Acórdão nº 28/14.3T2VGS.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 28 de Abril de 2015

Magistrado ResponsávelMARIA AM
Data da Resolução28 de Abril de 2015
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo nº 28/14.3T2VGS.P1 – Apelação 1ª Comarca de Aveiro Vagos - Inst. Local - Sec. Comp. Gen. - J1 Relatora: Maria Amália Santos 1º Adjunto: Desembargador José Igreja Matos 2º Adjunto: Desembargador João Diogo Rodrigues*Acordam no Tribunal da Relação do Porto:*B…, residente na Rua …, s/n, …, …, Mira, intentou a presente acção declarativa de condenação sob a forma de processo comum contra “C…, S.A.”, com sede na …, …, Aveiro, pedindo a sua condenação no pagamento da quantia de €5.996,40 (cinco mil novecentos e noventa e seis euros e quarenta cêntimos), acrescida de juros de mora que se vencerem desde a citação, até efectivo e integral pagamento.

Para o efeito, alegou ter sido interveniente em acidente de viação na auto-estrada …, concessionada pela ré, causado por um animal de raça canídea e do qual lhe advieram danos patrimoniais e não patrimoniais.

*Regularmente citada, a ré contestou, impugnando a matéria alegada quanto ao acidente. Mais alega que nenhuma responsabilidade lhe pode ser assacada, na medida em que cumpriu com todas as obrigações contratuais que lhe eram impostas.

*Foi proferida decisão a julgar a acção parcialmente procedente e, em consequência a condenar a ré a pagar à autora a quantia global de € 4.146,40, acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa de 4% ao ano, desde a citação até integral pagamento.

*Não se conformando com a decisão proferida, veio a ré dela interpor recurso de Apelação, apresentando Alegações e formulando as seguintes Conclusões: I. Não faz qualquer sentido, salvo o devido respeito, que se chame à colação a alegada natureza interpretativa da Lei nº 24/2007, de 18 de Julho (LN) - que, na n/opinião (filiada na avisada análise do Prof. Baptista Machado), até inexiste - quanto a um acidente ocorrido quase 5 anos depois da sua entrada em vigor; II. Depois, a sentença é algo confusa, não esclarecendo devidamente (e apesar da entrada em vigor da LN) se enquadra esta situação no âmbito da responsabilidade contratual ou extracontratual (e se o faz no âmbito da primeira, fá-lo claramente mal).

Isto posto, III. À data dos factos (acidente) estava em vigor a LN, lei esta que, no nosso entender, veio de uma vez por todas clarificar que os acidentes ocorridos em AE devem ser analisados e enquadrados (como já sucedia – ou, pelo menos, devia correctamente suceder - antes dela) no âmbito da responsabilidade extracontratual – é, de resto (e mais uma vez), essa a conclusão que se pode/deve tirar do disposto na Base LXXIII do DL referido na conclusão anterior; IV. Ora, é verdade que com o advento da referida Lei se procedeu a uma inversão do ónus da prova que agora impende sobre as concessionárias de AE, assim se criando um regime especial e inovador para este tipo de acidentes, embora – insista-se – sempre filiado na responsabilidade extracontratual; V. Todavia, e como bem se percebe do espírito e do texto da lei (dos nºs. 1 e 2 do artigo daquela LN), mas também do elemento histórico de interpretação (vide projecto de lei nº 164/X do BE), já não corresponde à verdade que com essa lei se tenha estabelecido uma presunção de culpa em desfavor das concessionárias, pois que se assim fosse a redacção do citado artigo 12º nº 1 seria seguramente outra, muito mais próxima (quando não igual) daquela constante do artigo 493º nº 1 do Cód. Civil; VI. Efectivamente, e ainda quanto à dita presunção de culpa, nem tal decorre da LN, nem tal resulta do DL nº 87-A/2000, de 13 de Maio (vide, a este respeito, a Base LXXIII), concluindo-se tão-só que com o advento da lei citada passou a impender um ónus de prova sobre as concessionárias de AE (e nada mais que isso), ou seja, operou-se uma inversão do ónus da prova, que, pelo simples facto de agora existir, não implica a consagração imediata e automática de uma presunção legal (cfr. Cód. Civil, artigo 344º nº 1).

Segue-se que, VII. Por outro lado, sendo verdade que a R. se obrigou a vigiar e a patrulhar a AE, assim envidando os seus melhores esforços no sentido de assegurar a circulação na AE em boas condições de segurança e comodidade, daí não decorre que essa sua obrigação implica uma omnipresença em todos os locais da sua concessão como, no fundo, considerou a douta sentença, mormente nos locais de eclosão de acidentes ou onde possam estar a deambular animais; VIII. De modo que também não nos parece que se possa considerar que incumbia à R. demonstrar a forma como o animal terá ingressado na via, sendo certo que dessa forma caminharíamos inevitavelmente na direcção de uma responsabilidade objectiva, sem culpa, que também não tem previsão legal; IX. A formulação do artigo 12º nº 1 da citada Lei faz recair sobre as concessionárias, entre as quais, a apelante, o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança (que – se bem vemos - ninguém definiu ou preencheu até hoje, mas que serão necessariamente diferentes consoante o tipo de sinistro em análise); X. Ora, no caso dos autos é nítido e indiscutível que a apelante satisfez o ónus que lhe competia, i. e., demonstrou que cumpriu com aquelas suas obrigações de segurança, particularmente no que se refere à integridade da vedação (numa extensão de não menos de 10 Km, considerando ambos os sentidos de marcha), situada - recorde-se - entre nós abertos da AE; XI. Efectivamente, a definição destas obrigações de segurança passa essencial e obrigatoriamente (como é até intuitivo), num acidente com animais, pela prova de que as vedações se encontravam intactas e sem rupturas nas imediações do local do acidente (assim decorre também da conclusão II do ac. da RC de 13.11.2012 que, aliás, considera uma situação em que esse bom estado da vedação não se verificava) – e a verdade é que essa prova foi claramente feita pela R./apelante; XII. Cumpre, aliás, assinalar a contradição em que de certo modo incorre a sentença, posto que apesar de ter por cumpridos (e a prova produzida a isso obrigava – cfr. factos 17 a 26 dos factos provados) os deveres que à concessionária competiam (além de outros factos a que não alude, mas provados e que constituem factos públicos e notórios, como a circunstância da AE não ter nós fechados), conclui afinal que isso não chega, alvitrando ainda, e sem qualquer ligação à realidade e/ou aos textos legais relevantes, que à concessionária competia também a prova da proveniência do animal; XIII. Mais: apesar de nomeadamente se ter dado como provado (e bem) na sentença que “as vedações da auto-estrada (…) numa extensão não concretamente apurada, mas pelo menos de cinco quilómetros (…) em ambos os sentidos de marcha (…) encontravam-se, à data do sinistro, sem buracos, aberturas, anomalias, rupturas ou deficiências”, acabou por se seguir naquela decisão – sem que isso seja dito expressamente - um raciocínio puramente especulativo, pois que se parte claramente do princípio (e sem base factual para que o possa fazer) que o animal só poderia ter ingressado na AE devido a uma qualquer anomalia/falha, sem considerar qualquer outra possibilidade/explicação perfeitamente plausível para a presença do animal na via (e a verdade é que essas possibilidades/explicações existem, não se podendo concluir automaticamente que o animal acedeu à via porque, p. ex., as vedações apresentavam deficiências ou então que ocorreu uma qualquer anomalia, seja ela qual for); XIV. Por outro lado, a R. também demonstrou, sem qualquer espécie de dúvida ou reserva, que desconhecia a presença do animal na via apesar do cumprimento integral (e permanente, no sentido de estar sempre no terreno, embora não esteja, como é evidente, em todo o lado ao mesmo tempo – embora tendo patrulhado aquele local apenas 49 minutos antes do sucedido, sem que tivesse detectado qualquer animal) da sua missão de vigilância e patrulhamento; XV. De modo que, e não podendo a R./apelante (nem tal lhe sendo exigível) ser omnipresente, não se vislumbra como podia (ou pode) ser responsabilizada pela eclosão deste acidente, tanto mais que nos parece absolutamente pacífico que as obrigações a seu cargo são obrigações de meios e não obrigações de resultado; XVI. De resto, não sendo possível à apelante (especialmente, como bem se percebe, numa AE como esta, com nós abertos, sendo que um deles é muito próximo do local em causa) evitar em absoluto que os animais ingressem na AE e, face ao que ficou provado, nada mais lhe devendo ser exigível em termos de conduta e de prova, parece claro que se impunha (e isso ainda sucede) a sua absolvição, já que esta demonstrou que cumpriu em concreto (e não apenas “genericamente”, portanto – o que quer que isso signifique) com todas as suas obrigações, concretamente com aquelas de segurança (cfr., a este propósito, também o ac. da RC de 29.09.2009, concretamente os pontos VII e VIII do respectivo sumário que lucidamente aborda esta questão e se pronuncia sobre aquelas que são as obrigações de uma concessionária num acidente deste tipo); XVII. Assim, no entendimento da apelante, a sentença violou, salvo o devido respeito, a alínea b) do nº 1 do artigo 12º da Lei nº 24/2007, de 18 de Julho e a Base LXXIII do Decreto-Lei nº 87-A/2000, de 13 de Maio, devendo, por isso, ser revogada em conformidade com o expendido nestas linhas.

Pede, a final, que seja revogada a decisão recorrida, substituindo-se por uma outra que julgue totalmente improcedente a acção com a absolvição da apelante do pedido.

*Não foram apresentadas contra-alegações.

*Cumpre decidir, sendo certo que o objecto do recurso está delimitado pelas conclusões do recorrente, acima transcritas, no qual se apreciam apenas as questões invocadas e relacionadas com o conteúdo do acto recorrido e não sobre matéria nova, excepção feita para o que for do conhecimento oficioso.

*Nessa linha de orientação, a questão a decidir, suscitada pela recorrente no...

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