Acórdão nº 172/14.7TBPVZ.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 23 de Junho de 2015

Magistrado ResponsávelCARLOS PORTELA
Data da Resolução23 de Junho de 2015
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Apelação nº172/14.7TBPVZ.P1 Tribunal recorrido: Comarca do Porto Póvoa de Varzim – Inst. Central – 2ª Secção Cível – J2 Relator: Carlos Portela (637) Adjuntos: Des. Pedro Lima Costa Des. Pedro Martins Acordam na 3ª Secção (2ª Cível) do Tribunal da Relação do Porto I. Relatório: B…, C…, D…, e E…, vieram propor a presente acção declarativa, com processo comum, contra F…, S.A. e G… e mulher, H…, pedindo que a posição de promitente-comprador num contrato-promessa de compra e venda que melhor identificaram, em que a ré sociedade intervém como promitente vendedora e os réus G… e H… como promitentes-compradores, seja assumida pelos autores.

Para tanto alegaram em suma serem únicos e universais herdeiros de I…, falecido no estado de casado com a autora B…. I… celebrou entre outros o contrato-promessa em questão, mas por acordo com os réus G… e H…, figuraram estes como promitentes-compradores, em vista a salvaguardar a possibilidade de uma futura revenda sem necessidade de consentimento da autora B…, com quem se mantinha casado.

Contestaram ambos os réus impugnando muita da factualidade alegada e criticando as conclusões de direito tecidas no articulado inicial, acabando por concluir no sentido da improcedência da acção.

Foi convocada audiência prévia, proferido despacho saneador, identificado o objecto do litígio e enunciados os temas de prova.

Proferiu-se então despacho dando às partes conhecimento da intenção de conhecer, de imediato, o mérito da causa, ao abrigo do dever de gestão processual, e convidando as partes a pronunciarem-se a respeito, tendo estas optado pelo silêncio.

Foi então proferida decisão onde se julgou a acção improcedente e, em consequência, se absolveram os réus do pedido.

Inconformados com a mesma decisão dela vieram recorrer os autores, apresentando desde logo e nos termos legalmente prescritos as suas alegações.

Foram produzidas contra alegações por todos os réus.

Proferiu-se despacho que considerou o recurso tempestivo e legal, admitindo o mesmo como sendo de apelação, com subida imediata, nos autos e efeito meramente devolutivo.

Recebido o processo nesta Relação emitiu-se despacho que teve o recurso por próprio, tempestivamente interposto e admitido com efeito e modo de subida adequados.

Colhidos os vistos legais e porque nada obsta ao seu conhecimento, cumpre apreciar e decidir o recurso em apreço.

*II. Enquadramento de facto e de direito: Como se verifica dos autos a presente acção foi proposta em 28.01.2014 e a sentença recorrida foi proferida em 30.12.2014.

Assim sendo e atento o que decorre do disposto nos artigos 5º, nº1 e 7º, nº1 da Lei nº41/2013 de 26 de Junho, ao presente recurso devem ser aplicadas as regras processuais postas a vigorar por este último diploma legal.

Ora como é por demais sabido, o objecto do presente recurso e sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso obrigatório, está definido pelo conteúdo das conclusões vertidas pelos autores/apelantes nas suas alegações de recurso (cf. artigos 608º, nº2, 635º, nº4 e 639º, nº1 do NCPC).

E é o seguinte o teor das mesmas: I) Vem o presente recurso interposto da douta decisão proferida pelo Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Instância Central da Póvoa de Varzim, 2ª Secção Cível – J2, com a qual os Recorrentes, com o devido respeito, jamais poderão concordar, pois foi-lhes totalmente negada a justiça que devia, e deve ser, aplicada ao caso em apreço.

II) A sentença de que se recorre privilegia a rigidez formal em prol da verdade material.

III) Com todo o respeito pelo tribunal a quo, decisões desta natureza esvaziam o espírito de normas jurídicas como o artigo 240º do Código Civil que comina com o vício da nulidade os negócios jurídicos simulados; e cuja ratio legis subjacente deste tipo de normas é, precisamente, a protecção da boa fé e da verdade material, censurando quem age em violação destes princípios.

IV) Demonstra a experiência que o facto de partes contraentes atribuírem um determinado nome a um contrato, tal não significa que seja essa a sua natureza, daí a vigência do princípio da irrelevância do nomen iuris.

Do mesmo modo, V) A simples existência de um contrato, assinado por determinadas pessoas, não significa, em verdade absoluta, infelizmente, que esse negócio jurídico tenha sido celebrado entre aquelas pessoas ou nos moldes que constam daquele mesmo acordo escrito.

VI) Como bem se sabe, nem sempre os reais contratantes são aqueles que figuram como parte no contrato reduzido a escrito.

VII) Apesar de as palavras fazerem presumir que o contrato existe nesses moldes, é frequente a verificação de que muitos desses negócios não passam de negócios simulados, quer para esconder o verdadeiro preço praticado, quer para camuflar o verdadeiro negócio jurídico em causa, ou as partes na esfera jurídica das quais, realmente, se vão produzir os efeitos jurídicos do negócio que consta do documento escrito.

VIII) Esta em causa um verdadeiro negócio jurídico simulado, tendo em conta que se verifica a existência de simulação quando há uma divergência intencional entre a vontade e a declaração das partes, uma combinação ou conluio que determine a falsidade dessa declaração, e a intenção ou intuito de enganar terceiros; e é precisamente o que sucede no caso em apreço. (Neste sentido, veja-se, por exemplo, Manuel de Andrade, in "Teoria Geral da Relação Jurídica", vol. II, Reimpressão, Coimbra, 1992, pp. 169 a 171).

IX) Os RR., aqui Recorridos, celebraram um contrato-promessa, de forma consciente e voluntária, sabendo que os efeitos jurídicos deste e quem realmente pagaria o preço e seria o verdadeiro promitente-comprador era I…, o qual, por sua vez, com o intuito de enganar a sua mulher, usava interpostas pessoas para realizar negócios jurídicos.

X) Estamos, pois, perante a chamada interposição fictícia, que se verifica "quando um negócio jurídico é realizado simuladamente com uma pessoa, dissimulando-se nele um outro negócio (real), de conteúdo idêntico ao primeiro, mas celebrado com outra pessoa." (Vide Fernando Pessoa Jorge, in "O Mandato sem Representação", Lisboa, 1961, pp. 215 e 216).

XI) Toda a sua fundamentação do douto tribunal ignora, pura e simplesmente, as evidências, fazendo tábua rasa da verdade dos factos, procurando exclusivamente tentar apresentar argumentos formais para a absolvição do réu da instância.

XII) Tanto mais se extrai da leitura da sentença que, a mesma procura apenas encontrar todos os argumentos para a solução teórica preconizada, uma vez que julga o pedido improcedente por não conseguir enquadrar os factos numa das duas soluções de direito que alega.

XIII) Tal construção, além de se alhear da realidade, é puramente teórica, não cumprindo a aplicação do direito à factualidade descrita. Mais, XIV) Na génese da reforma do Novo Código de Processo Civil esteve também a solução do presente litígio, devendo ter sido observado o artigo 6º do referido diploma, que consagra que “[o] juiz providencia oficiosamente pelo suprimento da falta de pressupostos processuais susceptíveis de sanação, determinando a realização dos actos necessários à regularização da instância ou, quando a sanação dependa de ato que deva ser praticado pelas partes, convidando estas a praticá-lo.”.

XV) A este respeito, PAULO PIMENTA (in “Introdução ao Estudo e à Aplicação do Código de Processo Civil de 2013”, p. 11) afirma que “[o] novo Código de Processo Civil apresenta uma plêiade de soluções que têm de comum ideia de que o juiz deverá assumir a função judicante tendo em vista alcançar a verdade material, não se bastando com a mera verdade formal, o que, desde logo, impõe uma diferente forma de relacionamento com as partes e os seus mandatários”.

XVI) Do que se extrai da sentença, por que motivo não convidou o juiz os AA., aqui Recorrentes, a formular um pedido subsidiário (ou a aperfeiçoar o seu pedido) nomeadamente, o de...

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