Acórdão nº 15941/09.1IDPRT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 28 de Outubro de 2015

Magistrado ResponsávelEDUARDA LOBO
Data da Resolução28 de Outubro de 2015
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Proc. nº 15941/09.1IDPRT.P1 1ª secção Acordam, em conferência, na 1ª secção do Tribunal da Relação do Porto I – RELATÓRIO No âmbito do Processo Comum com intervenção do Tribunal Singular que corre termos na Secção Criminal – J3 da Instância Local da Maia, Comarca do Porto com o nº 15941/09.1IDPRT, foram submetidos a julgamento os arguidos B…, C…, D… e E…, Lda., tendo a final sido proferida sentença, depositada em 16.03.2015, que absolveu o arguido B… da prática de um crime de abuso de confiança fiscal p. e p. no artº 105º nº 1 do RGIT e condenou os arguidos: - C…, pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal p. e p. no artº 105º nº 1 do RGIT na pena de 135 dias de multa à taxa diária de € 5,00; - D…, pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal p. e p. no artº 105º nº 1 do RGIT na pena de 135 dias de multa à taxa diária de € 5,00; - E…, Lda., pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal p. e p. nos artºs. 7º nº 1 e 105º nº 1 do RGIT na pena de 200 dias de multa à taxa diária de € 8,00.

Inconformados, vieram os arguidos C… e D… interpor recurso da sentença e ainda o arguido C… interpor recurso do despacho proferido em ata, a fls. 846, que indeferiu o requerimento formulado pelo recorrente de audição das declarações prestadas pela testemunha F… na audiência de julgamento do dia 01.11.2013.

E extraem das respetivas motivações as seguintes conclusões: A.

Recurso do arguido C…: 1. O recurso ora interposto confronta o dia 25 de Fevereiro de 2015 como a sua causa irradiante, porquanto que se trata aquele da data de uma audiência de julgamento atinente ao processo encimado onde foi propalado pelo Mmo. Juiz a quo um despacho ao qual o recorrido aloca a sua posição de dissídio; 2. Do que se tratou foi tão-somente da recusa jurisgénica de confrontação de uma testemunha – F… – com um auto (artº 356º.3.b) do CPP), lavrado sobre uma audiência de julgamento declarada sem efeito nos termos do artº 328º nº 6 do CPP, onde os registos colhem uma versão que é divergente daquela ulteriormente narrada ao tribunal e ao juiz de julgamento. Se podemos e devemos assim delimitar o objeto do conhecimento jurisdicional ad quem, façamo-lo pelo seguinte: Quid juris, se declarada sem efeito a prova oral produzida em audiência por ter corrido o prazo de preclusão entre audiências de julgamento, nos termos do artº 328º.6. do CPP, vier a requerer-se a reprodução do seu teor, como prova documental (artº. 364º do CPP), sob os alvores dos artigos 355º.2 e 356º.3.b) do CPP, isto é, para confrontação de uma testemunha com a oralidade documentada por via de gravação magnetofónica ou audiovisual das suas declarações prestadas anteriormente perante juiz e que são marcadas pela multiplicidade de versões sobre os mesmos factos? Noutras palavras, mais autorizadas e que aplicaremos subsuntivamente no excurso infra contido, pode a perda de eficácia probatória cessar defronte de hipóteses constituintes de oralidade documentada? 3. Como se vê, a interrogação formulada defere assaz relevo ao artigo 328º.6 do CPP, pelo que é natural que o ensejo revisitacional se paute pela invocação de considerações valorativas sobre o princípio da concentração ou da continuidade da audiência de julgamento penal; 4. O que se faz em articulação com o artº 355º do CPP, este sufragador do princípio da imediação e de onde irradia a consequência aposta ao artigo 328º.6 do CPP, para assertar que do que se trata é de uma “exigência de prossecução tanto quanto possível unitária e continuada de todos os termos e atos processuais, devendo o complexo destes, em todas as fases do processo, desenvolver-se na medida do possível concentradamente, seja no espaço seja no tempo”, assim não correndo com interrupções ou adiamentos que não absolutamente indispensáveis; isto é, o princípio da concentração, como corolário dos princípios da oralidade e da imediação, clama por “uma audiência unitária, continuada, e no menor espaço de tempo, em que tenha lugar uma apreciação de todo o material probatório”.

5. Noutras palavras, (1) “a oralidade e a imediação exigem uma audiência unitária, continuada, em que tenha lugar a apreciação conjunta e esgotante de toda a matéria do processo. Daqui a concentração espacial – a propósito da qual se fala também por vezes de um princípio de localização -, exigindo que a audiência se desenvolva por inteiro em um mesmo local, apropriado ao fim que com ela se pretende obter e aonde devem ser trazidos todos os participantes processuais (a sala de audiência); e a concentração temporal exigindo que, uma vez iniciada a audiência, ela decorra sem solução de continuidade até final. O artigo 328º consagra claramente o princípio da concentração no que toca à sua manifestação temporal de continuidade da audiência: “a audiência é contínua, decorrendo sem qualquer interrupção ou adiamento até ao seu encerramento”. Os intervalos limitativos da continuidade da audiência podem ter lugar sob a forma de simples interrupções, ou de verdadeiros adiamentos, se a simples interrupção não for bastante para remover o obstáculo. À interrupção ou ao adiamento por período não superior a cinco dias o CPP liga o efeito da continuação da audiência – esta retoma-se a partir do último ato processual praticado na audiência interrompida ou adiada: ao adiamento por tempo superior a cinco dias, e até trinta, corresponde uma decisão do tribunal, oficiosa ou a requerimento, no sentido da repetição ou não de alguns dos atos já realizados; ao adiamento superior a trinta dias, em regra não admissível, liga o CPP o efeito do recomeço da audiência – a prova já realizada perde toda a eficácia (artigos 328º nºs 4, 5 e 6) “A concentração pressupõe que os atos processuais devem desenrolar-se numa só audiência, ou em poucas audiências próximas temporalmente entre si, com o objetivo evidente de que as manifestações realizadas de palavra pelas partes perante o juiz e as provas permaneçam fielmente na memória deste na hora de ditar a sentença”; (3) “Quando se fala em oralidade como princípio geral do processo penal tem-se em vista a forma oral de atingir a decisão. O processo será dominado pelo princípio da escrita quando o juiz profere a decisão na base de atos processuais que foram produzidos por escrito (atas, protocolos, etc.); será pelo contrário dominado pelo princípio da oralidade quando a decisão é proferida com base em uma audiência de discussão oral da matéria a considerar. É exatamente isto – mas só isto – que com o princípio da oralidade se quer significar”; (4) “ O sistema da oralidade, aplicado no terreno das provas, e em particular nas provas a serem constituídas, assinala o momento do ingresso, também no mundo do juízo jurisdicional, daquele diverso método de raciocínio que, originado na passagem do Medievo ao Renascimento, e estando sublinhado por nomes como Galileo Galilei e Bacon, o fundador da escola experimental moderna, e de tantos outros pensadores e homens da ciência, encontra-se hoje, sem dúvida, na base do conceito de juízo em geral”; (5) Ligado ao princípio da oralidade deparamos com o princípio da imediação, definível como a relação de proximidade comunicante entre o tribunal e os participantes no processo, de modo tal que aquele possa obter uma perceção própria do material que haverá de ter como base da sua decisão. Também aqui, como no princípio da oralidade, o ponto de vista decisivo é o da forma de obter a decisão – cfr. AUJ nº 11/2008, do STJ; (6) o princípio da imediação relaciona-se com o carácter imediato, quer dizer, não mediado ou livre de interferências, da relação de todos os sujeitos processuais entre si e com o objeto da causa, que propicia tal modo de conceber o processo. Assim, para Calamandrei, pondo a ênfase da dimensão da interatividade, “imediação significa presença simultânea dos vários sujeitos do processo no mesmo lugar, e, por conseguinte, possibilidade de fontes de prova aonde os autores farão maior empenho. Frente ao processo penal do antigo regime, no qual o processo se efetuava sobre um material que o tribunal recebia por escrito e, portanto, já elaborado em outra sede, se afirma agora a superioridade do juízo presencial, em tempo real, que, em expressivos termos do mesmo autor, oferece a vantagem de que “na viva voz falam também o rosto, os olhos, a cor, o movimento, o tom de voz, o modo de dizer, e tantas outras pequenas circunstâncias, que modificam e desenvolvem o sentido das palavras e fornecem tantos indícios a favor ou contra o afirmado com elas”. Portanto, imediação como “observação imediata" (Florian); como forma de encurtar as distâncias” (Carnelutti) ou de “integral e direta perceção, por parte do juiz, da prova”.

6. Aqui chegados, cumpre apreciar aquela que é a consequência aposta às hipóteses em que o porvir determina uma interrupção ou um adiamento inter – audiências superior a 30 dias: perde eficácia toda a prova produzida, prescreve o nº 6 do artº 328º do CPP; 7. Se uma doutrina e jurisprudência minoritárias assimilaram àquela estatuição, opaca em quaisquer prescrições de nulidade probandi, a previsão do artº 120º.2.d) do CPP, atinente a um regime de nulidade de atos processuais por afronta ao princípio da legalidade (Ac. TRE de 11.10.1994: “A violação do nº 6 do artº 328º do CPP, ainda que não venha expressamente indicada na lei como nulidade absoluta ou relativa, constitui nulidade nos termos do disposto no artº 120º.2.d) do CPP, na medida em que implica a violação do princípio da imediação das provas, o que pressupõe a continuidade da audiência; Tal nulidade envolve a invalidade do julgamento e, consequentemente, da própria sentença”; Ac. TRE de 19-10-1996: “A violação do disposto no nº 6 do artº 328º do CPP constitui nulidade que, quando invocada nas alegações de recurso, determina a nulidade do julgamento, ainda que a prova oral já tenha sido produzida e a suspensão do processo tenha sido determinada, apenas, para obtenção de elementos escritos”), outra, mais extensa e hierarquicamente mais...

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