá eventualmente decorrer das infelicidades de um julgamento viciado por testemunhos mais ou menos verdadeiros, nunca cremos que o arguido deverá ser condenado pelo teor das cartas que endereçou à Assistente.

  16. Ao que acresce que alguns dos tais 20 bilhetes foram recolhidos pela própria ofendida da casa da mãe do arguido, sem que nada a obrigasse a pegar neles e lê-los, bem sabendo que os mesmos pertenciam ao arguido e lhe eram dirigidos.

    X. Ou seja, havia uma disposição da ofendida para receber as cartas, sendo que a ofendida podia simplesmente rejeitá-las.

  17. Por fim, ainda sobre as cartas e bilhetes supra referidas, sempre se refira que o conteúdo das mesmas não foi de qualquer modo reproduzido em audiência, tendo simplesmente transitado dos autos para a sentença recorrida, em violação do princípio de que toda a prova em processo penal é produzida em audiência.

  18. É notória em toda a sentença a tendência do Tribunal ad quo de interpretar todos e quaisquer depoimentos a favor da ofendida, descredibilizar ou considerar tendenciosos os depoimentos que narravam factos a favor da defesa, bem como considerar da pior forma os escritos do arguido dirigidos à ofendida.

    AA. Sendo que neste caso tal não pode admitir-se, designadamente, por comparação à maioria dos julgamentos por violência doméstica, sendo que os factos sub judice ocorreram todos fora de portas, à luz de todos, e não entre paredes, num espaço recôndito, secreto e confidente.

    BB. Pelo que à acusação, nestes casos, devem ser exigidos muito mais elementos de prova de cada facto, não se ficando pela duvidosa segurança de um depoimento e, acima de tudo, pela maior margem de manobra na sua interpretação.

    CC. Pelo que cremos que de forma inegável o Tribunal ad quo falhou na apreciação da prova produzida, incorrendo no vício da insuficiência, para a decisão da matéria de facto provada, no vício do erro notório na apreciação da prova (cfr. art. 410º nº 2, al. c), do CPP), da violação do princípio da livre apreciação da prova, e do princípio In Dubio Pro Reu.

    DD. Por fim, diga-se que ainda que se dessem como provados os factos que o Tribunal ad quo considerou como provados, o que não se concede, a questão que aqui se coloca prende-se com a justeza de uma sentença que, face aos mesmos, condene o arguido a 18 meses de prisão.

    EE. Nesta matéria, cremos que o critério legal a seguir é o de que o tribunal deve preferir à pena privativa de liberdade uma pena alternativa (de multa) sempre que verificados os respectivos pressupostos de aplicação, isto é, que a pena alternativa se revele adequada e suficiente à realização das finalidades da punição.

    FF. Sendo certo que a aplicação de uma pena alternativa à pena de prisão, no caso a pena de multa, depende tão-somente de considerações de prevenção especial, sobretudo de prevenção especial de socialização, e de prevenção geral sob a forma de satisfação do «sentimento jurídico da comunidade».

    GG. Ora, o quadro factológico provado, exposto na própria sentença recorrida, não aponta minimamente no sentido do arguido...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT