Acórdão nº 1106/12.9YYPRT-B.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 29 de Junho de 2015

Magistrado ResponsávelALBERTO RU
Data da Resolução29 de Junho de 2015
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Tribunal da Relação do Porto – 5.ª secção.

Recurso de Apelação.

Processo n.º 1106/12.9YYPRT-B do Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Instância Central – 1.ª Secção de Execução – J5.

*Juiz relator – Alberto Augusto Vicente Ruço.

  1. Juiz-adjunto……Joaquim Manuel de Almeida Correia Pinto.

  2. Juiz-adjunto…….Ana Paula Pereira de Amorim.

*Sumário: I – A nulidade de sentença que consiste em os fundamento estarem em oposição com a decisão, nos termos do disposto na alínea c), do n.º 1, do artigo 615.º do Código de Processo Civil, é um vício de natureza processual que consiste num erro lógico patenteado pelo raciocínio exposto na sentença, ou seja, só há nulidade de sentença quando o dispositivo da sentença está em contradição com as premissas antes adoptadas pelo juiz (com as premissas que o juiz efectivamente adoptou e não com as premissas que ele poderia ter adoptado, mas não adoptou).

II – Se à data da assinatura de uma livrança em branco, aparelhada com pacto de preenchimento, só era exigível uma assinatura por parte da gerência para obrigar a sociedade, é irrelevante a exigência estatutária, posterior, de duas assinaturas, na altura em que a livrança foi preenchida.

III – O beneficiário da livrança não carece de proceder ao protesto para demandar o avalista da sociedade subscritora, principalmente quando o avalista é representante legal da subscritora da livrança e não podia ignorar a falta de pagamento da livrança por parte da sociedade que representa.

IV – O erro vício (n.º 1 do artigo 252.º do Código Civil) tem de se referir a uma representação da realidade passada ou contemporânea em relação ao momento da conclusão do negócio e é necessário que as partes quando contrataram tenham («houverem», diz a lei) reconhecido por acordo (coincidência entre as partes quanto à representação e valoração da mesma realidade) que o motivo A, B, ou C era causal para levar uma das partes ou ambas a contratar nos termos em que o fizeram.

V – Em regra, o avalista apenas poderá invocar, perante o credor, o pagamento por parte do devedor seu avalizado. Ressalvam-se os casos em que o avalista, nessa qualidade, intervém no contrato que dá origem à livrança, do qual resultou a dívida cambiária avalizada, pois, nesta parte, o avalista não é terceiro, mas sim parte nesse contrato.

Se desse contrato resultarem relações jurídicas que lhe tenham concedido direitos ou deveres, estamos no domínio das relações imediatas, pois não há aqui interposição de outras pessoas.

*Recorrente/Executado………B…, residente em Rua …, n.º … º Esq., ….-… Porto.

Recorrido/Exequente………..

C…, S.A., com sede em …, n.º .., ….-… Porto.

*I. Relatório

  1. O presente recurso vem interposto da sentença que julgou improcedente a oposição que o executado, agora recorrente, deduziu contra a execução que o C…, SA, lhe move, com o fim de obter dele o pagamento da quantia de 1.551.312,23 EUR e juros.

    A responsabilidade do recorrente resulta de um aval prestado à empresa D…, S.A., inserido em livrança assinada em branco, que ficou na posse do banco exequente, após ter sido celebrado um pacto para o respectivo preenchimento, também assinado pelo executado, o qual integrou um contrato de empréstimo de 5.500.000,00 EUR, feito àquela empresa pelo exequente, da qual o executado era, à data, administrador.

  2. As conclusões do recurso são as seguintes: «QUANTO À FALTA DE PROTESTO DAS LIVRANÇAS 1. Por decisão proferida em 22/05/2013, entendeu o Tribunal à Quo que o protesto não é um pressuposto do portador da letra (ou da livrança) contra o seu avalista.

    1. A tese da desnecessidade de protesto no domínio da L.U.L.L. para efeitos de accionamento do avalista do aceitante (como os ora Recorrentes) baseia-se numa interpretação do art. 32 – I da L.U.L.L. injustificada.

    2. A justificação dessa interpretação do art. 32-I baseia-se na acessoriedade obrigacional da garantia do aval e considera que a matéria dos pressupostos está sob o império dessa acessoriedade.

    3. No entanto, isso é o mesmo que dizer que a obrigação do avalista depende dos pressupostos da obrigação avalizada, mas no sentido de que estes condicionam a sua validade e eficácia e o artº 32º-II contraria aquele resultado da interpretação do art. 32-I de acordo com a ideia de acessoriedade obrigacional.

    4. Acresce ainda que nos termos do aludido artigo só resulta que ele contem uma norma sobre o conteúdo da obrigação do avalista, dizendo COMO este responde e não QUANDO este responde.

    5. Esta matéria dos pressupostos ou condições da responsabilidade dos subscritores de letra de câmbio – que existe quando não há recusa de pagamento pontual do título por quem está nele indicado para pagar – está regulada quanto a todos eles (incluindo o aceitante) no Capítulo VII, artºs 43 e sgs (mas conferir também o art. 28 –II).

    6. A pretensa especialidade do art. 33-I, relativamente ao art. 53-I, foi simplesmente afirmada e não demonstrada e só é compreensível partindo do pressuposto não demonstrado de que o art. 32 regula especificamente a matéria dos pressupostos do aval no sentido já criticado acima.

    7. Quanto ao argumento de que a L.U.L.L. não revela claramente o propósito de romper com a tradição, basta confrontar os art. 336, parágrafo único, e art. 314 § 5 do Código Comercial, para ver as profundas diferenças entre o direito uniforme e o direito anterior. O argumento histórico é, neste caso, pouco significativo, tanto mais que o facto de não ter passado para o texto do art. 53º uma referência expressa ao avalista que existia nos seus antecedentes também pode ser interpretado no sentido de que não quis tomar posição ou quis mesmo consagrar a tese contrária.

    8. Também o argumento do art. 43º é de pouco significado, já porque o instituto do protesto tem primazia sobre o dos avisos, já porque bem pode percorrer-se o caminho inverso ao da doutrina e jurisprudência e interpretar-se o art. 45º no sentido de que o aceitante deve avisar o seu avalista sob pena de poder responder perante ele.

    9. Bem mais significativo, é o facto de que os partidários da tese da desnecessidade do protesto face ao avalista do aceitante se vêem obrigados a corrigir, não só a interpretação do art. 53-I, mas também a dos art. 43.º, 46.º, etc.

    10. E, dentro deste campo dos argumentos formais, é importante anotar-se o seguinte: se se entende que no art. 53º se omitiu uma referência ao avalista do aceitante porque escusada em face do art. 32-I, que regularia especialmente a matéria dos pressupostos da responsabilidade do avalista, o mesmo deverá suceder quanto a todos os demais avalistas, uma vez que não pode admitir-se dispor o art. 32-I apenas sobre o avalista do aceitante (quem seriam, então, “ou outros co obrigados” a que se refere o art. 53.º).

    11. Finalmente, no seguimento da interpretação dada ao art. 32-I, resultaria que os avalistas do sacador e dos endossantes seriam como estes obrigados de regresso enquanto que o avalista do aceitante seria obrigado direto, obrigado perante o portador independentemente de este apresentar ou não a letra a letra a pagamento ao aceitante; mas esta consequência lógica do pensamento da doutrina e jurisprudência subjacente à tese da desnecessidade do protesto face a este avalista é contra legem e este facto revela que ela é insustentável.

    12. A lei faz uma distinção clara entre, por um lado, a obrigação do aceitante da ordem de pagamento nela contida de a pagar no vencimento, decorrente do seu acto de aceite (art. 28-I), que coexiste com a garantia desse pagamento assumida voluntariamente pelos avalistas (art. 30-I) e decorrente do saque e dos seus endossos, e, por outro lado, a responsabilidade de todos os subscritores, incluindo o aceitante, pela recusa de pagamento (que pressupõe a apresentação pontual da letra pelo portador ou sacado para a pagar).

    13. Não havendo recusa de pagamento porque o portador nem sequer cumpriu o ónus de apresentar a pagamento a quem estava indicado no título para o fazer, do título só resulta a obrigação do aceitante. Os garantes do pagamento não são obrigados a cumprir a obrigação do aceitante em vez dele e, mesmo que assim fosse no caso do avalista do aceitante (dentro da teoria do aval-garantia da obrigação avalizada), essa sua obrigação dependeria da recusa de pagamento do obrigado principal. Só estaria, então, em causa saber se essa recusa deverá admitir, em princípio, como único meio de prova contra o avalista do aceitante o protesto ou não.

    14. Quanto ao argumento de que o credor não precisa de provar a não satisfação do seu crédito garantido por fiança pelo devedor principal, é de notar que, por um lado, o direito de acção do credor contra o fiador pode ter como pressuposto o não pagamento pontual imputável ao devedor principal, e, por outro, sendo esse o caso, o fiador deve, pelo menos, poder provar que esse pressuposto não se deu.

      Cabendo em princípio ao portador da letra apresentá-la – no tempo do vencimento ao sacado (aceitante), no local de pagamento (o domicílio deste), para que a pague – e dado o disposto nos artºs 33 sgs – o invocado paralelismo com a fiança só existiria na hipótese acabada de considerar.

    15. Ora, relativamente ao avalista do aceitante: A/ Para além de se querer fazer crer que o portador tem sempre contra ele um direito independentemente daquele pressuposto material, B/ Nega-se-lhe a própria possibilidade de opor ao portador que ele não cumpriu o ónus de apresentar a letra a pagamento no tempo em que ela era pagável, C/ Nega-se-lhe, quanto ao ónus de prova de recusa de pagamento, razões de segurança que o legislador considerou ponderosas relativamente ao demais garantes (e que também deviam valer para ele).

    16. De qualquer forma, este argumento só seria de considerar dentro dos quadros da concepção do “aval/fiança”, hoje, pelo menos formalmente, abandonada e incompatível com a L.U.L.L..

    17. Ou seja, e em síntese a doutrina e jurisprudência dominantes não só não observaram as regras gerais de interpretação das leis ao determinar o sentido dos preceitos da L.U., como também não...

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