Acórdão nº 549/13.5TBGDM-A.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 29 de Junho de 2015
Magistrado Responsável | MANUEL DOMINGOS FERNANDES |
Data da Resolução | 29 de Junho de 2015 |
Emissor | Court of Appeal of Porto (Portugal) |
Processo nº 549/13.5TBGDM-A.P1-Apelação Origem: Comarca do Porto-Inst. Central-1ª Secção de Execução-J3 Relator: Manuel Fernandes 1º Adjunto Des. Caimoto Jácome 2º Adjunto Des. Macedo Domingues Sumário: I- O contrato de abertura de crédito reflecte uma operação bancária em que o banco se obriga a pôr à disposição do cliente um certo crédito por tempo determinado, crédito que o beneficiário usará à sua vontade, seja recebendo os fundos, seja sacando uma letra ou um cheque sobre o banqueiro.
II- Tendo a embargante assinado o contrato de abertura de crédito, embora exclusivamente na qualidade de avalista de uma livrança subscrita pela executada e entregue ao banco exequente nos termos contratuais, significa isto que, no caso concreto, existe claramente entre o exequente (credor cambiária) e a embargante (avalista), uma relação causal, subjacente ao aval, por via da qual se estipulou determinado pacto de preenchimento para a livrança em branco subscrita e avalizada.
III- E, por assim ser estamos no domínio de relações imediatas, mesmo em relação à oponente avalista, pelo que lhe era lícito chamar à colação o não cumprimento do dever de comunicação das cláusulas contratuais gerais integradas no citado contrato e, nomeadamente, aquelas relacionadas com o não cumprimento e com o preenchimento da livrança avalizada.
IV - Pela mesma ordem de razão, podia, no caso concreto, a embargante opor ao credor cambiário a excepção de preenchimento abusivo da livrança.
V- Todavia, o que não podia a oponente era prevalecer-se das duas excepções simultaneamente, isto é, invocar a nulidade das cláusulas gerais e o preenchimento abusivo da livrança.
VI- Invocando a embargante a nulidade das cláusulas gerais, como invocou e sendo procedente, como é, tal arguição, fica a recorrente impossibilitada de prevalecer-se da excepção do preenchimento abusivo da livrança exequenda, também arguida.
VII- Consequentemente, mantém-se, a obrigação cambiária resultante do aval, respondendo a avalista/recorrente nos mesmos termos que a pessoa por ela afiançada (a nulidade das cláusulas gerais não gera a nulidade do aval-artigos 32.º e 77.º da LULL).
**I-RELATÓRIO Acordam no Tribunal da Relação do Porto: Por apenso à execução comum que o “B…, S.A.” lhe moveu, além de outros, veio a co-executada, C…, com os sinais nos autos, apresentar os presentes embargos de executado, pretendendo a procedência dos mesmos com a consequente extinção da execução, seja pela procedência da excepção de ineptidão por falta de causa de pedir, seja por ser julgado nulo, quanto a si, o título executivo, sendo julgada extinta a execução relativamente à embargante.
Para o efeito alegou sem suma que o requerimento executivo é inepto por falta de causa pedir; a exequente nunca entregou duplicados dos documentos à ora embargante, nem sequer o contrato em causa foi sujeito a alguma negociação ou explicação por banda daquela; a embargante jamais foi interpelada fosse que por motivo fosse.
*Notificada para contestar, a exequente fê-lo pela forma que consta de fls. 29 e seguintes dos autos, onde pugna pela improcedência dos presentes embargos de executado, prosseguindo a execução a sua normal tramitação.
Alegou, em resumo, que não ocorre a pretendida ineptidão do requerimento executivo; a embargante foi interveniente no contrato subjacente à emissão da livrança exequenda, tendo sido entregue à embargante um duplicado do mesmo, aquando da sua celebração.
*Foi proferido despacho saneador (onde foram julgadas improcedentes a arguida excepção dilatória da ineptidão do requerimento executivo e a invocada falta de protesto da livrança exequenda) e foi feita a fixação do objecto do litígio e a enunciação dos temas da prova, sem ter sido apresentada qualquer reclamação.
*Realizou-se a audiência de discussão e julgamento com a observância do formalismo legal e, discutida a causa, foi fixada a matéria factual pela forma que dos autos consta e de que não houve qualquer reclamação.
*A final foi exarada sentença que julgou a oposição procedente e julgo extinta a execução em relação à embargante.
*Não se conformando com o assim decidido vieram os opoentes interpor o presente recurso, concluindo as suas alegações nos seguintes termos: 1. A Recorrida foi interveniente no contrato junto com a contestação, na qualidade de garante por aval, sendo sua a assinatura dele constante, e subscreveu a livrança dos autos, no local destinado aos avalistas, que foi entregue ao Recorrente em caução do contrato supra aludido–cfr. itens 1, 2 e 13 dos factos provados.
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Inexiste qualquer dúvida de que foi a Recorrida quem se obrigou na livrança dada à execução nos autos e melhor identificada no requerimento executivo inicial, sendo sua a assinatura constante da livrança no local destinado à assinatura dos avalistas, tendo a mesma sido feita pelo seu punho, como, inclusive, a própria admitiu na petição de embargos–cfr. item 10 dos factos provados.
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Sendo que a livrança foi preenchida posteriormente pelo Banco Recorrente, no que se refere à data e valor, em virtude do incumprimento do contrato por aquela garantido e pela Recorrida também assinado–cfr. itens 9 e 13.
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Assim, atento o incumprimento das obrigações que foram assumidas através da celebração do contrato em apreço, o Recorrente viu-se no seu direito de denunciar o contrato e de preencher a livrança que estava na sua posse, o que fez, tudo em conformidade com o estipulado no contrato–cfr. item 10 dos factos provados.
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Não resulta dos autos qualquer indício de que o contrato de financiamento subjacente à livrança tenha sido celebrado ao abrigo do DL n.º 359/91, de 21/09, 6. Não tendo sido demonstrada essa factualidade, jamais o Tribunal “a quo” poderia ter concluído como concluiu, ao classificar tal financiamento como abrangido pelas regras especiais inerentes aos contratos de crédito ao consumo.
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A qualificação do contrato ter-se-á de realizar com base em elementos de facto e não com base na qualificação efectuada pela Recorrida na sua petição inicial, sendo entendimento corrente a jurisprudência, na interpretação do disposto no artigo 5º do CPC, que o Juiz não se encontra, nem se deve encontrar, adstrito à qualificação dos factos carreada pelas partes.
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Pelo que, salvo melhor opinião, não existindo elementos nos autos suficientes para o conhecimento da finalidade do crédito e não sendo a expressão “reestruturação da dívida, nomeadamente o Financiamento ODS n.º …/…..”, suficiente para se conhecer o carácter particular ou comercial da obtenção desse financiamento por parte da mutuária, não poderia o mesmo ser qualificado como crédito ao consumo e, por conseguinte, enquadrá-lo na previsão do mencionado diploma para daí extrair eventuais consequências de nulidade, 9. Consubstanciando-se tal contrato num mero contrato de mútuo, válido e plenamente eficaz entre as partes contratantes, entre as quais se inclui a Recorrida, respeitador do princípio da autonomia contratual, perfeito para os fins contratuais a que se destina e regulado nos termos gerais previstos nos artigos 1142º e seguintes do Código Civil, 7 Ac. STJ de 26.09.2002, in “Revista n.º 2144/02-7ª-Sumários n.º 99/2002.” 10. Razão pela qual, não sendo aplicável ao caso as referidas disposições legais referentes ao crédito ao consumo, designadamente o mencionado DL 359/91 de 21/09, forçosamente não pode o tribunal apreciar os factos trazidos a juízo apreciando-os à luz das respectivas normas que o compõem.
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Afastando-se, assim, a invocada nulidade do contrato por falta de entrega de um exemplar, nos termos do artigo 7º do DL n.º 359/91, de 21/09, ou através da actual redacção do artigo 7º do DL n.º 133/2009, de 02/06, não sendo, igualmente, aplicáveis as regras emergentes desse diploma legal no que concerne aos deveres de informação e comunicação dos termos e cláusulas do contrato para efeitos de verificação da sua validade entre as partes.
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Não havendo qualquer invalidade do contrato de crédito em apreço, sustentável pelos referidos preceitos, pois que tal contrato não é, nem se pode admitir que o seja, um contrato de crédito ao consumo, não sendo por isso regulado pelas regras especificas inerentes a esse tipo contratual, não podendo também tais regras interferirem na validade do contrato aqui em causa.
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Razão pela qual, nesta parte, o Tribunal “a quo” não poderia ter julgado procedente a invocada nulidade do contrato pela falta alegada de entrega do duplicado ou incumprimento dos deveres de informação e comunicação, porquanto, sendo o contrato regulado pela lei geral, não é exigível o cumprimento das referidas disposições de protecção ao consumidor, porquanto não se verificam as respectivas prerrogativas.
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Acresce que, ao contrário do que resulta da sentença recorrida, o contrato de mútuo subjacente à livrança exequenda não pode ser considerado, no seu todo, como um contrato de simples adesão.
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Com efeito, foram os executados, entre os quais a Embargante, quem negociou com o exequente, directa e pessoalmente, os termos ínsitos no contrato e constantes das suas cláusulas particulares, 16. Quer no que respeita ao objecto do contrato, aos montantes, prazos de vigência, modo de utilização, juros, garantias e demais condições contratuais.
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Após o que foi redigido o contrato, com respeito integral pelo previamente acordado e discutido e, finalmente, assinado.
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Não sendo, assim, verdade que os executados se tenham limitado a aderir a algo previamente elaborado e sem possibilidade de interferir na sua elaboração.
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Pelo que, mesmo que se pudesse considerar a motivação da sentença recorrida quanto à nulidade das cláusulas contratuais gerais existentes no contrato–o que apenas se admite por mero dever de patrocínio, certo é que não se pode ter a mesma consideração pela abrangência conferida por esta sentença, ao englobar as aludidas condições particulares do contrato (fls. 51 e 52) no âmbito do DL 446/85, de 25/10, 20. Pois que a estas, dado o seu carácter particular e atendendo à origem...
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