Acórdão nº 749/15.3T8MAI-A.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 28 de Outubro de 2015

Magistrado ResponsávelMANUEL DOMINGOS FERNANDES
Data da Resolução28 de Outubro de 2015
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo nº 749/15.3t8mai-A.P1-Apelação Origem: Comarca do Porto-Maia-Inst. Central-2ª Secção de Execução-J2 Relator: Manuel Fernandes 1º Adjunto Des. Rita Romeira 2º Adjunto Des. Caimoto Jácome Sumário: I- No domínio das relações imediatas, o título de crédito ainda não entrou em circulação, não havendo, por isso, interesses de terceiros a proteger e daí que seja posição dominante na doutrina e na jurisprudência que o carácter literal e autónomo da letra e da livrança só produz efeito quando o título entra em circulação e se encontra em poder se terceiros de boa fé.

II- Por essa razão, destinando-se o rigor do formalismo cambiário essencialmente a proteger os interesses de terceiro, não há em regra, justificação para que as circunstâncias extracartulares não sejam consideradas nas relações "inter partes" para interpretar o título e corrigir o formalismo de acordo com a boa fé.

III- Daí que aposição do carimbo da sociedade subscritora, junto à assinatura do dador do aval no verso da livrança, terá de ser considerado erro ostensivo de escrita cuja rectificação é permitida ao abrigo do preceituado no artigo 249.º do Código Civil, quando aquele avalista interveio na convenção extracartuluar e a assinou nessa qualidade, tomando-a por certa nos termos da declaração que subscreveu em cláusula aí inserta, tendo assim de se considerar ter ele avalizado o referido título e não aquela sociedade.

**I-RELATÓRIO Acordam no Tribunal da Relação do Porto: B…, S.A. com sede na Rua …, n.º . - ...º, Lisboa instaurou a presente execução para pagamento de quantia contra C… e D… ambos residentes na Rua …, n.º …, Maia, apresentando como título executivo uma livrança emitida aos 19.03.2013, com data de vencimento em 09.04.2013, tendo como quantia inscrita €: 5.970,80.

*Por requerimento apresentado em 19/02/2005 veio a exequente dizer que, por manifesto lapso, na livrança dada à execução junto a assinatura dos avalistas foi aposto o carimbo da empresa subscritora, sendo que eles se obrigaram perante si na sua qualidade de avalistas, tendo sido nessa qualidade que aí apuseram as suas assinaturas.

Pede por isso que seja relevado o lapso e que, portanto, a execução prossiga contra os executados na qualidade de avalistas no título cartular dado à execução.

*A Srª juiz do processo em 25/02/2015 lavrou despacho indeferindo liminar e parcialmente o título executivo em relação ao executado D… por ter entendido, no essencial, que ao apor a sua assinatura sobre o carimbo de uma empresa isso traduziu a formalização da responsabilidade cambiária da própria empresa e não dele, inexistindo, assim, título executivo que autorize o prosseguimento da execução contra ele.

*Não se conformando com o assim decidido veio a exequente interpor o presente recurso, concluindo as suas alegações nos seguintes termos: a) O presente recurso vem interposto de decisão que indeferiu liminar e parcialmente o requerimento executivo contra D…, ao não admitir a rectificação (v.g., exclusão) do carimbo colocado sobre a sua assinatura do campo da livrança sub judice que é destinado ao avalista; b) Entendeu a Meritíssima Juiz a quo que a literalidade associada aos títulos cambiários não permite a aplicação do regime do erro positivado no art. 249º do Código Civil.

  1. Salvo o devido respeito, discordamos deste entendimento que, em nossa opinião, não faz a correcta interpretação da Lei.

  2. O regime do erro de escrita, como tal plasmado no art. 249º do Cód. Civil não é afastado nem condicionado pelas regras que imperam sobre as obrigações cartulares.

  3. Assim o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça datado de 13.04.2011, proferido in processo 2093/04.2TBSTB-A L1.S1.:"O erro, para ser manifesto, há-de revelar-se no contexto da emissão da declaração negocial–art. 249º do Código Civil–não havendo qualquer regime especial por se tratar de título cambiário".

  4. "I - O art.º 249 do CC é aplicável a todos os casos em que a vontade manifestada padeça de um lapso ostensivo, não só nas declarações negociais como também nas declarações produzidas pelas partes no decurso de um processo judicial II - Essencial é que o erro de cálculo ou de escrita seja ostensivo e que essa ostensibilidade resulte do próprio contexto da declaração ou advenha das circunstâncias que o acompanham" (Agravo n.º 851/01 da 1.ª Secção Supremo Tribunal de Justiça, datado de 15.05.2001).

  5. A assunção da qualidade de avalista vem contextualizada no contrato de cessão de posição contratual n.º …… junto a fls. dos autos, correspondente à relação material subjacente à livrança executada.

  6. D… assinou o referido contrato assumindo expressamente a qualidade de avalista: " D… contribuinte nº ……… residente em R. …- ….-…, adiante designado(s) por Avalista".

  7. D… assinou a declaração de avalista com o seguinte teor: "O(s) Avalista(s) declara(m) que aceita(m) ser avalista(s) do Segundo Contraente e de ter(em) sido informado(s) por este do montante da dívida a contrair, bem como das cláusulas deste contrato e do contrato cedido, que declara(m) conhecer e aceitar, avalizando, para o efeito a Livrança de Caução em branco anexa ao contrato, podendo a Terceira Contraente, em caso de incumprimento pelo Segundo Contraente, proceder à cobrança dos montantes em dívida e à execução cambiária".

  8. Precisamente porque interveio nas relações extracartulares-maxime relações imediatas-é que os princípios da literalidade, abstracção e autonomia perdem aqui aplicabilidade.

  9. Pelo que, o valor probatório das declarações vazadas no documento complementar impõe-se como plenamente válido e eficaz para efeitos do art. 376º do Cód. Civil.

  10. Por outro lado, analisada a livrança dada à execução resulta que a assinatura de D…, colocada no campo destinado à prestação aval é precedida do dizer "Bom por aval ao subscritor", junto à anotação "Sr. D…".

  11. Além do mais, aqui se reproduz a ressalva da Meritíssima Juiz a quo quando reconhece inexistir razoabilidade para a empresa subscritora ser simultaneamente avalista, argumento este válido para...

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