Acórdão nº 14755/13.9TDPRT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 21 de Outubro de 2015

Magistrado ResponsávelELSA PAIX
Data da Resolução21 de Outubro de 2015
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Proc. nº 14755/13.9TDPRT.P1 1ª Secção de Instrução Criminal (J1) da Comarca do Porto Acordam, em Conferência, os Juízes desta 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto: I – Relatório Nos autos de instrução nº 14755/13.9TDPRT da 1ª Secção de Instrução Criminal (J1) da Comarca do Porto, após o Ministério Público ter deduzido despacho de arquivamento, o assistente B… apresentou o requerimento de fls. 250 a 272, nos quais pede a abertura da presente instrução, por discordar do referido arquivamento.

A final, por despacho de 15.04.2015, pelo Senhor Juiz de Instrução foi decidido: Assim, porque os autos não fornecem indícios da prática pela arguida do crime referido na acusação alternativa do assistente determino a NÃO PRONÚNCIA de: C…, determinando, em consequência o oportuno arquivamento dos autos.

Custas pelo assistente que se fixam em 2 UC Notifique, oportunamente, arquive.

***Inconformado com o decidido, interpôs o assistente B… o presente recurso, no remate de cuja motivação formula as conclusões, que a seguir se transcrevem integralmente e que, como é consabido, delimitam o âmbito e objeto do recurso: 1 - Funda-se o presente recurso, salvo melhor opinião, em falhas de apreciação em que assenta a douta sentença proferida a fls., designadamente no que diz respeito à matéria de facto considerada como indiciariamente assente e à decisão de direito proferida.

  1. Da Matéria de Facto 2 – Quanto a matéria de facto, porque entende-se, com todo o respeito, haver manifesto erro de apreciação crítica da prova produzida, impugna-se a decisão proferida nessa parte.

    3 - Porque existem depoimentos escritos e prova documental, entendemos que o Tribunal ad quem deverá reapreciar a matéria de facto não considerada, nomeadamente a matéria acima transcrita que aqui se reproduz para os devidos efeitos legais.

    4- Para tanto, indica-se, para além da prova documental junta, os depoimentos do assistente a fls., da D…, fls. 169, da E… a fls. 167.

    5 – Em síntese, tais depoimentos vieram confirmar a versão apresentada pelo assistente, afirmando que: - A arguida, em anteriores ocasiões, já tinha saído do país de residência com filho menor sem prévio consentimento; - O comportamento da arguida – saída do país com o menor sem autorização em outubro de 2013 de Portugal para Moçambique – foi reiterado; - Com tal argumento criou dificuldade de contacto entre pai e filho, prolongado no tempo; - A arguida negou o direito de vista do pai de outubro de 2013 até o verão de 2014; - A arguida, com tal saída, dificultou o relacionamento entre pai e filho; - A arguida impediu, por diversas vezes, o contacto pelos restantes meios de comunicação, via skype, entre pai e filho, controlando e cortando as conversas entre eles, quando elas existiam; - A arguida controla e fiscaliza as conversas via skype entre pai e filho, cortando ainda as comunicações a meio; 6 - Tais declarações foram isentas, credíveis, coincidentes umas com as outras; devendo as mesmas merecer a credibilidade e relevância.

    7 - Pelo que, deveria o tribunal a quo ter considerado os aludidos factos porquanto os mesmos mostram-se indiciariamente provados e são relevantes para a integração da conduta criminosa imputada à arguida.

  2. Do Direito 8 - Quanto à matéria de direito, e salvo melhor entendimento, o Tribunal a quo, também, apreciou erroneamente a questão de direito que se lhe deparou.

    Com efeito, 9 - O crime de subtração de menores, também conhecido pelo “rapto parental”, tem-se revelado um dos métodos utilizados para impedir o contacto parental, sendo esse crime crescente em Portugal.

    10 - A sociedade civil atual, tanto em Portugal como no resto do mundo, reclama um reforço da tutela penal justificado por existirem novos fenómenos ou fenómenos antigos que agora assumem diversa proporção.

    Aliás, 11 - A própria convenção de Haia de Direito Internacional Privado: Decreto do Governo n.º 33/83 de 11 de maio: Convenção sobre os Aspetos Civis do Rapto Internacional de Crianças, ratificada pelo Estado Português em 1983, teve e tem por objetivo impedir a retenção ilícita e rapto de crianças, procurando compelir os estados contratantes a criar mecanismos entre eles para o repatriamento dos menores, bem como mecanismos dissuasores, cfr art. 1º, 2º e 21º da Convenção de Haia.

    12 - Nesse espírito, os referidos estados contratantes criaram tais mecanismos de repatriamento mais célere, bem como lograram compelir, prevenir tais condutas com a criminalização de diversas condutas.

    13 - O estado francês, do qual o menor dos autos é nacional, dada a gravidade das condutas e com vista à sua prevenção, criminalizou os seguintes comportamentos: "Código Penal “Artigo 227-5 O facto de se recusar indevidamente a apresentação de um menor à pessoa que tem o direito de reclamar é punido com um ano de prisão e uma multa de € 15.000.

    Artigo 227-6 O facto, de uma pessoa que transfira a sua residência em outro lugar, mesmo quando os seus filhos residem habitualmente com ela, de não notificar a alteração de domicílio, com um pré- aviso de um mês da data da mudança, a aqueles que podem exercer em relação às crianças um direito de vista ou de alojamento em virtude de uma sentença ou acordo judicialmente homologado, é punido com seis meses de prisão e uma multa de € 7.500.” 14 - Quer isto dizer que, o ordenamento jurídico francês logrou prever e criminalizar, de forma específica, várias condutas que possam consubstanciar crime de subtração de menor, na parte de retenção ilícito / rapto.

    15 – Entre tais condutas criminalizadas, integra a conduta da arguida que alterou o seu domicílio, sem comunicação prévia junto do outro progenitor, apesar de ser a progenitora a quem foi confiado a residência habitual do menor.

    16 – Por sua vez, o legislador português, também, logrou dar relevância a essas condutas aqui discussão, punindo-as penalmente, mas recorreu a um conceito abstrato para a criminalização de tais atos.

    17 - A nova redação aos art.ºs 249º e 250º, do C. Penal, através das alterações introduzidas pela lei 61/2008 de 31 de outubro, veio tornar mais abrangente o campo de aplicação dos ilícitos em causa; pelo que, atualmente, encontram-se compreendidas na tutela penal condutas que, anteriormente, apenas na área civil encontravam proteção legal no sentido de que esta se revelou muitas vezes insuficiente e ineficaz.

    18 - O atual âmbito de proteção do artigo 249º nº1 alínea c), define que, nas palavras de André Lamas Leite, “o bem jurídico protegido com a incriminação é, fundamentalmente, o direito ao exercício, dos conteúdos ínsitos às responsabilidade parentais e, de modo reflexo, o interesse do próprio menor no adimplemento de uma decisão, que nos termos da lei, surge- ou deve surgir- como aquele que acautela melhor esses interesse.” 19 – Assim, o art. 249º nº 1 alínea c) do Código Penal criminaliza o ato de, reiteradamente, impedir ou dificultar os contactos parentais, incumprindo, assim, o acordo ou a decisão judicial acerca do exercício das responsabilidades parentais.

    20 - Ora, na hipótese do progenitor a quem o menor se encontra confiado, o deslocar sem autorização para local que impossibilite a concretização do regime de visitas fixado, pode esta sua conduta integrar a previsão da al.c) do art.º 249º, do C.Penal uma vez que esta em causa o afastamento da criança do convívio com um dos progenitores.

    21 - Tal como refere o Acórdão do STJ, Processo nº 687/10.6TAABF.S1, in dgsi: “A atual redação do art. 249.º, n.º 1, al. c), do CP, interpretada logo pela construção da tipicidade, visa acorrer às situações em que a recusa, atraso ou criação de dificuldades sensíveis na entrega ou acolhimento do menor, se faz, por exemplo, através da fuga para o estrangeiro de um dos vinculados pelo regime de regulação das responsabilidades parentais, ou através de comportamentos ou abstenções de semelhante dimensão, com graves prejuízos para a estabilidade e os direitos dos menores;” 22 - No caso em concreto, o exercício de responsabilidade parental do F… estava confiado em conjunto aos pais – aqui recorrente e arguida, configurando a alteração de domicílio uma decisão que deveria ter sido tomada pelos progenitores em conjunta.

    Sucede que, 23 - A arguida deslocou-se com o filho menor para o estrangeiro, nomeadamente para um lugar geograficamente muito distante, sem consentimento prévio do pai ou do tribunal.

    24 - Tal conduta, que perdurou durante mais de 10 meses, impediu o contacto entre filho e pai, levou, de forma reiterada, ao não cumprimento dos direitos de visita do recorrente nesse período de tempo, bem como, impediu / dificultou a comunicação entre filho e pai pelos restantes meios de comunicação, mais concretamente através de vias eletrónicas.

    25 – Já no passado recente, tal conduta – saída dos pais de residência sem consentimento do pai– tinha sido adotada pela arguida. Veja-se, quando a arguida viajou com o menor para Portugal em dezembro de 2012, para Cabo Verde em janeiro de 2013, sem consentimento do pai, criando ao recorrente uma sensação de total impotência e insegurança.

    26 – Durante mais de 10 meses, a arguida criou dificuldades que não são aceitáveis para um pai zeloso que quer cuidar do seu filho, dificuldades logísticas, financeiras e temporais, tudo para obstar o direito (natural) de relacionamento pessoal entre o pai e o filho.

    27 - Tal situação configurou uma autêntica rutura na relação familiar habitual entre o menor e o recorrente que estava habituado em estar com o pai de 6 em 6 semanas.

    28 – E, ainda numa lesão nos direitos e interesses do menor, tendo sido o superior interesse da criança gravemente violado já que o exercício das responsabilidades parentais não foi cumprido de forma plena.

    29 – Ora, estes comportamentos integram a previsão legal do preceito penal em apreço.

    30 - Pois, existe aqui uma clara subsunção dos factos ao tipo legal de crime porquanto a arguida, “de um modo repetido e injustificado”, ao fixar a sua residência no estrangeiro sem autorização do pai ou do tribunal...

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