Acórdão nº 2791/12.7TBVFR.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 23 de Junho de 2015

Magistrado ResponsávelMARIA AM
Data da Resolução23 de Junho de 2015
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo nº 2791/12.7TBVFR.P1 Tribunal Judicial de Santa Maria da Feira Relatora: Maria Amália Santos 1º Adjunto: Desembargador José Igreja Matos 2º Adjunto: Desembargador João Diogo Rodrigues*Acordam no Tribunal da Relação do Porto:*“B…, SA”, com sede na Rua .., nº…, Espinho, intentou a presente acção declarativa de condenação com processo sumário contra “C…, SA”, agência …, Feira, e “D…, Ldª”, com sede na Rua …, nº.., .º direito, …, Santa Maria da Feira, pedindo que as RR. sejam condenadas a pagar-lhe, solidariamente, a quantia de €11.774,08, acrescida de juros vencidos até integral pagamento.

*Alega, em síntese, que a 2ª Ré, para pagamento das comissões referentes aos eventos realizados nos meses de Junho a Novembro de 2011, emitiu, preencheu e entregou à A. dois cheques, que identifica nos artigos 6º a 8º da p.i.

Tais cheques, apresentados a pagamento, foram devolvidos com a menção “cheque revogado, justa causa, extravio”.

Alega que se encontra desembolsada do montante titulado nos cheques, acrescido das despesas bancárias que teve de suportar.

Refere que os cheques não foram extraviados, e que tal foi o argumento usado pelo gerente da 2ª Ré para evitar o pagamento dos cheques, com a conivência da 1ª Ré.

*Contestou a 1ª Ré C…, alegando que recusou o pagamento dos cheques com base numa ordem de proibição de pagamento do sacador por motivo de extravio, fundamento que constitui motivo sério e suficiente para a recusa, não recaindo sobre a Ré qualquer obrigação de investigar ou indagar a veracidade da declaração.

Além disso, os cheques nunca seriam pagos, uma vez que na data da sua apresentação a pagamento a conta sacada não dispunha de fundos suficientes que garantissem o seu pagamento, pelo que os mesmos sempre seriam devolvidos por falta de provisão.

Conclui pela improcedência do pedido, no que a si respeita.

*A 2ª Ré foi citada editalmente.

*A A. respondeu, alegando que não havia fundamento por parte do banco sacado para, sem alguma indagação, se recusar ao pagamento dos cheques, concluindo que a 1ª Ré deve ser solidariamente condenada no pedido.

*Foi proferida decisão a julgar a acção parcialmente procedente por provada e, em consequência a: a) absolver a 1ª Ré do pedido; b) condenar a 2ª Ré a pagar à A. a quantia de € 11.557,20, acrescida de juros de mora, à taxa legal supletiva para as obrigações civis, desde a citação até efectivo e integral pagamento.

*Não se conformando com tal decisão, veio a A. dela interpor recurso de Apelação, apresentando alegações e formulando as seguintes conclusões: A. A sentença sub judice considera como provados os seguintes factos: “23.º A 1.ª Ré “C…” quando devolveu os cheques n.º ……..82 e n.º ……..83, recusou o seu pagamento, apresentados dentro do prazo legal pela A., com fundamento numa ordem de revogação dada pela 2.ª Ré (artigo 26.º da p.i.).

24.º Entre os dois cheques com ordem de revogação, foi apresentado a pagamento e pago o cheque n.º ………., em que os intervenientes são os mesmos. (artigo 28.º da p.i.).

(…) 26.º A 1.ª Ré recebeu do sacador, com quem mantém uma relação comercial de confiança, uma ordem de proibição de pagamentos dos referidos cheques por extravio. (artigo 2.º da contestação).

27.º A Ré ao devolver os cheques, recusou o seu pagamento com base numa ordem de proibição de pagamento do sacador por motivo de extravio. (artigo 3.º da contestação).

28.º A Ré não tem na sua posse nenhuma cópia de qualquer participação criminal apresentada pelo sacador, mas nem tinha de ter. (artigo 6.º da contestação).

(…) 30.º Para a 1.ª Ré nada de estranho havia na ordem de proibição de pagamento por extravio dos cheques, tratava-se de “dois cheques seguidos”. (artigo 13.º da contestação).

(…) 32.º Não tendo a contestante qualquer fundamento para duvidar da veracidade do motivo aí invocado, limitou-se a cumprir tal instrução recusando o pagamento. (artigo 18.º da contestação)”.

  1. Na fundamentação da sentença o Tribunal a quo conclui que “só se pode sobrepor uma ordem de revogação baseada numa situação de justa causa, v.g. furto, extravio, roubo, coacção moral, mas não mera informação genérica e infundamentada. (…) Não se mostra aplicável ao caso a doutrina do Acórdão Uniformizador do STJ de 28.02.2008, pois que no caso não há revogação pelo sacador, no prazo de apresentação a pagamento, mas sim declaração de extravio. Não há dúvida que o extravio dos cheques constitui motivo legítimo para o titular da conta sacada se opor ao pagamento. (…) A solução que cremos melhor salvaguarda os interesses conflituantes em jogo é aquela que faz recair sobre o banco sacado o dever de se certificar da identidade de quem faz a comunicação de extravio, assegurando-se que a comunicação foi efectuada pelo titular da conta sacada e impõe ao banco o dever de rejeitar a oposição ao pagamento se existirem indícios sérios de que o extravio comunicado é falso e foi invocado apenas para o emitente do cheque frustrar o seu pagamento”.

  2. Tal posição, de que ao Banco sacado apenas compete averiguar a identidade do sacador que lhe transmite a comunicação pura e simples “extravio”, não encontra, salvo o devido respeito, apoio quer na lei, quer na doutrina, quer na jurisprudência, violando, desde logo, as disposições contidas nos artigos 32.º do LUCH, art. 14.º, segunda parte, do Decreto 13 004, e o art. 483.º do Código Civil.

    Com efeito, D. A ordem dada ao banco sacado pelo sacador, de não pagamento de determinados cheques, indicando como motivo simplesmente o “extravio” não afasta a aplicação do artigo 32.º da Lei Uniforme sobre Cheques, sendo-lhe aplicável a doutrina estabelecida no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência proferida em 28/02/2008 pelo Supremo Tribunal de Justiça; E. O Banco sacado, na ausência de indicação de factos que provem, ou pelo menos tornem plausível, o motivo da revogação (ou da ordem de não pagamento dos cheques), está obrigado a proceder ao seu pagamento, no decurso do prazo de apresentação, sob pena de incorrer em responsabilidade civil extracontratual.

  3. No caso sub judice, como acima se refere, a ré aceitou, sem quaisquer reservas, a ordem de não pagamento por motivo de “extravio” dada pelo sacador, não logrando averiguar em que circunstâncias tal sucedeu.

  4. Assim como não se preocupou em exigir do subscritor do título elementos adicionais que certificassem da veracidade da declaração de extravio apresentada por parte do mesmo.

  5. A ré não procedeu ao pagamento dos referidos cheques, como era sua obrigação legal, visto que foram apresentados dentro dos oito dias posteriores à sua emissão, prejudicando desta forma a ora recorrente.

    I. A sentença ora impugnada viola o disposto no artigo 483.º do Código Civil e 32.º da LUCH, errando na interpretação das normas constantes das disposições, quer da dita Lei de Processo, quer na Lei substantiva.

  6. O erro de interpretação do art. 483.º do Código Civil decorre de um erro na leitura da previsão das normas vertidas em tal preceito civilístico, assente na errónea qualificação da situação concreta dos factos aos requisitos próprios do instituto da responsabilidade civil extracontratual, existindo, portanto, uma errada subsunção da questão substantiva à previsão legal da disposição material ou substantiva anteriormente referida.

  7. De acordo com o Tribunal a quo “Não se verificando qualquer ilicitude na actuação do banco 1.ª Ré, não está a mesma constituída na obrigação de indemnizar a A., pagando-lhe o montante dos cheques recusados por motivo de extravio, pois não se verificam os pressupostos legais a que alude o artigo 483.º, n.º 1, do C. Civil relativamente ao banco 1.ª Ré, tornando-se despiciendo apurar se havia nexo de causalidade entre essa conduta do banco e os danos invocados pela A.”, e por outro lado, conclui que “Não se mostra aplicável ao caso, a doutrina do Acórdão Uniformizador do STJ de 28.02.2008, pois que no caso não há revogação pelo sacador, no prazo de apresentação a pagamento, mas sim declaração de extravio”. Porém, tais conclusões, são, salvo melhor opinião, e respeito, que é muito, por aquele órgão de soberania, destituídas de fundamento.

    L. Na verdade, entende a Recorrente não ser aceitável, à luz do art. 32.º da Lei Uniforme do Cheque (LUCH), que a Ré e ora Recorrida, face à indicação de extravio dos títulos de crédito em causa, tenha executado, sem mais, a operação bancária de cancelamento das ordens de pagamento, ainda antes de exaurido o prazo de apresentação, violando a norma imperativa vertida naquele preceito, que visa proteger as posições subjectivas na rede cambiária que se venham a desenvolver.

  8. Tendo a Ré, neste circunstancialismo, recusado o pagamento dos cheques, violou o disposto no art.º 32.º da LUCH, pelo que está verificado o inciso do art.º 483.º n.º 1 do C. Civil, “violação de disposição legal destinada a proteger interesses alheios”.

  9. A recusa do sacado em pagar o cheque injustificadamente revogado antes de terminar o prazo de apresentação a pagamento, gera responsabilidade extracontratual para o sacado nos termos do disposto no art. 483.º, n.º 1 do C. Civil e da segunda parte do art. 14.º do Decreto 13004 e também, por se tratar do incumprimento pelo sacado do art. 32.º da LUCH, incumprimento que se traduzirá no incumprimento de uma obrigação cambiária.

  10. Não se ignora a existência de entendimentos no sentido de aceitar a existência de motivo justificado se o cheque foi roubado ou furtado, se se extravia, se foi falsificado ou, em geral, se se encontra na posse de terceiro em consequência de facto fraudulento ou apropriação ilegítima (cfr. § único do art.º 14.º do Decreto 13.004 – outra disposição cuja vigência também não é pacífica – e o art. 8.º, n.º 3 do D.L. 454/91, alterado pelo D.L. 316/97).

  11. Porém, em qualquer caso, o banco sacado deve apreciar a comunicação do sacador, que só deverá aceitar, se existirem indícios sérios do alegado vício (como se diz expressamente no art.º 8.º n.º 3 do D.L. 454/91) e, embora não sendo de exigir tal prova efectiva, isso não exime...

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