Acórdão nº 2888/13.6TBVFR-E.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 15 de Junho de 2015

Magistrado ResponsávelMANUEL DOMINGOS FERNANDES
Data da Resolução15 de Junho de 2015
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo n.º 2888/13.6TBVFR-E-Apelação Origem Comarca de Aveiro Oliveira Azemeis-Inst. Central-2ª S. Comércio-J2 Relator: Manuel Fernandes 1º Adjunto Des. Caimoto Jácome 2º Adjunto Des. Macedo Domingues 5ª Secção Sumário: I- A apreciação da constitucionalidade ou inconstitucionalidade de quaisquer normas é de conhecimento oficioso como decorre do artigo 204.º da CRPortuguesa e, por isso, pode ser suscitada em via de recurso havendo apenas, quando assim seja, que fazer actuar o princípio do contraditório (artigo 3.º, nº 3 do CPCivil).

II- O incidente de qualificação constitui uma fase do processo de insolvência que se destina a averiguar quais as razões que conduziram à situação de insolvência, e consequentemente se essas razões foram puramente fortuitas ou correspondem antes a uma actuação negligente ou mesmo com intuitos fraudulentos do devedor.

III- E o que releva, para estes efeitos é a factualidade existente à data da declaração de insolvência, sendo inócuo que os bens alienados tenham revertido para a massa por via da resolução dos respectivos negócios.

IV- A norma do artigo 189º, nº2, als. e c), do CIRE, quando estabelece o dever de se decretar a inibição para o exercício do comércio e desempenho de determinados cargos, por determinado período (2 a 10 anos), das pessoas afectadas pela qualificação da insolvência como culposa, não é inconstitucional.

*I-RELATÓRIO Acordam no Tribunal da Relação do Porto: No presente apenso de incidente de qualificação da insolvência com carácter pleno, em que é insolvente “B…, Lda.”, veio a Sra. AJ apresentar o seu parecer, nos termos do artigo 188º, n.º 1 do CIRE, concluindo pela natureza culposa da mesma, identificando o seu sócio-gerente: C…-, como pessoa que deveria ser afectada por essa qualificação.

Alega, síntese que apesar de a devedora ter indicado como causa da sua insolvência a conjuntura económica, verificou-se que a mesma tinha resultados líquidos positivos, tinha património que alienou no início do ano de 2013 altura em que se apresentou à insolvência.

Os bens foram transmitidos a uma outra sociedade–D…, sociedade constituída poucos dias antes das vendas efectuadas, com a mesma sede social e o mesmo objecto.

* Por despacho proferido a fls. 11 foi determinada a abertura do incidente de qualificação da insolvência e foi dado cumprimento ao disposto no artigo 188.º, nsº 2, 3 e 4 do CIRE.

*Cumprido o disposto no n.º 3 do artigo 188.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), o Ministério Público aderiu ao parecer apresentado pela Sra. Administrador da insolvência, entendendo que a mesma deve ser qualificada como culposa.

*Foi dado cumprimento ao disposto no n.º 6 do artigo 188º do CIRE.

Devidamente citado o requerido nada disse.

Não foi notificada a Comissão de Credores, por não ter sido constituída.

*Por despacho proferido a fls. 76 foram considerados confessados os factos alegados.

*Fixada a factualidade, foi a final proferida decisão que: a)- declarou culposa a insolvência de “B…, Lda.”; b)- declarou o sócio gerente da insolvente, C…, afectado pela declaração da insolvência como culposa e decretou, em consequência, a sua inibição para o exercício do comércio, bem como para ocupar qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada, empresa pública de órgão ou cooperativa durante o período de seis anos; c)- determinou a perda de quaisquer créditos sobre a insolvência ou sobre a massa insolvente detidos pelas pessoas afectadas pela qualificação, condenando as mesmas na restituição de bens ou direitos já recebidos em pagamento desses créditos, se for o caso; d)- e condenou o referido C… a indemnizar todos os credores da insolvente no montante dos créditos não satisfeitos, até às forças do respectivo património, montante a calcular em incidente de liquidação.

*Não se conformando com o assim decidido, veio a insolvente e C… interpor o presente recurso concluindo pela forma seguinte: 1- Foi incorrectamente aplicado e interpretado o artigo 186° do CIRE, na medida em que não se encontram verificados os pressupostos da aplicação do seu nº 2, pelo que o Tribunal a quo deveria ter aplicado o art. 186° do CIRE a contrario, ou seja, não se verificando nenhum dos pressupostos legais da insolvência culposa, deveria a mesma ter sido qualificada como fortuita.

2-Entendem os Recorrentes ser inconstitucional a norma constante do art. 189º, nº 2, al. b) do CIRE.

3- A norma do art. 189º, nº 2, al. b) do CIRE é inconstitucional, por contrariar os artºs 18º, nº 2, 25º, nº 1 e 26º, nº 1, todos da Constituição, isto é, por violar a integridade moral e o bom nome e reputação do legal representante insolvente e restringir injustificada e desnecessariamente a sua capacidade civil.

4- De acordo com o artº 18º, nº 2, a lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.

5- Segundo o artº 25º, nº 1, a integridade moral e física das pessoas é inviolável.

6- O direito à integridade pessoal (à integridade física e à integridade moral), consagrado no artº 25º, nº 1 da Constituição, consiste no direito da pessoa a não ser agredida ou ofendida no seu corpo ou no seu espírito, por quaisquer meios, físicos ou não.

7- Esse direito constitucional proíbe, portanto, actos que ofendam a integridade física ou moral de outrem.

8- O direito ao bom nome e reputação é violado por actos que se traduzam em imputar falsamente a alguém a prática de acções ilícitas ou ilegais, ou que consistam em tornar públicas faltas ou defeitos de outrem que, sendo embora verdadeiros, não são publicamente conhecidos.

9-É inquestionável que a submissão ás limitações que foram especificadas na sentença integram uma limitação à capacidade de exercício do recorrente, a qual constitui, mesmo tendo em conta a publicidade associada ao registo [artºs 156º e 147º do Cód. Civil e 1º, nº 1, al. h) do Cód. Reg. Civil], ofensa á integridade moral ou ao bom nome e reputação.

10- A não ser assim, teria de entender-se que o decretamento de qualquer inibição, mesmo quando, como é regra, com ela se visa a defesa e protecção do próprio inibido, consubstanciaria um acto ofensivo da integridade moral e do bom nome e consideração daquele.

11- Portanto, o decretamento da inibição, por um período delimitado no tempo, das pessoas afectadas pela qualificação da insolvência como culposa, mesmo tendo em conta que também tal inibição é oficiosamente registada na conservatória do registo e civil, e, no caso das pessoas colectivas, na conservatória do registo comercial (art. 189º, nº 3), ofende a integridade moral ou o bom nome e reputação do inabilitado.

12- Ao submeter o Recorrente à inibição do exercido de actos de comercio, bem como, para ocupar qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada, empresa publica de órgão ou cooperativa durante 6 anos, especificada na sentença, integra uma limitação ou restrição à capacidade de exercício deste.

13- O artº 26º, nº 1 da Constituição reconhece a todos o direito à capacidade civil e o nº 4 do mesmo preceito legal estabelece que as restrições à capacidade civil só podem efectuar-se nos casos e termos previstos na lei, não podendo ter como fundamento motivos políticos.

14- Estas normas devem conjugar-se com o nº 2 do artº 18º da Constituição, segundo o qual a lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses...

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