Acórdão nº 118/08.1GBAND.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 17 de Dezembro de 2014

Magistrado ResponsávelPEDRO VAZ PATO
Data da Resolução17 de Dezembro de 2014
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Proc. nº 118/08.1GBAND.P1 Acordam os juízes, em audiência, no Tribunal da Relação do Porto I – B… vem interpor recurso do douto acórdão do Juízo de Instância Criminal de Anadia (Comarca do Baixo Vouga) que o condenou, pela prática de um crime de homicídio simples, p. e p. pelo artigo 131º do Código Penal, na pena de treze anos e seis meses de prisão; um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86º, nº 1, c), da Lei nº 5/2006, de 23 de fevereiro, na pena de dois anos de prisão e na pena acessória de interdição de detenção, uso e porte de armas pelo período de três anos; e, em cúmulo jurídico, na pena de catorze anos de prisão e nessa pena acessória; e o condenou a pagar a C… a quantia de quarenta mil euros, acrescida de juros legais, a título de indemnização por danos não patrimoniais; a pagar a D… a quantia de cem mil euros, acrescida de juros legais, a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais; e a pagar a E… a quantia de cento e dez mil euros, acrescida de juros legais, a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais.

Da motivação deste recurso constam as seguintes conclusões: «1ª O Tribunal “a quo” andou manifestamente mal ao condenar o Arguido pela prática, em autoria material de um Crime de Homicídio (art. 131º do Código Penal) na pena de 13 anos e 6 meses de prisão; pela prática de um Crime de Detenção de arma proibida (art. 86º nº. 1 alínea c) da Lei 5/2006, de 23-02), na pena de 2 anos de prisão, na pena única de 14 anos de prisão e em ter julgado parcialmente procedentes os pedidos de indemnização civil formulados por C…, condenando o Arguido a pagar-lhe a quantia de €40.000,00, a título de indemnização por danos morais, acrescida de juros de mora desde a data da notificação para contestar o pedido até efectivo pagamento; formulado pelos lesados D… e E…, condenando o arguido a pagar ao lesado D… a quantia de €100.000,00 e à lesada E… a quantia de €110.000,00, ambas as quantias a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, acrescida de juros de mora desde a data da notificação para contestar o pedido até efectivo pagamento.

  1. O Tribunal “a quo” andou mal ao dar como assente a versão dos factos dados como provados nos pontos 16, 17 e 19 e ao dar como não provada a versão constante dos factos dados como não provados, nomeadamente os factos 15 a 20; 27 e 28; 32 a 38; 43 a 56, existindo um erro na apreciação da prova, nos termos do art. 410º nº. 2 alínea c) do CPP, pretendendo-se com o presente recurso que o Tribunal da Relação aplique remédios jurídicos a estes pontos mal julgados com base na análise de toda a prova produzida e nas regras de experiência comum.

  2. O Tribunal “a quo” apesar de ter andado bem ao atender às declarações prestadas pelo Arguido (as quais se encontram gravadas em CD - gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, conforme acta de audiência de julgamento de 20/05/2014, com início 00:00:01 a 00:01:23; 00:00:01 a 00:48:22; 00:00:01 a 00:26:35 – das 15:18:55 até 16:43:54), surpreendentemente andou mal quanto à questão das ameaças de que o mesmo vinha a ser alvo há pelo menos um ano por parte do F… e mais tarde, por G… a mando do F…; quanto à dinâmica dos factos no dia 6 de Março de 2008, ao final da tarde, nomeadamente quanto ao diálogo travado entre ambos, F… e Arguido e quanto aos gestos ou condutas assumidas por cada um deles e quanto aos sentimentos do arguido após os factos, pois se analisarmos o Acórdão recorrido não vislumbramos razões válidas e consistentes que permitam abalar a credibilidade das declarações prestadas pelo mesmo quanto a tais aspectos.

  3. Quanto à questão das ameaças o arguido esclareceu o Tribunal “a quo”que após o encontro entre ele e o F… no Restaurante H…, no qual o F… lhe disse que tinham de fazer um acerto de contas relativamente aos €10.000 (ponto 33 dos factos provados), o mesmo retorquiu que nada lhe tinha a pagar, dado que tinha suportado as rendas, outras despesas e limpo o estabelecimento (ponto 34 dos factos provados). Nesse mesmo dia, o F… foi claro quando disse ao Arguido “Não te preocupes que não ficas com o dinheiro” e a partir dessa altura começaram as ameaças verbais por parte do F…, as quais se prolongaram por um ano (ponto 35 dos factos provados), e que associado ao facto de o Arguido saber que o F… era um homem que tinha armas, pois já lhe tinha visto um revólver, deixou-o com medo. Daí que não se entende em que prova se baseou o Tribunal “a quo” para ter concluído que o F… durante um ano insistia com o Arguido, mas não o ameaçava.

  4. Sendo as posições de Arguido e F… tão opostas quanto à existência da alegada dívida, não se coaduna com as regras de experiência comum considerar que o F… apenas insistia com o Arguido pela devolução do dinheiro, pois se assim fosse contratava um advogado para exigir judicialmente tal quantia a que considerava ter direito, mas diferente disso optou por “solicitar” a um terceiro, G… (G1…) para cobrar tal alegada dívida.

  5. Tendo em conta a personalidade de F…, a qual era aliás conhecida por muitos que com ele conviviam, fácil é de concluir que o mesmo não se ficaria por meras insistências durante um ano, mas por algo mais, nomeadamente ameaças como nos relatou o Arguido. Veja-se a título meramente exemplificativo a mensagem escrita enviada pela Assistente para o telemóvel do F… no dia 6/03/2008, pelas 19:41:38, “Quando poderes liga ele pensa que andas à pancada” – fls. 52 dos autos: a testemunha I… que tinha uma dívida para com o F… considerava o mesmo uma pessoa que resolvia as coisas de forma menos correcta e tinha uma arma (conforme inquirição que se encontra gravada em CD - gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, conforme acta de audiência de julgamento de 20/05/2014, com início a 00:00:01 a 00:23:26, das 16:46:44 até 17:10:10) e a testemunha J… que ouviu no matadouro onde trabalhava, o F… a dizer-lhe que ia acertar contas com o I…, pois ele andava a gastar o dinheiro com gajas, mas ia ajustar contas com ele (conforme inquirição que se encontra gravada em CD - gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, conforme acta de audiência de julgamento de 04/06/2014, com início 00:00:01 a 00:09:59, das 15:51:16 até 16:01:16).

  6. Não é plausível, segundo as regras de experiência comum, que F… em relação a uma dívida de valor reduzido (€500,00 / €1.000,00) perante I… (ponto 7 dos factos dados como provados) só aguardasse 2/3 meses e fosse para a porta da casa do mesmo munido com uma arma carregada e um bastão para cobrar a dívida e em relação ao Arguido ficasse um ano apenas a insistir por si e através de um terceiro pelo pagamento da alegada dívida de €10.000,00.

  7. As ameaças de que o Arguido foi vítima foram levadas a cabo pelo F… e mais tarde por G… (G1…), segurança no Estabelecimento nocturno “K…”, o qual contactou telefonicamente o Arguido quando este fazia a viagem de regresso do Alentejo e lhe transmitiu que tinha sido contratado por F… para receber €10.000,00, ao que o Arguido lhe disse que não devia qualquer dinheiro. Após este telefonema, e antes do Arguido se encontrar com o tal G1… na roulotte do mesmo em Coimbra, telefonou a um militar da GNR para saber algo mais sobre o cobrador da alegada dívida, ao que foi informado que o mesmo era pessoa perigosa. Em face desta informação, o Arguido teve receio de se encontrar sozinho com o G… e ligou a L… para que fosse ter consigo à roulotte. Ora, qual o sentido do Arguido ligar a uma pessoa sua conhecida a pedir para estar na roulotte do G1…, às 2 horas da madrugada, se não tivesse a informação de que o mesmo era perigoso? Nenhum.

  8. Quando o Arguido chegou ao local já ali se encontrava o L… sentado junto à roulotte e nisto, dirigiu-se ao G1… o qual lhe disse que tinha de receber os €10.000,00 até domingo. Em face desta exigência o Arguido explicou ao G1… o negócio que celebrou com o F… para ele entender que não havia qualquer montante a devolver. Contudo, o G1… disse ao Arguido que não queria saber se ele devia ou não devia, pois ele tinha de pagar pois sabia que ele tinha mulher e filha e o primeiro alvo a abater era a filha. Em face disto, o Arguido temeu aquelas ameaças e não meras “insistências” proferidas pelo G1… (embora esta testemunha, acompanhado por duas ilustres advogadas, aquando da sua inquirição em sede de julgamento, se refugiasse na alegação de que já não se recordava da situação, apesar de confirmar que conhecia o Arguido e o F…, o que é manifestamente estranho e incompatível com o normal suceder).

  9. Mas se não fossem suficientes as declarações do Arguido, sempre podia e devia o Tribunal “a quo” atender à prova testemunhal, nomeadamente: L…, o qual confirmou que na noite em que o Arguido regressava do Alentejo, ele ligou-lhe a dizer que tinha de ir falar com uma pessoa a uma roulotte à … que o andava a ameaçar, o qual segundo o Arguido seria o G1…, pedindo à testemunha para ir lá ter, o que este fez (conforme inquirição que se encontra gravada em CD - gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, conforme acta de audiência de julgamento de 04/06/2014, com início às 00:00:01 até 00:15:53, das 12:02:35 até 12:18: 28); 11ª M… confirmou que o Arguido recebeu um telefonema do G1…, que segundo o Arguido o ameaçou, mas como o Arguido ficou transtornado com aquele telefonema, a testemunha deu-lhe o número de telefone de um GNR seu amigo para o Arguido lhe ligar e saber algo mais sobre o G1…. Após tais telefonemas, o Arguido foi falar com o G1… pelas 2 horas /2:30h, à roulotte do G1…. Após a conversa do Arguido com o G1… na roulotte, o arguido disse à testemunha que o G1… tinha sido contratado pelo F… para cobrar a dívida e que se não lhe desse €5.000,00 até sábado faria mal a um familiar do arguido (conforme inquirição que se encontra gravada em CD - gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, conforme acta de...

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