Acórdão nº 7640/13.6TAVNG.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 21 de Janeiro de 2015

Magistrado ResponsávelDONAS BOTTO
Data da Resolução21 de Janeiro de 2015
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Proc. n.º 7640/13.6TAVNG.P1 Acordam em Conferência no Tribunal da Relação do Porto Relatório Decisão Instrutória O Tribunal é o competente.

O processo o próprio.

Não há nulidades, excepções, ou questões prévias a decidir.

***Inconformado com o arquivamento, veio o assistente requerer a abertura da instrução, alegando, em síntese que os factos descritos nos autos integram a previsão do crime de falsificação.

Procedeu-se a debate instrutório com a observância do legal formalismo.

Cumpre decidir: Em causa nos autos está o crime de falsificação de documento p. e p. pelo artº.256º, 1, do CP.

Quanto a este ilícito, refere-se no AC. do STJ datado de 9/7/97, P.º n.º 33/96, 3ª secção, que, “o elemento subjectivo essencial do crime de falsificação de documentos é o dolo específico, a intenção de causar prejuízo a outrem ou ao Estado, ou obter benefícios ilegítimos. Não basta por isso, que se prove ter prejudicado o Estado e que exista consciência de tal. A existência de dolo específico tanto tem que ocorrer nos casos previstos no n.º 1 e suas alíneas do art.º 228, como na situação prevista no seu n.º 2.” No mesmo sentido, diz-se no ACSTJ 02.10.1997, Processo n.º 408/97 - 3ª Secção que para a integração do tipo subjectivo do crime de falsificação de documento, não basta a demonstração de que o arguido agiu deliberada, livre e conscientemente, pois que se configurando a exigência de um dolo específico, mais se exige a prova de que o agente actuou com intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado, ou de alcançar para si ou para terceiro benefício ilegítimo.

Também a propósito deste crime, refere-se no ACSTJ 17.06.1999, Proc. n.º 225/99 - 3.ª Secção, que: “o tipo delituoso de falsificação visa primacialmente assegurar a protecção da fé pública dos documentos, a genuinidade dos mesmos, e tratando-se de meios ou instrumentos de pagamento, também a confiança na circulação cambiária. Estes valores só não correm o risco de serem atingidos no caso do chamado "falso grosseiro", ou seja, naquelas situações em que embora estando reunidos os demais requisitos normativamente tipificadores do ilícito, a falsificação não assume qualquer virtualidade para achar crédito junto daqueles a quem é destinada, sendo assim insusceptível de determinar prejuízo.

No caso dos autos, tudo se reporta a uma acta (nº 4, datada de 21/12/2011), nos termos da qual foi aprovada a dissolução da sociedade “B…, Ldª”, da qual eram sócios gerentes os arguidos, constando naquela e por referência à essa sociedade, a declaração “inexistência de activo e passivo”. Diz o assistente que tal facto não corresponde á verdade e que os arguidos estavam disso bem cientes e que tal acto originou a impossibilidade de o assistente satisfazer o seu crédito e ressarcir o seu prejuízo patrimonial no âmbito de um eventual processo de execução. Porém, como refere o MºPº no despacho sindicado, essa eventual impossibilidade de ressarcimento advém, não da dissolução da sociedade (mesmo com sujeição a registo), mas do facto de a sociedade em causa não possuir bens. De salientar igualmente que já tinha sido instaurado injunção e acção cível contra aquela sociedade em momento anterior à dissolução. Está assim por verificar um dos pressupostos de que depende a aplicação deste tipo legal, a intenção, por parte dos arguidos, de causar prejuízo patrimonial ou obter um beneficio ilegítimo, sendo que concordamos com o referido no despacho de arquivamento quanto á inexistência de nexo de causalidade entre tal resultado e a conduta dos arguidos, pois, como se referiu, o prejuízo resulta não da dissolução, mas da falta de bens da sociedade gerida pelos arguidos, tendo em conta o preceituado no art.º 1020 do CCIV, dando-se por reproduzidos os teores dos Acórdãos citado no despacho sindicado.

Assim, ponderadas as razões elencadas no RAI com a negação dos factos, por parte dos arguidos, não podemos concluir com segurança, pela remessa dos autos para julgamento.

São indícios suficientes aqueles que relacionados e conjugados, persuadem o Juiz da culpabilidade do arguido, fazendo antever, com razoável grau de probabilidade a sua ulterior condenação.

Consideram-se suficientes os indícios sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de aos arguidos vier a ser aplicada por força deles e em julgamento uma pena ou medida de segurança - artº. 283º, nº 2 do C. P. Penal.

O direito penal rege-se por regras de certeza, só sendo possível imputar responsabilidade criminal a alguém quando esteja demonstrada, com grau de certeza razoável a sua responsabilidade criminal, o que entendemos não ser o caso dos presentes autos, sendo que o assistente podia ver a sua pretensão satisfeita por recurso a uma insolvência.

Existindo dúvidas sobre a actuação dos arguidos, não devem nunca tais dúvidas ser valoradas contra os primeiros, sendo certo que a alta probabilidade contida nos indícios recolhidos, a que atrás se fez referência, deve aferir-se no plano fáctico e não jurídico. E neste plano, “a falta de provas não pode, de modo algum, desfavorecer a posição do arguido: um “non liquet” na questão da prova...tem de ser sempre valorado a favor do arguido. É com este sentido e conteúdo que se afirme o princípio “in dubio pro reo.” - -Figueiredo Dias, “Direito Processual Penal”, 1º, 1974, pag. 214.

Assim, pelas razões enunciadas e porque não estão demonstrados os requisitos típicos, objectivos e subjectivos do crime referido no RAI, determino o oportuno arquivamento dos autos, dando como reproduzidas para todos os legais efeitos, quer as razões do despacho de arquivamento, quer as conclusões do Sr. Procurador, em sede de debate instrutório.

**** **Inconformada, veio a assistente sociedade "C…, Lda", interpor recurso desta decisão instrutória de não pronúncia, que entendeu não pronunciar os arguidos da prática de crime previsto e punido pelo artº 256º, nº1, al d), por considerar que não estão demonstrados os requisitos típicos objectivos e subjectivos do crime referido no RAI.

A recorrente pretende, agora, a revogação da decisão impugnada e a sua substituição por outra que pronuncie os arguidos D… e E…, pela prática de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo artigo 256°. nº 1. al. d), do C. Penal.

Assim, nesta decisão está em causa a Acta nº 4 da Assembleia Geral da sociedade comercial por quotas "B…, Lda", realizada em 21 de Dezembro de 2012 e na qual os seus únicos sócios, ora arguidos, D… e E… deliberaram a dissolução da sociedade e o encerramento da respectiva liquidação, por inexistência de activo e passivo.

Posteriormente, esta Acta foi apresentada na Conservatória do Registo Comercial de Espinho e aí requerido o registo da dissolução e encerramento da liquidação, efectuado em 28 de Dezembro de 2012.

Por isso, a questão suscitada desdobra-se, pois, em duas vertentes: - Saber se os factos indiciados preenchem o tipo de ilícito imputado aos arguidos e, na negativa, - Se tal (falta de tipicidade) é motivo de inadmissibilidade legal da instrução.

***O MP em 1ª Instância é de parecer que o recurso deve improceder.

Nesta Relação, o Sr. PGA emite douto parecer, cujo teor mais adiante falaremos, no sentido da procedência do recurso, pois considera não ser de afastar a existência do crime de falsificação de documento, devendo, consequentemente, julgar-se...

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