Acórdão nº 41/14.0TBMCN.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 30 de Novembro de 2015

Magistrado ResponsávelCARLOS QUERIDO
Data da Resolução30 de Novembro de 2015
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo n.º 41/14.0TBMCN.P1 Sumário do acórdão: I. O contrato de fornecimento traduz-se num negócio de execução reiterada, em que uma das partes (o fornecedor) se obriga, contra o pagamento de um preço, a realizar fornecimentos periódicos ao outro contraente (o fornecido).

  1. O acordo celebrado entre uma empresa fornecedora de café e um comerciante dono de um estabelecimento, em regime de exclusividade, obrigando o comprador ao consumo obrigatório de uma determinada quantidade de café, mediante a contrapartida da disponibilização de bens do vendedor ao comprador durante o período de vigência do contrato, sendo estabelecida uma sanção para o incumprimento, enquadra-se juridicamente como contrato de fornecimento.

  2. A proibição estabelecida no artigo 81.º, n.º 1 do Tratado de Roma pressupõe o preenchimento cumulativo dos requisitos aí enunciados: a existência de uma coligação entre empresas (acordo entre empresas, decisão de associação de empresas ou prática concertada entre empresas); a afectação do comércio entre os Estados membros; e a existência de uma restrição da concorrência que legitime a intervenção da administração para a defesa da liberdade de concorrência no mercado.

  3. Em suma, a integração da proibição prevista no artigo 81.º, n.º 1 do Tratado de Roma só pode ocorrer com negócios de ‘grande escala’, exigindo-se que a cláusula contratual obste, ainda que potencialmente, à realização do comércio entre os Estados-membros e, consequentemente, à realização do mercado único.

  4. Não deverá considerar-se integrada a previsão do normativo em apreço, quando não resulte provada, não tendo sido sequer alegada, factualidade da qual se pudesse concluir: qual a percentagem do mercado que este tipo de contratação absorve; se existem outros contratos de natureza semelhante envolvendo o mesmo fornecedor e marca de café; qual a sua abrangência geográfica; se há algum reflexo negativo na atividade comercial das demais empresas concorrentes neste mercado de venda de café.

    Acordam no Tribunal da Relação do Porto I. Relatório B…, SA, intentou em 14.01.2014 no Tribunal Judicial de Marco de Canavezes, ação declarativa sob a forma de processo comum, contra C… e D…, formulando os seguintes pedidos: que seja declarada válida a resolução do contrato celebrado entre as partes; que por via dessa resolução sejam os réus condenados, solidariamente, a pagar à autora a quantia global de € 8 446,82, acrescida dos juros de mora.

    Como suporte da sua pretensão, alegou a autora em síntese: entre a autora e a primeira ré foi celebrado um acordo de fornecimento de café; por via desse acordo, a 1ª ré obrigou-se a adquirir à autora, em regime de exclusividade, a quantidade mínima mensal de 15 kg de café, marca «B1…», Lote «…», pelo período mínimo de 60 meses, num total de 900 kg, a fim de ser revendido como bebida, no seu estabelecimento comercial denominado «E…», sito no …, …, Marco de Canaveses; como contrapartida da convencionada exclusividade, a autora entregou à 1ª ré a quantia de € 423,00, IVA incluído, a título de desconto antecipado e no pressuposto da aquisição total dos 900 kg contratados, e, ainda, lhe emprestou, para utilização nesse estabelecimento: 1 televisor plasma, marca SANYO, no valor de € 1800,00, 1 reclamo luminoso, dupla face, 155 cm x 50 cm, no valor de € 988,57, 3 telas toldo capota, sendo uma de 505 cm x 50 cm, e duas de 410 cm x 90 cm, no valor de € 1 037,00; o preço do café contratado seria aquele que estivesse em vigor na data do seu fornecimento, de acordo com a tabela geral de preços praticada pela autora; a 1.ª ré, além de não adquirir a quantidade mínima mensal de 15 kg de café a que se obrigou, deixou de comprar qualquer quantidade de café, acabando por encerrar o estabelecimento; a autora viu-se na contingência de declarar resolvido o contrato em causa, o que fez mediante o envio de carta, sob registo e com aviso de recepção, datada de 06-09-2013, na qual liquidou o valor das indemnizações previstas nos vários pontos da clª 12 do contrato; tendo presente o facto de a 1ª ré à data do envio da carta resolutiva do contrato, do total de 900 kg que se obrigara a adquirir, só ter adquirido 451 kg faltava adquirir 449 kg; o 2º réu declarou constituir-se fiador e principal pagador à autora das obrigações que do incumprimento desse acordo resultassem para a 1ª ré; foi, também, o 2º réu, na qualidade de fiador, notificado da resolução do contrato por carta datada de 06-09-2013; foi convencionada a resolução do contrato em causa, em caso de verificação de qualquer das situações previstas pela cláusula 10ª do mesmo; tendo sido, também, convencionadas as penas aplicáveis em caso de resolução do contrato por motivo imputável ao contraente faltoso; nos termos dessa convenção, por via da resolução do contrato, motivada pelo incumprimento definitivo do mesmo imputável à 1ª Ré, ficou esta constituída na obrigação de indemnizar a A., pelas seguintes quantias: € 141,17, correspondente à indemnização prevista na clª 12, I); € 211,28, correspondente à indemnização prevista na clª 12ª, I), & primeiro; € 3.143,00, correspondente à indemnização prevista na clª 12ª, III); € 4.631,00, correspondente à indemnização prevista na clª 12ª, II), parte final, no total de € 8.446,82.

    Citados, os réus vieram apresentar contestação, invocando a exceção de incompetência relativa do tribunal de marco de Canavezes, impugnando os factos alegados pela autora e alegando em síntese: o contrato em causa deverá ser considerado nulo e proibido por violação do art. 5º, al. a) do Regulamento (CE) 2790/1999, da Comissão Europeia, uma vez que impede a livre concorrência; a 1ª ré apenas contratou com a autora pelo facto de, durante as negociações, esta se ter comprometido a alterar as 4ª e 9ª cláusula, sem encargos, caso os consumos da 1ª ré forem inferiores à quantidade mensal convencionada (15 quilos mensais); a 1ª ré tentou transmitir a titularidade do contrato em causa ao atual proprietário do estabelecimento, mas a autora não se mostrou disponível para negociações; a autora enganou dolosamente a 1ª ré, aproveitando-se da sua posição de maior experiência e capacidade negocial, devendo o contrato ser anulado; caso assim não se entenda, os valores das indemnizações peticionados mostram-se exagerados, já que a autora não tem qualquer prejuízo com a não aquisição pela 1ª ré dos restantes quilos de café me falta, sendo a cláusula penal exagerada, assim como a indemnização prevista na cláusula 12ª II), que se revela infundada e desproporcional, já que a autora não teve em conta o serviço prestado pela ré na divulgação e publicitação da marca da autora.

    Foi proferido despacho em 23.01.2015, no qual: se julgou improcedente a exceção incompetência territorial deste tribunal; se fixou o valor da causa em € 8.663,78; se considerou nada obstar ao conhecimento do mérito da ação; se dispensou, a identificação do objecto em litígio e a enunciação dos temas da prova, nos termos do disposto no artigo 597º do CPC; e se admitiram os meios probatórios.

    Foi realizada audiência final, após o que foi proferida sentença com o seguinte dispositivo: «Por tudo o exposto, julga-se: I. a presente acção totalmente procedente, por provada, e em consequência, declara-se válida a resolução do contrato em causa, e, por via dessa...

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