Acórdão nº 5161/12.3TBSTS.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 15 de Junho de 2015

Magistrado ResponsávelCARLOS QUERIDO
Data da Resolução15 de Junho de 2015
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo n.º 5161/12.3TBSTS.P1 Sumário do acórdão: I. O regime processual previsto no n.º 2 in fine e no n.º 7 do artigo 931.º do CPC constitui incidente na tramitação da acção de divórcio “sem consentimento do outro cônjuge”, tendo natureza provisória, como expressamente resulta das citadas disposições legais: é provisório o acordo obtido quanto ao destino da casa de morada de família [vigorando em regra “durante o período de pendência do processo” – art. 931/2]; é provisório o regime adoptado na decisão do juiz proferida perante a inviabilidade do acordo das partes [como expressamente o define o n.º 7 do art. 931.º].

  1. O referido incidente distingue-se do processo de jurisdição voluntária previsto no artigo 990.º do CPC, que não se caracteriza pela mesma provisoriedade, apesar da sua alterabilidade, prevista no n.º 3 do artigo 1793.º do Código Civil, própria dos processos desta natureza (art. 988.º do CPC).

    Acordam no Tribunal da Relação do Porto I. Relatório B… intentou em 13.12.2012, contra C…, acção de “divórcio sem consentimento do outro cônjuge”, requerendo que: «seja decretado o divórcio, ficando a Autora com o direito exclusivo a habitar o rés do chão do prédio sito na rua …, nº …, freguesia …, nesta comarca de S.Tirso, bem como o Réu condenado no pagamento da pensão mensal de € 350,00 à Autora.».

    Em 8.04.2013 realizou-se a tentativa de conciliação, na qual não se revelou possível a reconciliação dos cônjuges, nem a convolação em divórcio por mútuo consentimento, tendo sido determinada a notificação do réu, para contestar, nos termos do art. 1407.º n.º 5 do Código do Processo Civil.

    O réu deduziu contestação, impugnando a factualidade alegada pela autora, declarando não pretender restabelecer a vida em comum, opondo-se, no entanto, aos pedidos de alimentos e de atribuição da casa de morada de família.

    A autora a deduziu ‘réplica’, concluindo com o pedido de condenação do réu em litigância de má fé.

    Em 17.12.2013 foi proferido o seguinte despacho: «B…, apresentou em 13.12.2012 petição inicial de divórcio sem consentimento contra C…, pedindo que fosse decretado o divórcio entre autora e réu, por culpa exclusiva deste.

    O réu apresentou contestação, mas peticiona o decretamento do divórcio.

    Como é sabido, a Lei n.º 61/2008, de 31 de Outubro e que entrou em vigor desde o dia 1 de Dezembro de 2008 introduziu profundas alterações ao regime jurídico do divórcio.

    Procedeu-se à eliminação do divórcio litigioso, com a extinção do divórcio por violação culposa dos deveres conjugais e a instituição do divórcio sem consentimento – com base em qualquer facto objectivo demonstrativo da ruptura definitiva do casamento.

    Atribui-se a qualquer dos cônjuges o direito a requerer o divórcio, independentemente da sua maior ou menor contribuição para a crise matrimonial.

    Em consequência, eliminaram-se as sanções patrimoniais acessórias, excluiu-se o direito à indemnização pelos danos causados com a dissolução do casamento, remetendo-se os cônjuges para os tribunais comuns quanto à reparação dos danos causados pelo outro cônjuge, nos termos gerais da responsabilidade civil.

    Procede-se à alteração do regime de alimentos, consagrando-se o princípio de que cada ex-cônjuge deve prover à sua subsistência e que o credor de alimentos não tem o direito de manter o padrão de vida de que gozou enquanto esteve casado.

    Impôs-se, igualmente, o regime obrigatório da comunhão de adquiridos na partilha.

    A Lei supra citada introduziu uma nova modalidade de divórcio por mútuo consentimento: o divórcio por mútuo consentimento sem necessidade de apresentar todos ou alguns dos acordos complementares – relação de bens comuns, acordo sobre o exercício das responsabilidades parentais, acordo sobre alimentos ao cônjuge que deles careça e acordo sobre o destino da casa de morada de família (v. artigos 1773.º, 2, 1778.A e 1794 do Código Civil). Pretendeu o legislador facilitar a dissolução do casamento, desde que essa seja a vontade dos cônjuges, sem necessidade de qualquer entendimento sobre esses acordos, relegando para o tribunal a decisão dessas questões controversas e evitando que alguns divórcios se arrastem nos tribunais, apesar de ambos pretenderem o divórcio, mas que se encontra inviabilizado apenas pela falta de consenso nessas matérias.

    Como explica Tomé d’ Almeida Ramião (v. O Divórcio e Questões Conexas Regime Jurídico Actual, Quid Iuris, pág. 73 e ss, que aqui sigo de perto) no divórcio sem consentimento, não sendo viável a reconciliação, procurará o juiz obter o consenso dos cônjuges para o divórcio por mútuo consentimento, em qualquer das suas duas modalidades (com acordos complementares ou sem alguns deles).

    Assim, ou os cônjuges acordam em converter o divórcio sem consentimento em divórcio por mútuo consentimento e existe consenso quanto a todos os acordos obrigatórios, decretando-se o divórcio por mútuo consentimento e homologando-se os acordos apresentados.

    Ou, os cônjuges acordam em converter o divórcio sem consentimento em divórcio por mútuo consentimento, mas não existe consenso quanto aos acordos obrigatórios, caso em que se seguirá os termos do divórcio por mútuo consentimento previsto no artigo 1778.º-A do Código Civil, com as devidas adaptações, competindo ao juiz fixar as consequências jurídicas do divórcio e decretar o divórcio por mútuo consentimento.

    No divórcio sem consentimento, se o réu contestar a acção, pode formular pedido reconvencional, alegando igualmente factos que consubstanciam a ruptura definitiva do casamento (artigo 274.º, n.º 2, al. c) e 1408.º, n.º 1 do Código de Processo Civil).

    In casu, o réu pretende que seja decretado o divórcio.

    Como atrás se pretendeu explicitar, no actual quadro legal, extinguiu-se o divórcio por violação culposa dos deveres conjugais, pelo que a discussão patente ao longo dos articulados apresentados pelas partes é inútil.

    Pelo exposto, decido: a) converter o presente divórcio em divórcio por mútuo consentimento; b) em ordem a fixar as consequência do divórcio nas questões referidas no n.º 1 do artigo 1775.º, concedo às partes a possibilidade de se pronunciarem ou de requererem o que tiverem por conveniente, no prazo de 15 dias (artigo 1778.º-A, n.º 4 do Código Civil).

    Notifique.».

    Foi realizada diligência de produção de prova, com inquirição de testemunhas, em 2.04.2014, na qual a autora peticionou a fixação da «pensão provisória de alimentos, anteriormente requerida», tendo o M.º Juiz indeferido a pretensão em apreço, com o despacho que se transcreve: «Compulsados os autos constata-se que não constam do mesmo elementos suficientes para que o tribunal possa, com um mínimo de certeza, avaliar a situação económica de autora e réu.

    Assim, os factos alegados pela autora no requerimento que antecede não se encontram ainda demonstrados nos autos e só mediante a produção de prova, em sede própria e oportunamente, o poderão ser.

    Pelo exposto, decido não fixar qualquer pensão de alimentos provisórios, relegando tal decisão para momento oportuno, ou seja, após a produção da prova indicada pelas partes.

    Notifique.» Em 28.05.2014, data de continuação da diligência probatória para inquirição de testemunhas, a mesma foi dada sem efeito em consequência da “alteração de pedido” formulada pela autora nestes termos: «A Autora, ao abrigo dos artigos 265º e 588º do CPC, vem pedir a alteração do pedido formulado com a Petição Inicial do divórcio na parte em que requer que seja atribuído o direito de habitação exclusivo do rés-do-chão à Autora passando o Réu a habitar o 1º andar do prédio.».

    Alegou a autora, tendo ficado consignado em acta: «Ora, atendendo a que o mesmo com a saída e abandono do rés-do-chão do prédio habitado e propriedade das partes e tendo passado o Réu a habitar o 1º andar do mesmo, o mesmo Réu continua na ausência da Autora a entrar, tal como aconteceu no dia 12 de maio, que o Réu procedeu ao estroncamento de portas, inclusivamente substituindo fechaduras de portas do dito rés-do-chão, forçando outras portas que se encontravam barradas por móveis que a Autora com receio do mesmo Réu havia colocado atravessados por forma a não permitir a sua entrada, encontrando tais móveis deslocados do sitio e as portas abertas.

    (…) Face ao exposto (…), salvo melhor opinião, entendemos que a autora reclamando a habitação em exclusivo e até partilha do mesmo prédio, salvaguarda não só a sua integridade física como o direito à vida que lhe assiste.».

    Através de requerimento apresentado em 13.06.2014, o réu veio impugnar toda a factualidade alegada pela autora.

    Em 16.09.2014, veio a autora apresentar um novo requerimento, desta vez por apenso, com um procedimento que denominou “Procedimento Cautelar de Atribuição da Casa de Morada de Família”, que culmina com dois novos pedidos: «Ora face a todo o supra descrito e aos documentos juntos, impõe-se que sem audição prévia do Requerido, sejam decretadas as seguintes medidas: - que à Requerente seja atribuído o direito exclusivo a habitar todo o prédio (rés do chão e andar) sito na rua …, nº …, freguesia …, nesta comarca de S. Tino, notificando o requerido para desocupar e deixar o prédio no prazo de dois dias; - que seja ordenado à EDP o reabastecimento da luz elétrica ao prédio em nome da Requerente, pois, a celebração de um novo contrato apresenta-se demasiado oneroso e, sendo o casal casado no regime de comunhão geral de bens, possui a requerente legitimidade para o aqui peticionado.».

    Em 19.09.2014, foi proferido despacho sobre o aludido “procedimento”, que se passa a transcrever: «Por apenso aos autos de divórcio n.º 5161/12.3TBSTS, intentou B… o presente procedimento que denominou “Procedimento Cautelar de Atribuição da Casa de Morada de Família” contra C… requerendo a final que: à requerente seja atribuído o direito exclusivo a habitar todo o prédio (rés do chão e andar) sito na rua que identifica; - que seja ordenado à EDP o reabastecimento da luz eléctrica em nome da requerente; Ora vistos os autos principais vemos que houve...

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