Acórdão nº 465/14.3TBMAI-A.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 08 de Julho de 2015

Magistrado ResponsávelCARLOS QUERIDO
Data da Resolução08 de Julho de 2015
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo n.º 465/14.3TBMAI-A.P1 Sumário do acórdão: I. Ao contrário da resolução em benefício da massa insolvente, que tem como consequência a reversão para a massa insolvente dos bens objecto do negócio visado pela declaração resolutiva, em benefício colectivo de todos os credores, a impugnação pauliana traduz-se num direito pessoal de restituição, apenas se fazendo valer através dela um direito de crédito à restituição na medida exigida pelo exclusivo interesse do credor que a exerce.

  1. O confronto dos artigos 126.º e 127.º do CIRE permite definir os contornos distintivos das duas figuras de garantia patrimonial dos credores do insolvente previstas no capítulo em que ambas as disposições legais se inserem: a resolução em benefício da massa insolvente “tem efeitos retroativos, devendo reconstituir-se a situação que existiria se o ato não tivesse sido praticado ou omitido, consoante o caso” (art.º 126/1 do CIRE); na impugnação pauliana “o credor tem direito à restituição dos bens na medida do seu interesse, podendo executá-los no património do obrigado à restituição” (art.º 616.º do CC, por expressa remissão do art.º 127/3 do CIRE).

  2. A apontada distinção justifica a prevalência da resolução em benefício da massa insolvente [consagrada nos n.º 1 e 2 do art.º 127.º do CIRE], a qual se concretiza nestes termos: o n.º 1 impede os credores da insolvência de instaurar ações de impugnação pauliana relativamente a atos praticados pelo devedor, cuja resolução haja sido declarada pelo Administrador de Insolvência; o n.º 2 (1.ª parte) determina que se a ação de impugnação pauliana se encontrar pendente no momento em que é emitida pelo Administrador da Insolvência a declaração resolutiva do ato impugnado, deve de imediato declarar-se a suspensão da instância; o n.º 2 (2.ª parte) determina que a ação de impugnação pauliana apenas prosseguirá os seus termos se a declaração de resolução vier a ser declarada ineficaz por decisão judicial definitiva; decorre dos mesmos normativos que se a resolução não for judicialmente impugnada, ou se tal impugnação for julgada improcedente, deve a ação de impugnação pauliana ser julgada extinta por inutilidade superveniente da lide.

  3. O interesse no efeito da impugnação pauliana é singular e exclusivo do credor que intenta a ação; o interesse no efeito da ação de declaração de nulidade é colectivo, comum a todos os credores da massa insolvente, devendo ser prosseguido pelo administrador da insolvência, através do instituto mais ágil e expedito da resolução em benefício da massa insolvente.

  4. A ação em que o credor pretende a declaração de nulidade dos negócios celebrados pelo devedor (insolvente) não se integra na previsão legal do artigo 127.º do CIRE, sendo inviável após a declaração da insolvência.

  5. Tendo conhecimento de negócios lesivos para os credores (partilha e “cessão de quinhão hereditário”), celebrados pelo devedor menos de um ano antes do processo de insolvência, deve o credor diligenciar junto do Administrador da Insolvência, prestando-lhe todas as informações, com vista a habilitá-lo ao exercício da resolução em benefício da massa insolvente, ao invés de intentar uma ação com pedido de declaração de nulidade dos negócios em causa, denominando-a de impugnação pauliana.

    Acordam no Tribunal da Relação do Porto I. Relatório Por sentença proferida em 19.09.2013, transitada em julgado, foi declarada a insolvência de B........, no Processo n.º 763/13.3TYVNG, que ao tempo corria termos no 2.º Juízo de Competência Cível do Tribunal Judicial da Maia.

    Em 24.01.2014, C........, S.L, sociedade comercial de direito espanhol, intentou contra B........, D........, E........, F........, e G........, a presente ação declarativa que intitulou de “impugnação pauliana”, formulando os seguintes pedidos: «Deve a presente acção ser julgada procedente por provada e, em consequência: a) Seja reconhecida a situação de dissipação e ocultação de bens por parte dos Réus através de vendas simuladas; b) Que o crédito da Autora seja considerado como vencido e em momento anterior aos negócios simulados; c) Os negócios simulados não serem oponíveis à Autora; d) Seja reconhecido não ter o Réu B........ outros bens que sejam suficientes para pagar o crédito da Autora; e) Ser considerado nulo o contrato partilha de bens celebrado pelos Réus B........ e D........ no dia no dia 2 de Agosto de 2012, no Cartório Notarial sito na Avenida …. n.ºs … / …., 1º andar, sala …, 4100 -139 Porto como documento junto com o número 4 e, em consequência; f) Ser o imóvel urbano descrito na Conservatória do Registo Predial da Maia, fracção “FN” da freguesia de Cidade da Maia, concelho da Maia, sito na Rua …., n.º …., lugar …. e inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo 4423 “FN” cfr. certidão matricial ser considerado como sendo propriedade dos Réus B........ e D........

    g) Ser considerado nulo o contrato simulado de compra e venda / cessão, celebrado pelos Réus B........, D........ e E........ celebrado no dia no dia 13 de Dezembro de 2012, no Cartório Notarial sito na Avenida …., n.º …., 3º andar, sala …. na cidade do Porto como documento junto com o número 6 e, em consequência; h) Serem os Réus B........ e D........ considerados cotitulares e comproprietários dos seguintes imóveis da herança de seu Pai H........: […] i) Sejam os Réu I........ e J........ [1], condenados a darem o seu consentimento, caso assim se entenda na qualidade em que eram, ao tempo, cotitulares da herança e comproprietários dos mencionados imóveis para que o negócio simulado seja anulado; j) Por todos os prejuízos causados, sejam os réus condenados solidariamente a pagar as despesas que a Autora já teve de suportar com os presentes autos que são de € 5.000 (cinco mil euros); k) Sejam os Réus solidariamente condenados no pagamento de uma indemnização a ser fixada pelo Tribunal mas que não poderá ser de montante inferior a € 10.000 (dez mil euros); l) Serem os Réus condenados em custas.».

    Alegou a autora, em síntese, como suporte da sua pretensão[2]: a autora é uma sociedade de direito espanhol, que comercializa os seus produtos (combustíveis) junto dos clientes, através de várias áreas de serviço compostas por bombas de combustível; os clientes da autora são sobretudo empresas de transportes e recorrem aos bens e serviços que são vendidos e prestados atendendo à sua qualidade e preço; no âmbito da sua atividade, a autora forneceu e vendeu milhares de litros de combustível à sociedade K........, Lda., da qual o réu B........ era sócio e legal representante, a referida sociedade deixou de pagar os fornecimentos; após muitas interpelações e tentativas de recebimento da quantia em dívida por parte da autora, foi celebrado um “Acordo de Pagamento e Confissão de Dívida” no dia 10 de Outubro de 2012 entre a empresa K........ e os dois sócios e gerentes, o réu B........ e L........, que assumiram a dívida em nome individual caso a empresa, na qualidade de devedora inicial, não realizasse e cumprisse a sua obrigação de pagamento; o acordo de pagamento da dívida não foi cumprido pela devedora K........, Lda., nem o pagamento devido foi feito pelo Réu B........ nem pelo L........; a autora instaurou uma ação executiva contra os dois devedores em nome individual L........ e B........, a qual corre os seus termos com o número 4318/13.4YYLSB, no 2º juízo, 3º secção dos Juízos de Execução de Lisboa; a autora não executou o acordo de pagamento em relação à devedora K........, Lda. porque a mesma, em 6 de Novembro de 2012 entrou em processo especial de Revitalização; o qual, com o número 1194/12.8 TYVNG correu termos pelo 1º Juízo do Tribunal do Comércio de Vila Nova de Gaia; posteriormente, a própria sociedade, através do administrador da insolvência, declarou que a recuperação da empresa não era possível, tendo sido declarada a insolvência no dia 4 de Março de 2013 nos autos que com o número 280/13.1TYVNG correm termos pelo 1º Juízo do Tribunal do Comércio de Vila Nova de Gaia; nos referidos autos, a autora reclamou créditos, reconhecidos pelo montante de € 245.578,57 (duzentos e quarenta e cinco mil quinhentos e setenta e oito euros e cinquenta e sete cêntimos), os bens apreendidos para a Massa insolvente foram de valor diminuto, insuficientes para pagar aos credores da K........, Lda; o réu B........, sua mulher, D........, e a mãe do primeiro, E........, com intuitos claros de ocultação e de dissipação de bens, numa verdadeira trama, cuidadosamente urdida, conseguiram que o réu B........, ficasse sem bens na sua titularidade, para posteriormente apresentar-se à insolvência e, uma vez esta decretada, requerer o seu pedido expresso de exoneração do seu passivo, como o fez nos autos que com o número 763/13.3TYVNG do 2º Juízo do Tribunal Judicial da Maia; a autora através de editais, tomou conhecimento da sentença que declarou a insolvência do primeiro Réu B........ nos autos que com o número 763/13.3 TYVNG correm termos pelo 2º Juízo Cível do Tribunal judicial da Maia, e em 28 de Outubro de 2013 reclamou créditos junto do Sr. Administrador de Insolvência que foram reconhecidos pelo montante de € 245.819,90; o Réu B........, está atualmente divorciado da Ré D........; na sequência do processo de divórcio cuja decisão foi proferida em 19 de Julho de 2012...

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