Acórdão nº 598/10.5T2AND.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 05 de Novembro de 2015

Magistrado ResponsávelARISTIDES RODRIGUES DE ALMEIDA
Data da Resolução05 de Novembro de 2015
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Recurso de Apelação Processo n.º 598/10.5T2AND.P1 [Comarca de Aveiro/Inst. Local/Anadia/Sec. Genérica] Acordam os Juízes da 3.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto: I.

B…, contribuinte fiscal n.º ………, residente na Rua …, n.º .., Anadia, instaurou acção judicial contra C… e mulher D…, contribuintes fiscais nos.

……… e ………, residentes em …, …, Anadia, pedindo a condenação dos réus a absterem-se de plantar arrancarem os eucaliptos existentes na faixa de 30 metros ao longo do limite da sua propriedade confinante com o prédio do autor, e a pagar ao autor a quantia de €6.965,19, acrescida de juros de mora desde a citação até efectivo pagamento, e bem ainda que seja fixada sanção pecuniária compulsória, por cada dia de atraso no não arranque dos eucaliptos já existentes, respectiva ramagem e raízes.

Para o efeito, alegou que é proprietário de um prédio urbano composto por casa de habitação que adquiriu em 2002, o qual confina com um prédio rústico dos réus, no qual estes plantaram diversas árvores, maioritariamente eucaliptos, que se encontram a menos de 30 metros de distância do muro divisório que separa ambas as propriedades e o ultrapassam mesmo com ramos e raízes.

Acrescentou que em Fevereiro de 2009 um eucalipto da propriedade dos réus foi cortado, desconhecendo-se por quem, e caiu sobre a vedação que divide os prédios, danificando-a; que as raízes dos eucaliptos existentes no prédio dos réus entraram e continuam a entrar pelo prédio do autor danificando o pavimento, partindo e entupindo constantemente as canalizações da casa e rebentando tubos, causando estragos que o autor se viu obrigado a reparar e a perda de água provinda do abastecimento público que o autor foi obrigado a pagar; que esta situação lhe causa incómodos, arrelias e aborrecimentos. Mais alegou que contactou por diversas vezes os réus expondo-lhe a situação mas estes nada fizeram.

A acção foi contestada, pugnando-se pela improcedência total do pedido, mediante a impugnação dos factos alegados pelo autor relativos aos danos e a alegação de que quando os réus adquiriram o seu prédio este já era um eucaliptal e a zona onde se situam ambos os prédios era uma zona de mato e floresta, destinada à produção de pinheiros e eucaliptos. Os eucaliptos estão plantados no prédio dos réus há mais de 20 anos, tal como havia eucaliptos no prédio do autor antes de este ser transformado e nele construída a casa de habitação. Por fim, que o autor nunca comunicou aos réus a existência de prejuízos causados pelas raízes, nunca lhes deu conhecimento da invasão do seu prédio por árvores e raízes e não realizou, como podia, ele mesmo o corte das raízes.

Após julgamento, foi proferida sentença julgando a acção improcedente e absolvendo os réus dos pedidos.

Do assim decidido, o autor interpôs recurso de apelação, terminando as respectivas alegações com as seguintes conclusões: I. A questão colocada no presente processo insere-se no âmbito do chamado "direito de vizinhança" em sede de restrições legais ao direito de propriedade.

  1. O direito de propriedade tem assento constitucional – art. 62º – aí se consagrando o direito à propriedade privada e a sua transmissibilidade inter vivos ou mortis causa.

  2. Por sua vez, "o proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem, dentro dos limites da lei e com observação das restrições por ela impostas." (art. 1305º do CC).

  3. O direito de propriedade não é, pois, um direito absoluto, já que a lei prevê situações em que é necessário impor limites ao seu exercício. A par das limitações de interesse público de que sobressai, desde logo, a expropriação (art. 62º, nº 2, da Constituição, Código das Expropriações e 1310º do Código Civil), sofre também o direito de propriedade de limitações de interesse particular.

  4. A problemática dos conflitos de vizinhança não deriva da aplicação rigorosa da protecção da propriedade como direito absoluto, mas sobretudo da "relação de facto" emergente da utilização da propriedade em consequência do exercício da actividade económica privada, socialmente vinculada, cujo equilíbrio da "coexistência pacífica" é rompido pela perturbação anormal ou excessiva, isto é intolerável.

  5. Daí que por vezes se empregue a noção de "quase contrato de vizinhança" para realçarem as obrigações recíprocas entre titulares de prédios vizinhos.

  6. É justamente o rompimento desse equilíbrio, com a violação das obrigações recíprocas de vizinhança, que faz desencadear o mecanismo sancionatório, com vista á reposição do "satus quo ante", quer através da tutela ressarcitória, quer da tutela inibitória, também chamada de "acção negatória".

  7. A restrição à plantação de eucaliptos consta de legislação especial, conforme se pode comprovar da leitura do n.º 2 do artigo 1366º do Código Civil.

    IX.O art. 1.º do DL n.º 28.039 proíbe a plantação ou sementeira de eucaliptos, acácias da espécie denominada dealbata, conhecida como acácia mimosa, a menos de 20 metros de terrenos cultivados e a menos de 30 metros de nascentes, terras de cultura de regadio, muros e prédios urbanos.

  8. Ora, a sentença apelada também faz uma errada interpretação do disposto no art. 1.º do DL 28039, de 14/09/37 e do n.º 2 do art. 1366.º do CC, além de violar outros dispositivos legais aplicáveis ao caso sub judice.

  9. Na verdade, dentro das limitações criadas ao direito de propriedade encontramos a que figura no art. 1366.º que impõe as restrições constantes de leis especiais relativas à plantação ou sementeira de eucaliptos nas proximidades de prédios urbanos.

  10. Sendo certo que, é do conhecimento geral que os eucaliptos são árvores nefastas geradoras de inúmeros danos e daí o DL nº 28.039 de 14.09.1937 proibir a plantação ou sementeira de eucaliptos a menos de 20 m de terrenos cultivados e a menos de 30 m de nascentes, terras de cultura de regadio, muros e prédios urbanos.

  11. Recorrendo à hermenêutica jurídica no intuito de alcançar o sentido que o legislador pretendeu dar àquele artigo, a plantação ou sementeira, forçoso será concluir que, além do sentido literal, que evidencia que o que se pretende não o é sentido dinâmico de plantar e semear mas o sentido estático de plantação ou sementeira, há que ter em conta o conflito de interesses que importa conciliar.

  12. Ora, no caso sub judice, temos, por um lado, o interesse do A. que vê prejudicada a sua qualidade de vida e a dos seus bens que são constantemente danificados (ex. os pavimentos e as canalizações) e o interesse dos RR. em manter árvores no seu terreno.

  13. Da ponderação de ambos, é patente que os interesses aqui em causa são notoriamente desiguais e incompatíveis, devendo sempre prevalecer o que deva considerar-se superior -art. 335.° do CC – e que, no caso presente, é manifestamente o do A.

  14. Não se mostrando, por isso, necessária a preexistência da casa para que se proceda ao arrancamento dos eucaliptos.

  15. Por outro lado, se é certo que o art. 1366.º, n.º 1, do CC dispõe que ao dono do prédio vizinho é permitido arrancar e cortar os ramos que sobre ele propendem, se o dono da arvore, sendo rogado judicial ou extrajudicialmente, o não fizer dentro de 3 dias, sempre se dirá que este dispositivo apenas tem lugar quando, para o efeito, o dono do prédio afectado com tais ramos não tenha de invadir a propriedade do prédio vizinho que, face a altura e grandeza dos eucaliptos, não é o caso dos autos, não tendo, por isso, aqui aplicação o disposto neste artigo.

  16. Ao afastar a aplicabilidade da Lei 1951 ao caso vertente, por se entender que os eucaliptos foram plantados em momento anterior à construção da casa, a Sentença recorrida faz uma incorrecta interpretação desta mesma lei.

  17. Além disso resultou dos autos que os eucaliptos já foram cortados 2 a 3 vezes, pelo que nunca seria a mesma plantação a que estará aqui em causa.

  18. Mas ainda que se aceitasse tal inaplicabilidade e a desobrigação de que a plantação distasse 30 metros do prédio do Recorrente, encontrando-se peticionado subsidiariamente a indemnização dos danos sofridos, danos esses dados como provados, a sucumbência deste pedido traduz uma incorrecta aplicação da lei aos factos provados e violação de lei.

  19. Contrariamente à interpretação dada ao art. 1366° do C.C. na fundamentação de direito da sentença recorrida, na parte decisória da mesma é entendido que ao A. resta cortar as ramagens que invadam o seu prédio, não existindo nenhuma obrigação a impender sobre os proprietários das árvores.

  20. Ora, esta última interpretação, além da contradição assinalada, é incorrecta, pois aquele dispositivo legal encerra uma faculdade e, não, a obrigatoriedade do vizinho cortar as ramagens que invadam o seu prédio, nada mais podendo fazer para além disso.

  21. OU seja, estando em causa direitos da mesma natureza, conforme é dito na sentença, nomeadamente, o direito de cada uma das partes poder dispor e fruir dos prédios em causa, conflituantes em virtude da sua vizinhança, conduz precisamente à aplicação da matéria relativa à colisão de direitos. Ao assim não o entender, ocorreu violação de lei.

  22. Ao A/Recorrente assiste o direito de ir além da estatuição prevista no art. 1366°, por forma a pôr termo a tais perigos e prejuízos em definitivo, pois a exercerem a faculdade prevista naquele preceito legal, teriam de o fazer amiúde e, mesmo assim poderiam não evitar os riscos e estragos provocados na sua casa pelos eucaliptos.

  23. Na verdade, atenta a matéria provada, as normas que no entendimento do Tribunal " a quo" regulam a situação em apreço eram insuficientes para acautelarem os direitos e deveres das partes, conforme não ficaram acautelados.

  24. Contrariamente ao que consta da decisão recorrida, o pedido de eliminação dos danos provocados no prédio do Recorrente não deriva do facto dos eucaliptos não se encontrarem a mais de 30 metros daquele, mas sim no facto destes terem provocado danos, cuja reparação se peticionou.

  25. As premissas em que assentou a improcedência deste pedido estão erradas e são...

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