Acórdão nº 0658/08 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 15 de Dezembro de 2009

Magistrado ResponsávelJOÃO BELCHIOR
Data da Resolução15 de Dezembro de 2009
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam os juízes na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo (STA): I. RELATÓRIO A Casa Museu - A…, recorre da sentença proferida no Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa (TAF) que negou provimento ao recurso contencioso que ali instaurou afrontando o Despacho da Vereadora do Licenciamento Urbanístico e Reabilitação Urbana da Câmara Municipal de Lisboa, que deferiu o licenciamento de obras requerido por B… para uma moradia sita na Rua …, nºs 9 -9 A.

Alegando formulou as seguintes CONCLUSÕES: “1 A douta sentença recorrida não considerou no elenco dos factos dados como provados os factos alegados e provados, e não contestados pela parte contrária, constantes do ofício nº 7820 que em 05.07.2002 o IPPAR remeteu à Casa-Museu, assinado pelo seu Vice-Presidente, através do qual lhe comunicou que o processo de classificação do imóvel se encontrava “em vias de classificação”, e que, após despacho, seria “reconduzido à autarquia para desenvolver os trâmites necessários para a eventual classificação”.

2 Sendo assim, e dado o relevo dos factos insertos no ofício em causa para a decisão, deveria o Tribunal a quo considerar esses factos como assentes e tomá-los em conta na fundamentação da sentença, como determina o art. 659º nºs 2 e 3 do CPC, não o tendo feito, incorrendo em erro de direito probatório por violação destas referidas normas legais do CPC.

3 A sentença recorrida, ao não considerar que a Casa-Museu, era um imóvel em vias de classificação nos termos da Lei 13/85, e que manteve esta classificação com a entrada em vigor da Lei 107/2001, enferma de erro de julgamento, violando o (entretanto revogado) nº 1 do art. 18 da Lei 13/85 e o nº 1 art. 112º da Lei 107/2001.

4 A sentença recorrida enferma de erro de julgamento ao decidir que o art. 42º da Lei 107/2001, que estabelece a suspensão dos procedimentos de concessão de licenças de obras, se aplica apenas aos bens que hajam sido classificados ou estejam em vias de classificação, e não também em relação aos imóveis vizinhos àqueles bens, como é o caso dos autos.

5 A douta sentença recorrida enferma de erro de julgamento, por entender que no caso objecto do recurso foi dado o necessário parecer do IPPAR, quando o parecer do IPPAR foi dado mas apenas em relação ao monumento nacional do Aqueduto das Águas Livres, e não também em relação ao imóvel em vias de classificação da Casa Museu, com isso violando o art. 43º da Lei 107/2001 que estabelece uma zona de protecção para os bens classificados ou em vias de classificação.

6 É obrigatório e vinculativo o parecer do IPPAR relativamente a obras de alteração e demolição de uma moradia situada em zona de protecção de imóvel em vias de classificação como de interesse municipal, pelo que, tendo a Câmara Municipal de Lisboa licenciado a obra em causa nos autos sem a emissão desse parecer em relação à Casa-Museu, violou o disposto nos arts. 18º nº 2 e 24º nº 1 al. a) do Decreto-Lei nº 555/99 de 16.12, na redacção do Decreto-Lei 177/2001 de 04.06, sendo o acto de licenciamento nulo, nos termos do art. 68º al. c) do referido Decreto-Lei nº 555/99, o que deveria ter sido decidido na douta sentença, e não foi, pelo que incorreu a mesma sentença em erro de julgamento com violação destas indicadas normas legais.

7 A douta sentença incorreu ainda em erro de julgamento, porque o recurso contencioso interposto para fazer valer interesses difusos relativos ao património cultural deveria ter sido enquadrado na acção popular definida no art. 52º nº 3 da CRP e, e reconhecida no nº 2 do art. 9º da Lei 107/2001 para defesa dos bens de valor cultural, e, em consequência disso, beneficiar do regime de custas mais favorável consagrado no art. 20º da Lei 83/95 de 31.08.” A Câmara Municipal de Lisboa contra-alegou, sem formular conclusões, sustentando a bondade da sentença recorrida.

Neste Supremo Tribunal a Digna Pocuradora-Geral Adjunta emitiu o seguinte Parecer: “A Casa Museu A…, sita na Rua …, nº 11, r/c, Lisboa recorreu contenciosamente do despacho de 15.5.2003 da Vereadora do Licenciamento Urbano e Reabilitação Urbana da C.M.L, que deferiu o pedido de licenciamento de obras na moradia contigua à Recorrente.

Invocou que, em face da proposta apresentada junto do IPPC, a Casa Museu passou, a partir de 13.11.1996, a ser um imóvel «em vias de classificação» de acordo com o disposto no art. 18°, n° 1, da Lei n° 13/85, de 6.7, tendo em consequência a partir daquela data passado a beneficiar do regime especial de protecção previsto no art. 18°, n° 2, regime que se manteve na Lei n° 107/2001, de 8.9.

Foi declarada a nulidade da sentença de 3.11.2006, com fundamento em violação do disposto no art. 660°, n° 2, do C.P.C., por esta apenas ter conhecido da alegada consideração do prédio como imóvel «em vias de classificação» à luz do regime previsto na Lei 107/2001.

Quanto aos vícios agora imputados à sentença de 4.3.2008, afigura-se-nos o seguinte: I – 1. No que concerne à alegada não consideração, como facto provado que, pelo ofício n° 7820, de 5.7.2002, o IPPAR comunicou à Recorrente que o processo de classificação do imóvel se encontrava «em vias de classificação» (artigos 48° da PI e 27° das alegações e doc. de fls. 15) parece-nos não assistir razão à Recorrente, pelos motivos que constam do despacho de fls. 281.

Com efeito, o facto invocado foi considerado na sentença a fls. 218, último parágrafo e 219 a qual, contudo, não concluiu no sentido pretendido pela Recorrente.

  1. Já quanto à invocação de que a sentença, ao não considerar que o imóvel em causa deve ser tido como um imóvel «em vias de classificação» ainda no domínio da Lei n° 13/85, e que manteve essa classificação com a entrada em vigor da Lei n° 107/2001 de 8.9, enferma de erro de julgamento, violando o disposto nos art°s 18°, n° 1, da Lei n° 13/85 e 112°, n° 1, da Lei n° 107/2001, afigura-se-nos que assiste razão à Recorrente, pelas razões que se passam a referir.

O IPPAR, na sequência da proposta de classificação do edifício da Casa Museu, remeteu em 13.11.1996, ao representante desta, o ofício n° 2838, junto a fls. 35, do qual constava o seguinte: «Tendo em vista a análise do assunto, solicito a V. Exa. a instrução do respectivo processo, de acordo com os elementos que se juntam em anexo.

Para melhor enquadramento, junto remeto a V. Exa. 1 folheto acerca da classificação dos bens imóveis» (Alínea “A” dos factos provados).

No IPPAR foi emitido parecer sobre a proposta de classificação da Casa Museu, parecer que foi aprovado em reunião do conselho Consultivo, em 22.2.2001 e mereceu a concordância do seu Presidente (doc. de fls. 36).

O conteúdo deste parecer é o seguinte: «Classificação da Casa-Museu A…, Rua …, Lisboa Apreciado o processo em epigrafe, e concordando com a alegação que é efectuada pela DRL, mormente no que concerne à definição estilística do imóvel, cujo valor é essencialmente “associativo” atendendo ao recheio e ao facto de se constituir em memória do escultor C…, consideramos que o imóvel em causa, por não se poder comprovativamente enquadrar na categoria de Monumento Nacional ou de Imóvel de Interesse Público, deve merecer a classificação como imóvel de Valor Concelhio». Alínea “H” da matéria de facto).

Em 5.7.2002, o IPPAR, a solicitação da Recorrente, informou pelo ofício n° 7820, que o imóvel se encontrava «em vias de classificação», bem como do conteúdo do parecer do Conselho Consultivo, e que o processo após despacho seria reconduzido à autarquia para desenvolver os trâmites necessários para a eventual classificação» (doc. de fls. 38).

E, em 14.3.2003, pelo ofício n° 600, o Instituto Português do Património informou a CML do parecer de 22.2.2001 do seu Conselho Consultivo, no sentido de o prédio dever merecer a classificação de imóvel de interesse municipal.

De acordo com o ponto 3. do referido ofício, foram pelo mesmo remetidas à autarquia «fotocópias da documentação técnica do processo» com vista à eventual classificação como Imóvel de Interesse municipal, nos termos do n° 6, do art. 15° e do n° 1 do art. 94°, da Lei n° 107/2001.

Dos factos supra referidos extrai-se que, na sequência da proposta de classificação do Edifício da Casa Museu, se iniciou no IPPAR o procedimento com vista a determinar a viabilidade da sua eventual classificação.

Neste procedimento, a Direcção Regional de Lisboa do IPPAR procedeu à respectiva avaliação e o Conselho Consultivo deste emitiu parecer que foi aprovado em reunião de 22.2.2001, no sentido de o imóvel dever merecer a classificação de Imóvel de Interesse Municipal (cfr. doc. de fls. 36).

Este parecer, no qual se considera a viabilidade da classificação da Casa Museu como imóvel de interesse municipal, mereceu a concordância do Presidente do IPPAR (doc. de fls. 36 e 39).

O IPPAR remeteu ao município «fotocópias da documentação técnica do processo, para efeitos da eventual classificação do imóvel, nos termos do n° 6 do art. 15° e do n° 1, do art. 94°, da Lei n° 107/2001, de 8 de Setembro (doc. de fls. 39, ponto n° 3).

Ora, tendo o IPPAR, no âmbito dos poderes que estão conferidos à Administração Central para defesa do património cultural, emitido pronúncia, em 22.2.2001, no sentido da viabilidade da classificação do imóvel, concluindo que este devia «merecer a classificação como imóvel de valor concelhio» (doc. de fls. 36) e remetido ao município os elementos relativos à instrução do processo, constituídos pelas fotocópias da respectiva «documentação técnica» (ponto n° 3, do doc. de fls. 39), parece-nos poder considerar-se a casa Museu, a partir da data supra referida, como imóvel «em vias de classificação», nos termos da Lei n° 13/85, de 6.7, estatuto que manteve no domínio da Lei n° 107/2001, de 8.7.

Aliás, de acordo com o art. 78° da Constituição, compete à Administração Central «promover a salvaguarda e a valorização do património cultural, tornando-o elemento vivificador da identidade cultural comum».

Nos termos do art. 54°, do C.P.A., o procedimento inicia-se oficiosamente ou...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT