Acórdão nº 1416/12.5T2AVR.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 13 de Outubro de 2015

Magistrado ResponsávelTOM
Data da Resolução13 de Outubro de 2015
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Apelação n.º 1416/12.5T2AVR.P1 2.ª Secção Cível Acordam no Tribunal da Relação do Porto***I- Relatório: B…, com os demais sinais dos autos, intentou a presente ação declarativa comum, contra C…, S.A., pedindo a condenação desta no pagamento da quantia de € 5.100,00, relativa a indemnização pelos danos decorrentes de acidente de viação.

Alegou, em síntese, ser dono e legítimo possuidor de um veículo automóvel, marca Renault, tipo ligeiro de mercadorias, com a matrícula ..-..-US, no dia 30.06.2009, cerca das 22h.10m., circulava na faixa esquerda da A25, no Km 16,50, em …, Aveiro, no sentido Aveiro/Viseu, e, ao aproximar-se do km 16,50, deparou-se com um animal da raça canina, vindo do separador central, atravessando a via para a berma da estrada do sentido em que circulava. Quando avistou o referido animal encontrava-se já muito próximo do mesmo, ainda travou, e tentou desviar-se, mas não conseguiu evitar a colisão, embatendo de frente com o animal e perdendo assim o controlo do veículo, indo embater nas guardas laterais do lado direito e, posteriormente, no separador central onde ficou imobilizado. Dessa colisão sofreu danos no veículo, que causaram a respetiva Perda Total, visto que o valor orçamentado para a reparação é superior ao valor de venda no mercado, que se cifrava em € 4.600,00. Sofreu ainda um grande choque moral com o acidente, do qual, podiam ter resultado graves lesões físicas, pelo que reclama, a título de danos não patrimoniais, tais como o susto causado pelo próprio acidente, as angústias e as preocupações em ver o seu veículo acidentado, uma quantia nunca inferior a € 500,00.

Contestou a Ré, pugnando pela sua absolvição do pedido.

Saneado o processo e realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida a competente sentença, que julgou a ação parcialmente procedente e “condenou a Ré a pagar ao Autor a quantia global de € 4.500,00, acrescida de juros de mora, calculados à taxa legal desde a data de citação [29.06.2012], até efetivo e integral pagamento”.

Desta sentença veio a Ré interpor o presente recurso, alegando e concluindo nos termos seguintes: I.

A sentença do Tribunal a quo, pese embora saiba e não possa ignorar (ainda que o tenha feito) que o A. violou culposamente o Código da Estrada (pelo menos o seu artigo 27º, mas provavelmente também o seu artigo 14º nº 1) ignorou completamente (ou, pelo menos, “passou adiante”) dessa flagrantíssima violação e ensaiou apenas, sem qualquer base factual para tanto, uma explicação nada consistente e totalmente criticável de desculpabilização dessa conduta culposa do A.; II.

Na verdade, o A. conduzia o veículo US no momento do acidente a uma velocidade de cerca de 130 Km/hora, num local em que a velocidade para os veículos ligeiros de passageiros está limitada a 120 Km/hora; III.

E, além disso, o US era (porque parece que foi abatido) um veículo ligeiro de mercadorias (cf. designadamente o doc. nº 1 junto pelo A. – e sobre esta questão o Tribunal disse nada, mesmo considerando o disposto no artigo 5º nº 2 do C. P. C.), razão pela qual a velocidade máxima instantânea permitida em AE era, como é, para aquele veículo de 110 Km/hora; IV.

Por tal razão, o US circulava – e passe a imagem - “duas vezes” em excesso de velocidade, já que, e por um lado, excedia a velocidade permitida no local, e, por outro, excedia também a velocidade máxima permitida para aquele veículo, o que bem demonstra a falta de prudência, de cuidado e de diligência que o A. empregava na condução; V.

Em qualquer dos casos, portanto, o A. e motorista do US violou o disposto no artigo 27º do C. E., pelo que a sua conduta é, ao contrário do que se diz na sentença, culposa, censurável e reprovável, mais não fosse por negligência; VI.

Depois, e apesar do Tribunal ensaiar, como se disse, uma explicação nada consistente (dir-se-ia até atabalhoada, salvo o devido respeito) para esta flagrante violação da lei, incorre ainda no erro de dizer que o acidente ocorreu porque o animal surgiu na via de modo inopinado (e até – o que é espantoso, salvo o devido respeito - que ao condutor não seria exigível “adotasse um comportamento diverso”); VII.

Ora, isso não corresponde minimamente à verdade e nem o Tribunal tem factos que lhe permitam concluir desse modo (cf. nº 4 dos factos provados e ponto b. dos factos não provados), como não tem nada que lhe permita afastar (pelo contrário, aliás) a responsabilidade do A. na produção do acidente (esse facto e essa conclusão são, de resto, certos, objetivos e incontornáveis); VIII. Mais preocupante que tudo isto é o facilitismo, o sinal perigoso e o “exemplo” perigoso que a sentença do Tribunal a quo transmite para fora (e talvez não só para o A., considerando que as sentenças são públicas), i. e., o de que não faz mal que a lei seja violada, que não há qualquer problema quando se esquecem, para dizer o menos, os deveres de cuidado, de diligência, entre outros, que devem ser exigidos de todos, pois se os acidentes acontecerem em AE lá estará a respetiva concessionária para indemnizar os acidentados (e tenham os acidentes ou não – e como é o caso deste - o “dedo” dos acidentados). Não faz sentido e não tem justificação alguma; IX.

Isto para além de não censurar, como devia, a conduta errada e contrária à lei (Cód. da Estrada e Cód. Civil) e, como é evidente, de não interpretar corretamente a lei, de não a aplicar, como também devia e de não a fazer cumprir, como era suposto; X.

Por isso, e ainda que se entenda (o que se faz tão-só para efeitos deste raciocínio) que sobre a R./apelante impende uma presunção de culpa (e convém não esquecer que nesta ação a R. foi condenada com base numa presunção de culpa), sempre essa sua culpa, porque presumida, devia obrigatoriamente conduzir, atendendo à matéria de facto dada como provada, a uma exclusão do dever de indemnizar e, naturalmente, ao naufrágio da ação (tal como se prevê no artigo 570 nº 2 do C. C.); XI.

Assim, no entendimento da apelante, é manifesto e indiscutível que a sentença da 1ª Instância violou, salvo o devido respeito, o artigo 27º do Cód. da Estrada e os artigos 487º nº 2 e 570º nº 2 do Cód. Civil, devendo, pois, ser revogada em conformidade com o expendido nestas linhas e concluindo-se pela absolvição da R., ora apelante; Sem prescindir e por mera cautela de patrocínio, XII.

À data dos factos estava em vigor a Lei nº 24/2007, de 18 de Julho (LN), lei esta que, no nosso entender, veio de uma vez por todas clarificar que os acidentes ocorridos em AE devem ser analisados e enquadrados (como já sucedia – ou, pelo menos, devia corretamente suceder - antes dela) no âmbito da responsabilidade extracontratual – é, de resto, essa (e não qualquer outra) a conclusão que se pode/deve tirar do disposto na Base LXXIII do Decreto-Lei nº 87-A/2000, de 13 de Maio; XIII.

Ora, é verdade que com o advento da referida Lei se procedeu a uma inversão do ónus da prova (embora diferente daquele que impendia sobre os utentes da AE) que agora impende sobre as concessionárias de AE, assim se criando um regime especial e inovador para este tipo de acidentes, embora – insista-se – sempre filiado na responsabilidade extracontratual; XIV.

Todavia, e como bem se percebe do espírito e do texto da lei (dos nºs. 1 e 2 do artigo daquela lei), mas também do elemento histórico de interpretação (vide projeto de lei nº 164/X do BE), já não corresponde à verdade que com essa lei se tenha estabelecido uma presunção de culpa em desfavor das concessionárias, pois que se assim fosse a redação do citado artigo 12º nº 1 seria seguramente outra, mais próxima daquela constante do artigo 493º nº 1 do Cód. Civil; XV.

Efetivamente, e quanto à dita presunção de culpa, nem tal decorre da referida lei, nem tal resulta do DL nº 87-A/2000, de 13 de Maio, concluindo-se tão-só que com o advento da lei citada passou a impender um ónus de prova sobre as concessionárias de AE (e nada mais que isso). Isto para além de não se poder, de forma alguma, concluir que sempre há situações de inversão de ónus de prova se quer (quis) consagrar uma presunção legal de culpa (cf. Cód. Civil, artigo 344º nº 1); XVI.

Por outro lado, sendo verdade que a R. se obrigou a vigiar e a patrulhar a AE, assim envidando os seus melhores esforços no sentido de assegurar a circulação na AE em boas condições de segurança e comodidade, daí não decorre que essa sua obrigação implica uma omnipresença em...

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