Acórdão nº 382/14.7TAMAI.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 11 de Novembro de 2015

Magistrado ResponsávelARTUR OLIVEIRA
Data da Resolução11 de Novembro de 2015
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

O TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO – SECÇÃO CRIMINAL (QUARTA) - no processo n.º 382/14.7TAMAI.P1 - com os juízes Artur Oliveira [relator] e José Piedade, - após conferência, profere, em 11 de novembro de 2015, o seguinte Acórdão I - RELATÓRIO 1. No processo comum (tribunal coletivo) n.º 382/14.7TAMAI, da 2ª Secção Criminal (J1) – Instância Central de Vila do Conde, Comarca do Porto, em que é assistente e demandante civil B…, S.A., e é arguida e demandada civil C…, foi proferido acórdão que decidiu nos seguintes termos]: «(…)

  1. Condenar a arguida C… pela prática, em autoria material e em concurso real, de: - Um crime de peculato, previsto e punido pelo art. 375º, nº 1, do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de prisão; - Um crime de falsificação de documento, previsto e punido pelo art. 256º, nº 1, al. c), do Código Penal, na pena de 10 (dez) meses de prisão; - Um crime de burla qualificada, previsto e punido pelos arts. 217º, nº 1, e 218º, nº 1, do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de prisão.

  2. Condenar a arguida, em cúmulo jurídico das sobreditas penas, na pena única de 3 (três) anos e 2 (dois) meses de prisão, cuja execução se suspende por igual período de tempo, subordinada ao dever de a mesma apresentar, no prazo máximo de um mês após o trânsito em julgado desta decisão, um pedido formal de desculpas, por si subscrito, às ofendidas B…, S.A., e Companhia de Seguros D…, S.A., bem como à sobrinha do ofendido E…, F…, penitenciando-se pelo mal cometido.

  3. Julgar totalmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido pela demandante B…, S.A., e, em consequência, condenar a arguida/demandada a pagar àquela a quantia de €6.797,87 (seis mil setecentos e noventa e sete euros e oitenta e sete cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a notificação do pedido até efectivo e integral pagamento.

(…)» 2. Inconformada, a arguida recorre, apresentando, no final da respetiva motivação, um texto de designa por “conclusões” em que reproduz, na íntegra, o que antes havia formulado. No essencial, como a própria recorrente reconhece [fls. 998], (i) impugna a decisão proferida sobre matéria de facto, (ii) argui a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, (iii) invoca a violação dos princípios in dubio pro reo, ne bis in idem e lex consumenis derrogat lex consumatae e (iv) suscita para apreciação o erro na qualificação jurídica dos factos relativamente aos disposto nos artigos 217.º, 218.º e 375.º, do Cód. Penal.

  1. Na resposta, o Ministério Público analisa todos os argumentos da motivação de recurso e conclui que não merecem provimento. Pugna, assim, pela manutenção do decidido [fls. 1061-1065].

  2. Nesta Relação, o Exmo. Procurador-geral Adjunto acompanha a resposta, emitindo parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso [fls. 1074].

  3. Colhidos os vistos, realizou-se a conferência.

  4. O acórdão recorrido deu como provados e não provados os seguintes factos, seguidos da respetiva motivação: «(…) A. Da audiência de julgamento resultaram PROVADOS os seguintes factos com interesse para a decisão a proferir: 1) A ofendida, B…, S.A., com sede na Rua …, nº .., Lisboa, é uma empresa pública.

    2) Com efeito, pelo D.L. nº 49368, de 10 de Novembro de 1969, foi criada a empresa pública G…, E.P., que iniciou actividade em 01.01.1970. Pelo D.L. 87/92, de 14 de Maio, os G…, E.P., foram transformados em pessoa colectiva de direito privado, com estatuto de sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos. Pelo D.L. 277/92, de 15 de Dezembro, com a criação da ex-H… S.A., por cisão dos G…, S.A., a sociedade passou a designar-se de B… S.A., sendo detida na sua totalidade pelo Estado Português.

    3) No dia 20 de Abril de 1998, entre a ofendida B…, S.A., e a arguida C… foi celebrado um contrato de trabalho a termo certo, no qual a arguida se obrigou, além do mais, a prestar àquela a sua actividade profissional, desempenhando as tarefas de TPG (Técnica Postal e Gestão), na EC (Estação de Correios) do …, Porto, sendo que tal contrato foi sendo sucessivamente renovado, integrando a mesma os quadros da ofendida em 04.12.2000, sendo que no período compreendido entre 23.06.2006 e 24.02.2009 desempenhou as funções de chefe da estação de correios de …, Maia.

    4) À arguida foi atribuído pela assistente o número de funcionária/mecanográfico ……..

    5) Em 24.02.2009, a arguida rescindiu unilateralmente o contrato de trabalho que a vinculava à ofendida.

    6) No âmbito das suas funções, e no período compreendido entre 23.06.2006 e 24.02.2009, incumbia à arguida, além do mais, a comercialização de produtos da Companhia de Seguros D…, S.A., entre os quais seguros, nos quais a ofendida B… intervinha como agente contratual e intermediária na celebração de tais contratos.

    7) Aquando da subscrição de tais contratos e pagamentos, os clientes deveriam entregar quantias monetárias à arguida, que por sua vez, e enquanto trabalhadora da ofendida, os deveria posteriormente fazer ingressar na esfera patrimonial dos respectivos destinatários, entre os quais a Companhia de Seguros D…, SA, para que, em determinado prazo, aquela capitalizasse juros à taxa contratualizada com o cliente, recebendo a ofendida uma comissão.

    8) No âmbito das suas funções deveria ainda a arguida proceder aos registos de todos os seus actos no sistema informático da ofendida então denominado “I…”, cujo acesso era efectuado através da utilização da sua password, após o que o seu número de funcionário acima referido em 4) ficaria associado à realização do acto em causa.

    9) No dia 11.05.2007, E…, cliente da ofendida, deslocou-se à estação de correios da ofendida, sita em …, Maia, tendo ali sido atendido pela arguida, que se encontrava no exercício das suas aludidas funções.

    10) Nessa ocasião e lugar, E…, por intermédio da arguida e da ofendida, subscreveu uma proposta de contrato de Seguro denominado “Seguro Postal 4,15%” – apólice nº ../…… – com a Sociedade D…, no valor de €5.890 (cinco mil oitocentos e noventa cêntimos) – cfr. documento de fls. 250 cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais –, quantia essa que naquela altura entregou e foi recebida pela arguida, que por sua vez a entregou na D….

    11) Em 13.05.2008, a arguida elaborou e forjou o pedido de resgate em nome de E…, solicitando o pagamento da quantia total referente a tal contrato e, pelo seu próprio punho ou por alguém a seu mando, apôs a assinatura de “E…”, forjando-a.

    12) Na posse de tal documento assim forjado e escondendo a sua origem criminosa, a arguida remeteu-o à E…, que autorizou o pagamento solicitado através da ofendida B… e emitiu o recibo de indemnização/pagamento no valor de €6.038,93 (seis mil e trinta e oito euros e noventa e três cêntimos).

    13) Na posse de tal recibo, a arguida, pelo seu punho ou por alguém a seu mando, apôs no mesmo a assinatura de “E…“, forjando-a, e apôs a vinheta gerada pelo sistema informático, onde consta além do mais o seu numero mecanográfico, conforme se alcança de fls. 246 – para cujo teor se remete e aqui se dá integralmente por reproduzido para todos os efeitos legais –, e assim o devolveu à D…, que disponibilizou à ofendida B… a respectiva quantia e à qual a arguida tinha acesso.

    14) No dia 23.05.2008, a arguida fez sua a referida quantia de €6.038,93.

    15) Com todas as aludidas condutas, a arguida C…, através da falsificação do pedido de resgate, do recibo respectivo e da assinatura de E…, logrou obter um enriquecimento ilícito do seu património no valor total de €6.038,93, como de resto era seu propósito e que bem sabia não poder fazer.

    16) A arguida C… agiu sempre sem o conhecimento e o consentimento de E…, da ofendida B… e da D….

    17) A arguida C… actuou de forma livre, deliberada e consciente, com o propósito conseguido de forjar os aludidos pedido de resgate e recibo e de abusar da assinatura de E…, bem sabendo que não estava autorizada a fazê-lo.

    18) A arguida C… actuou ainda de modo livre, deliberado e consciente, com o propósito conseguido de convencer a D… que o pedido de resgate e respectivo recibo haviam sido subscritos e requeridos pelo titular dos mesmos, determinando-a por esse modo a autorizar os pagamentos solicitados.

    19) Sabia ainda a arguida que, ao agir pelos sobreditos modos, prejudicava a fé pública que os pedidos de resgate e recibos merecem e que punha em causa, como pôs, a segurança do tráfico comercial.

    20) A arguida agiu de modo livre, voluntário e consciente, bem sabendo que, enquanto funcionária da ofendida B… e exercendo as funções de chefe de estação, agia em contrário dos seus deveres e com aproveitamento das suas funções, actuando com o propósito conseguido de se apropriar da referida quantia, que ascende ao total de €6.038,93, que fez sua, bem sabendo que a mesma não lhe pertencia e que agia contra os interesses da ofendida e do cliente desta, que sofreu o aludido prejuízo.

    21) Sabia ainda a arguida que todas as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.

    Provou ainda, quanto ao pedido de indemnização civil, que: 22) A Lesada é uma sociedade anónima que tem por objecto a exploração do Serviço Público de Correios, exercendo ainda outras actividades complementares, subsidiárias ou acessórias, nomeadamente a prestação de serviços financeiros.

    23) A arguida foi trabalhadora efectiva da Lesada entre 04.12.2000 e 24.02.2009 – data em que rescindiu unilateralmente o seu contrato de trabalho –, tendo exercido, entre 23.06.2006 e 24.02.2009, as funções de Chefe da Estação de Correios de …(Maia), estabelecimento comercial pertencente à Lesada.

    24) A Lesada, no exercício da sua actividade, procede à comercialização de produtos da Companhia de Seguros D…, S.A., nas suas Estações de Correios (incluindo a de … - Maia), nomeadamente Seguros, dirigidos à captação da poupança de particulares, os quais, no acto de subscrição, entregam à Lesada determinada quantia em dinheiro, para que este capitalize juros, recebendo o cliente particular, no final...

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