Acórdão nº 108459/13.3YRPRT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 27 de Abril de 2015

Magistrado ResponsávelCORREIA PINTO
Data da Resolução27 de Abril de 2015
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo n.º 108459/13.3YIPRT.P1 5.ª Secção (Cível) do Tribunal da Relação do Porto Sumário (artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil): I- A alteração da matéria de facto pela Relação deve ser realizada ponderadamente, só devendo ocorrer se, do confronto dos meios de prova indicados pelo recorrente com a globalidade dos elementos que integram os autos, se concluir que tais elementos probatórios, evidenciando a existência de erro de julgamento, sustentam, em concreto e de modo inequívoco, o sentido pretendido pelo recorrente.

II- A presunção de pagamento em que se funda a prescrição presuntiva pode ser ilidida por confissão do devedor, podendo a confissão judicial ser tácita, o que se verifica quando o réu, ouvido em audiência de julgamento, aí descreve factos incompatíveis com o que alegou na respectiva contestação.

Acordam, na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto: I) Relatório 1.

B…, Lda.

, intentou procedimento de injunção contra C…, ambos melhor identificados nos autos.

1.1 A requerente alega que, no exercício da sua actividade de manutenção, reparação e comercialização de veículos automóveis, vendeu ao requerido um veículo automóvel, mediante o preço acordado de € 19.440,00, a pagar em 36 prestações mensais e sucessivas no valor de € 540,00 cada uma; o requerido apenas procedeu ao pagamento das primeiras vinte e duas prestações, no valor global de € 11.880,00.

Reclama o pagamento da quantia de € 7.560,00, acrescida de juros de mora vencidos no montante de € 2.744,64 e de juros vincendos, à taxa legal comercial, bem como o pagamento das despesas e encargos processuais a que a sua cobrança coerciva dê lugar.

1.2 O requerido veio deduzir oposição, começando por invocar, a título de excepção, a prescrição presuntiva a que se reporta o artigo 317.º, alínea b), do Código Civil, alegando para o efeito que o pagamento do veículo foi efectuado por meio de vários cheques e em numerário, respeitando o plano de pagamento previamente acordado com a requerente, em 36 prestações mensais, iguais e sucessivas, de 540,00€ cada, sendo o pagamento da primeira prestação em 10 de Abril de 2007 e da última em 10 de Março de 2010, tendo a requerente ficado com a obrigação de enviar ao requerido o respectivo recibo, o que até hoje nunca aconteceu e que a venda do veículo não se destinou ao seu exercício industrial ou comercial, nem ele é comerciante.

Alegou depois que nada deve à requerente e concluiu afirmando que a oposição deve ser julgada procedente, e em consequência ser julgada procedente e provada a excepção peremptória da prescrição e ser o requerido absolvido do pedido; assim não se entendendo, a acção deve ser julgada improcedente, por não provada, com a consequente absolvição do pedido.

1.3 No prosseguimento do processo e concluída a audiência de discussão e julgamento, o tribunal proferiu sentença, onde respondeu à matéria de facto e explicitou a respectiva motivação, posto o que decidiu que operava a prescrição presuntiva e, em consequência, julgou improcedente o pedido e dele absolveu o requerido.

2.1 A requerente, inconformada com a decisão proferida, veio interpor o recurso que aqui se aprecia, formulando as seguintes conclusões (transcrição integral): «1. No que respeita à base factual da decisão, merecem censuras as respostas dadas pelo tribunal a quo aos pontos 4) e 5) da Matéria de Facto, devendo tais pontos ser reapreciados e modificados pelo Venerando Tribunal da Relação, nos termos do artigo 662.º do CPC.

  1. De facto, em face da prova produzida, nomeadamente a prova testemunhal, não poderia o tribunal a quo ter dado como provado que «o Réu não é comerciante» e que «o veículo automóvel se destinou ao uso particular do Réu».

  2. As respostas dadas pelo tribunal aos quesitos supra identificados não têm qualquer fundamento face aos elementos da prova trazidos ao processo, sendo que as provas recolhidas impunham uma decisão de sentido inverso, isto é, que fosse dado como provado que «O Réu é comerciante» e «O veículo automóvel se destinou à atividade comercial do Réu».

  3. Por outro lado, a prova produzida em audiência impunha que dessem como provados outros factos com relevo para a apreciação da causa, a saber: «Por três vezes pelo menos, durante o ano de 2011, o Réu reuniu-se com a Autora no sentido de acordar com ela a forma de pagamento, entre outras quantias, do remanescente de € 7.500,00 (sete mil e quinhentos euros) do preço do referido automóvel (A3)», e «O Réu não pagou o remanescente do preço do identificado automóvel (A3), no valor de € 7.560,00 (sete mil quinhentos e sessenta euros)».

  4. Assim, o presente recurso em matéria de facto funda-se em erro na apreciação da prova produzida e a sua procedência importa a alteração da base factual da decisão nos termos supra referidos.

  5. Em relação ao ponto 5) da Matéria de Facto, note-se que as testemunhas arroladas pela recorrente, apesar de reconhecerem que o recorrido era sócio gerente de uma empresa, afirmaram perentoriamente, sem dúvidas ou hesitações, que o mesmo, paralelamente, se dedicava, com caráter de habitualidade, a negócios de compra e venda de automóveis, camiões e máquinas industriais, à margem da atividade lucrativa da dita sociedade, servindo-se para o efeito das instalações da referida sociedade.

  6. As referidas afirmações das testemunhas ouvidas não assentaram em suposições ou meras convicções – como indevidamente interpretado e entendido pelo tribunal a quo –, mas antes em concretos factos dos quais tais testemunhas tinham conhecimento direto, por tal lhe ter sido comunicado diretamente pelo recorrido e/ou por terem intervindo em tais negócios.

  7. Em concreto, as testemunhas declararam ter conhecimento direto dos seguintes negócios celebrados pelo Réu como comerciante de automóveis e máquinas industriais: a compra ao Autor dos veículos com a matrícula SG e do discutido nos autos (A3), a venda (ou proposta de venda) dos automóveis QM e ZE, a venda de duas máquinas escavadoras, a venda dos camiões comprados na insolvência e da sua venda posterior, o subarrendamento de parte do armazém.

  8. Assim, a testemunha D… afirmou que o recorrido era um comerciante nato, procurando explorar e obter ganhos em todas as oportunidades de negócio que lhe surgiam, usando para o efeito o armazém da sua sociedade, ora vendendo máquinas – tendo-lhe inclusivamente esta própria testemunha comprado uma por € 12.500,00, assim como angariado compradores para outras máquinas do recorrido –, ora vendendo camiões e gruas, ora subarrendando parte do armazém que a sociedade dispunha, enfim, tudo que lhe aparecesse e que lhe permitisse obter ganhos à margem da sociedade de que era gerente.

  9. As declarações desta testemunha foram corroboradas pelo depoimento de E…, que tinha conversas de negócios com o recorrido, tendo-lhe este por diversas vezes dado a conhecer os negócios que tinha em mãos à margem das empresas de que era gerente.

  10. A testemunha F… revelou também conhecimento direto de concretos negócios, respeitantes à venda de duas máquinas, ao negócio de camiões e à compra, venda e retoma de veículos automóveis, os quais não podem ser vistos como oportunidades meramente ocasionais.

  11. Para além do mais, conforme foi admitido pelo próprio recorrido em depoimento de parte, o pagamento de algumas prestações do preço do carro aqui em causa foi feito através de cheques da própria sociedade de que era sócio-gerente e outros através de cheques particulares de terceiros passados à ordem da sociedade e depois endossados, o que demonstra a existência de fluxos financeiros entre a sociedade e o sócio, indiciando que também entre eles, isto é, entre o réu e a própria sociedade de que era gerente, existiam negócios.

  12. Acresce que as próprias testemunhas arroladas pelo recorrido admitiram terem visto nas instalações do Réu camiões que não pertenciam à sociedade G…, não sendo verosímil que esses camiões e máquinas de grandes dimensões se encontrassem estacionados a título de favor nessas instalações como quiseram fazer crer para iludir o tribunal! 14. Em reforço da convicção de que o Réu é comerciante, a testemunha H… declarou que ocupa um contentor nas instalações do Réu, confirmando, assim, a existência de subarrendamentos, como afirmado pela testemunha D….

  13. Pelo que, perante a totalidade da prova produzida em audiência, ter-se-á que concluir que este era comerciante, que à margem da qualidade de sócio gerente da sociedade G…, e em desrespeito ao preceituado no artigo 253.º, do Código Comercial, exercia comércio em nome próprio e por sua conta.

  14. Embora os gerentes, auxiliares de comércio e caixeiros em princípio não sejam comerciantes enquanto tais, nada obsta a que os mesmos «possam adquirir essa qualidade quando, em desrespeito ao preceituado no art. 253.º exerçam o comércio em nome próprio e por sua conta» (Ac. do STJ de 11/10/2007, proc. n.º 07B3336, disponível em www.dgsi.pt).

  15. Assim, decidiu mal o tribunal a quo ao dar como provado que o réu não era comerciante, impondo-se antes conclusão contrária, isto é, que se desse como provado que o réu era comerciante.

  16. Em relação ao ponto 4) da Matéria de Facto, incorreu também o tribunal a quo em erro na apreciação e valoração da prova produzida ao ter dado como provado que o veículo automóvel se destinou ao uso particular do recorrido.

  17. Com efeito, quer a testemunha D…, quer a testemunha F…, quer mesmo a testemunha E… foram unânimes em afirmar que o recorrido se fazia circular no referido veículo diariamente na sua atividade, incluindo quando se deslocava ao armazém da Autora para tratar de negócios ou mesmo em almoços de negócios.

  18. Não existindo quaisquer razões – e tanto assim é que o tribunal a quo não as indicou – para não crer na veracidade de tais afirmações, nem meios de prova que as infirmassem.

  19. Por seu turno, as testemunhas indicadas pelo recorrido insistiram que a referida viatura era da filha do recorrido, sendo que essas declarações ― ainda que pudessem ser consideradas credíveis, o que não...

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