Acórdão nº 475/13.8TBPFR.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 19 de Janeiro de 2015

Magistrado ResponsávelMANUEL DOMINGOS FERNANDES
Data da Resolução19 de Janeiro de 2015
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo nº 475/13.8TBPFR.P1-Apelação Origem: Tribunal Judicial da Comarca de Paços de Ferreira, 2º Juízo Relator: Manuel Fernandes 1º Adjunto Des. Caimoto Jácome 2º Adjunto Des. Macedo Domingues Sumário: I- Na reapreciação da prova a Relação goza da mesma amplitude de poderes da 1.ª instância e, tendo como desiderato garantir um segundo grau de jurisdição relativamente à matéria de facto impugnada, deve formar a sua própria convicção.

II- Se na acção se pede o reconhecimento de uma servidão de aqueduto pela via da usucapião não se verifica a nulidade estatuída no artigo 615.º, nº 1 al. e) do CPCivil se o juiz, por entender que estão verificados os respectivos pressupostos, decreta a existência de uma servidão legal de aqueduto.

III- Os modos de constituição das servidões são o contrato, o testamento, a usucapião ou destinação de um pai de família (artigo 1547.º, nº. 1, do Código Civil), sendo que as servidões legais, na falta de constituição voluntária, podem ser constituídas por sentença judicial ou decisão administrativa (n.º 2 do mesmo normativo).

IV- São pressupostos da constituição da servidão legal de aqueduto (artigo 1561.º do CCivil): a existência do direito à água; a necessidade efectiva de conduzir a água para a agricultura ou industria, ou casa de habitação para aí ser utilizada nos gastos domésticos e que a direcção e a forma do aqueduto são as mais convenientes para o prédio dominante e as menos onerosas para o prédio serviente.

V- Todavia, a implantação de tal servidão, tratando-se de águas particulares, só pode fazer-se através de prédios rústicos alheios e, ao assim estabelecer-se, excepciona-se imediatamente os prédios urbanos ou que como tal devam considerar-se e respectivos logradouros (quintais, jardins ou terreiros contíguos a casas de habitação).

VI- São factos constitutivos, cuja prova incumbe ao autor, do surgimento de servidão por destinação de pai de família: a) estarmos perante dois prédios do mesmo dono ou duas fracções de um só prédio; b) haver sinal ou sinais visíveis, postos em um ou em ambos os prédios, que revelem serventia de um para com o outro ou de uma fracção para a outra; c) que se verifique a separação dos prédios ou fracções, mantendo-se os referidos sinais.

VII- Por sua vez a contrariedade da servidão no documento da separação dos prédios ou fracções é facto impeditivo da constituição da servidão e, como tal, a sua prova compete a quem conteste a existência da servidão.

VIII- Estando assente que os prédios confinantes dos Autores e Réus pertenciam aos mesmos proprietários, antes de cada um deles os adquirir por partilha, e que no terreno que ficou a pertencer aos segundos Réus, existe um poço de água que é conduzida, desde há mais de 50 anos e desde o início da sua exploração por meio de um tubo que passa pelo logradouro do prédio dos primeiros Réus na sua parte posterior tendo como referência a via pública, até chegar ao prédio dos Autores o qual sempre usufruiu da água do referido poço, torna-se evidente que, perante esta factualidade ocorrem, os pressupostos de constituição de servidão por destinação de pai de família.

IX - Esta servidão pelo seu objecto e finalidade é sem dúvida uma servidão de transporte ou aqueduto de água, uma vez que se destina a abastecer e a servir o prédio dos Autores onerando o prédio dos Réus com o respectivo encargo.

*I-RELATÓRIO Acordam no Tribunal da Relação do Porto: B… e C…, residentes na Rua …, .., em …, Paços de Ferreira, intentaram contra D… e mulher E…, residentes na Rua …, .., em …, Paços de Ferreira, e contra F… e mulher G…, residentes na Rua …, .., em …, Paços de Ferreira, acção declarativa com processo sumário, peticionando a condenação dos réus a reconhecerem os autores como proprietários do prédio urbano sito na Rua …, .., …, em …, Paços de Ferreira, que são comproprietários do poço e da água dele proveniente que se situa em parte do prédio dos segundos réus, que a favor do prédio de que são proprietários existe um direito de servidão, captação de água e aqueduto desde o dito poço até ao seu prédio, que onera os prédios dos réus, serem os réus condenados a absterem-se da prática de actos que impeçam o normal exercício desses direito de compropriedade e servidão, serem os primeiros réus condenados a repor o tubo de água pelo seu prédio.

Para tanto alegam, em síntese, que as partes receberem os prédios que hoje a cada um pertencem por via sucessória dos seus pais, sendo anteriormente este um prédio único, tendo sido decidido no respectivo processo de inventário que um poço que existe no prédio dos segundos réus pertence também aos autores, certo que a água é canalizada por um tubo que sai desse poço e prédio, percorre o prédio dos primeiros réus, até chegar ao dos autores.

Todavia, em Julho de 2011, o dito tubo foi retirado desse percurso e colocado num prédio vizinho, pretendendo os autores recolocar a situação que existia.

Os réus contestaram, negando, no essencial, a pretensão dos autores, dizendo nunca ter existido qualquer servidão de aqueduto e que o tubo de água está colocado onde sempre esteve.

*Procedeu-se à elaboração de despacho saneador, com organização da matéria assente e da base instrutória.

*Entretanto, faleceu o autor B…, sendo habilitadas para prosseguir na causa, em seu lugar, a sua mulher C… e o seus filhos H…, I…, J…, K…, L…, M… e N....

*Realizou-se audiência de discussão e julgamento, com observância das formalidades legais.

*A final foi proferida sentença que julgou procedente, por provada, a presente acção e consequentemente declarou que: a) os autores são legítimo donos, proprietários e possuidores do prédio urbano sito na Rua …, n.º …, …, freguesia …, concelho de Paços de Ferreira, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 319 e descrito na Conservatória de Registo Predial sob o número 635/19981002, sendo os réus condenados nesse reconhecimento; b) os autores são comproprietários, quer do poço quer da água dele proveniente, que se situa em parte do prédio propriedade dos segundos réus F… e G…, do prédio urbano, sito em …, freguesia …, concelho de Paços de Ferreira, inscrito na respetiva matriz sob o artigo 409 e, descrito na Conservatória de Registo Predial sob o número 687/19990304 da freguesia …, sendo estes réus condenados nesse reconhecimento; c) a favor do prédio dos autores existe um direito à servidão, captação de água e aqueduto desde o poço, por meio de um tudo de água, efectuada pela parte posterior dos prédios dos réus F… e G… e a D… e mulher E…, atenta a via pública, até aceder ao prédio dos autores, sendo os réus condenados nesse reconhecimento e, Condenou: d) os réus F… e G… e a D… e mulher E… a absterem-se directa ou indirectamente, pessoal ou por interposta pessoa, por qualquer meio, da prática de qualquer ato ou factos que impeçam o normal e legitimo exercício dos direitos de servidão e compropriedade acima descritos, e nos precisos termos descritos; e) os réus D… e mulher E… a repor o tubo de água a passar pela extremidade do seu prédio, conforme referido em 10) dos factos provados.

*Não se conformando com o assim decidido vieram os Réus interpor o presente recurso concluindo as suas alegações pela forma seguinte: 1) Os factos correspondentes aos vertidos nos artigos 22, 23, 32, 35 e 36 da RI. e levados à base instrutória sob os quesitos 5, 6 e 7, foram, todos eles, considerados “provados”, quando deveriam ter merecido a resposta de “não provados”.

2) Sobre tal matéria pronunciaram-se as testemunhas, O… e P…, tendo prestado declarações os Réus D… e E…. Ora, ao contrário do que se afirma na sentença, os depoimentos das referidas testemunhas e declarantes não foi impreciso, calculista e tendencioso, pois limitaram-se a afirmar aquilo que o Sr. Juiz nunca quis ouvir, que o percurso dos tubos seguiu sempre apoiado na ramada do prédio vizinho até entrar no prédio dos autores.

III) Aliás, para se aquilatar do erro na apreciação da prova, diga-se que, apesar do Sr. Juiz a quo afirmar que: “... Há cerca de alguns anos, não mais de seis anos, alguém, que não os autores, pegaram no tubo e retiraram-no do prédio por onde este passava e, atirando-o para fora deste, ocuparam o prédio do vizinho...”, apesar disso, não se coíbe de, contraditoriamente, dar como provado que o tubo passa pelo logradouro do prédio dos primeiros réus, desde há mais de cinquenta anos até aos dias de hoje (resposta 14 e 15 à matéria de facto). Ora, a obscuridade é evidente: o tubo ou permanece até hoje a passar pelo prédio dos primeiros réus ou foi atirado, há cerca de seis anos, para o prédio vizinho. Não pode é ter sido atirado para o prédio vizinho e continuar a passar no prédio dos primeiros réus.

IV) Por outro lado, há claro erro na apreciação da prova quando se dá como provada a matéria constante em 16 da factualidade assente-isto é, que os primeiros réus pegaram no tubo referido em 10), retiraram-no do prédio por onde passava e, atirando-o para fora deste, ocuparam o prédio do vizinho-quando nenhuma das testemunhas o afirmou. Aliás, na página 16 da douta sentença afirma-se: “... Alguém, que não os autores, pegaram no tubo, retiraram-no do prédio por onde passava e, atirando-o para fora deste, ocuparam o prédio do vizinho...” Isto é, o próprio Sr. Juiz a quo que não se atreve a afirmar (por não ter sido produzida prova nesse sentido) terem sido os primeiros réus a retirar o tubo, vem a dar como provado terem sido eles a atirá-lo para o prédio do vizinho.

  1. Na verdade, o Sr. Juiz a quo, mesmo antes de decidir a causa, já havia sobre o seu objecto tomado posição, pois desde o início e no decurso de toda a audiência, foi deixando bem claro qual o pré-juízo que havia feito, deixando-se enredar em suposições, demonstrando às testemunhas indicadas pelos réus que não acreditava nelas, pois entendia-e disse-o, várias vezes-que o tubo devia passar pelo prédio dos réus e não pelo prédio do vizinho. Isto é, na audiência o Sr. Juiz a quo não procurou apurar os factos-por onde passava o tubo- mas tão só...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT