Acórdão nº 2039/14.0JAPRT-A.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 14 de Janeiro de 2015

Magistrado ResponsávelNETO DE MOURA
Data da Resolução14 de Janeiro de 2015
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo n.º 2039/14.0JAPRT-A.P1 Recurso penal (prisão preventiv

  1. Relator: Neto de Moura Acordam, em conferência, na 1.ª Secção (Criminal) do Tribunal da Relação do Porto I – Relatório No âmbito do processo comum, em fase de inquérito, que, sob o n.º 2039/14.0JAPRT, corre termos pelo DIAP do Ministério Público na Comarca do Porto, em que é co-arguido B…, devidamente identificado nos autos, na sequência da sua detenção e subsequente sujeição a primeiro interrogatório judicial de arguido detido, por decisão de 18.10.2014 (fls. 79 e segs. dos autos principais, fls. 32 e segs. destes autos), foi este sujeito a medida coactiva de prisão preventiva.

Desse despacho interpôs o arguido B… o presente recurso para este Tribunal da Relação, com os fundamentos explanados na respectiva motivação que condensou nas seguintes “conclusões” (em transcrição integral): A. O despacho em crise está ferido pelo conjunto dos vícios processuais descritos e explicitados na motivação para a qual remete expressamente nos diversos pontos em detalhe.

  1. É antes de mais nulo o despacho por falta de fundamentação legal quanto à apreciação dos factos de natureza objetiva e subjetiva que são claramente insuficientes para justificarem a privação da liberdade nesta fase.

  2. Tanto mais que até hoje não se conhece o resultado das perícias laboratoriais destinadas a comprovar o peso do aludido estupefaciente detetado, bem como o seu eventual grau de pureza (percentagem do princípio ativo).

  3. Mas também está ferido de ilegalidade por interpretação inconstitucional do conjunto dos factos relatados de natureza objetiva e subjetiva que originaram dois pesos e duas medidas, libertando os dois coarguidos e privando da liberdade o recorrente.

  4. O qual é primário, ao contrário dos outros coarguidos, alegadamente já muito conhecidos das autoridades, segundo o despacho.

  5. É ainda nulo o despacho por erro de apreciação quanto à matéria relativa aos pressupostos processuais e extra processuais que conduziram à aplicação da medida excepcional da prisão preventiva.

  6. Porque deu como verificados os diversos perigos que aventou através de meras presunções e considerações vagas e genéricas.

  7. E sobretudo em contradição intrínseca e flagrante quanto ao perigo de fuga, tanto é certo que o mesmo apenas foi verificado em concreto quanto a um dos outros dois coarguidos o qual, no dizer do despacho, foi o único que tentou escapar à detenção.

    1. Feriu assim o despacho os arts. 97.º, n.º 5; 163.º; 191.º; 193.º, 200.º, n.º 1, 204.º, n.º 2 do CPP; arts. 8.º, 18.º, n.º 2, 20.º, n.º 4 in fine; 22.º; 28.º, n.º2, 32.º, n.º2, 204.º e 205.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa.

  8. E por via disso violou os artigos 1.º e 6.º, n.º1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

    Pretende, assim, que, no provimento do recurso, seja o despacho recorrido declarado “ilegal, inconstitucional e nulo” e substituído por outro que que “ordene a reapreciação da sua situação cautelar, adoptando o tribunal uma medida de coacção actual, adequada e proporcional que acautele a boa administração da Justiça”.

    *Admitido o recurso (despacho a fls. 9) e notificado o Ministério Público, veio este apresentar resposta à respectiva motivação, que rematou com o seguinte quadro conclusivo (transcrição): 1. A droga apreendida ao arguido B… foi submetida a teste rápido e revelou tratar-se de cocaína, resultado confirmado pelo Laboratório de Polícia Científica.

    1. O teste rápido realizado aquando do primeiro interrogatório judicial do arguido B… era o suficiente e possível, sendo que o seu resultado já foi confirmado pelo exame laboratorial entretanto realizado no decurso deste inquérito.

    2. A atividade desenvolvida pelo arguido B… enquadra-se, ao que tudo indica, nos denominados "correios de droga'', isto é, pessoas encarregues de transportar quantidades apreciáveis de droga por conta de outrem a troco de remuneração.

    3. A jurisprudência dos nossos Tribunais superiores vem acentuando o facto de não se justificar um tratamento excessivamente benevolente deste tipo de condutas, atendendo ao papel essencial que representa na cadeia da circulação e disseminação da droga.

    4. Ao determinar que o arguido B… aguardasse os ulteriores termos do processo em prisão preventiva, o Mmo. Juiz de Instrução Criminal não violou qualquer princípio da igualdade, pois a situação do arguido B… é bem diferente dos outros dois coarguidos, pois era ele que transportava a droga e a quem a mesma foi apreendida. Aliás, ao usar o seu direito ao silêncio, o arguido B… não explicou a quem iria entregar a droga que transportou do Brasil para Portugal, sendo que, aquando da detenção, não a tinha entregue a nenhum dos outros dois co-arguidos.

    5. Face a esse silêncio do arguido B… desconhece-se a que atividade o mesmo se dedica no Brasil, qual a sua ligação à organização que o enviou a Portugal para transportar uma grande quantidade de cocaína, bem como qual a motivação para esse transporte, sendo perfeitamente legítimo supor que fosse para obter compensação económica, pelo que se conclui, em concreto, perigo de continuação da atividade criminosa.

    6. Face à gravidade do crime fortemente indiciado e cometido pelo arguido B…, à previsível pena em que virá a ser condenado e ao facto de residir no Brasil é muito provável que, caso estivesse em liberdade, regressasse a esse país e não mais viesse a Portugal, pelo que se verifica, também em concreto, o perigo de fuga.

    7. Os perigos mencionados no despacho recorrido existem, de facto, não se tratando, como refere o recorrente, de meras presunções e considerações vagas e genéricas, pelo que nos parece inteiramente justa, adequada e proporcional a medida de coação de prisão preventiva que foi aplicada ao arguido B…, não merecendo o despacho recorrido qualquer censura ou reparo”.

    *Ordenada a subida dos autos a esta Relação, e já nesta instância, na intervenção a que alude o n.º 1 do artigo 416.º do Cód. Proc. Penal, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto absteve-se de emitir parecer, uma vez que, se o fizesse, não seria possível respeitar o prazo previsto no artigo 219.º, n.º 1, do Código de Processo Penal[1].

    *Efectuado exame preliminar e colhidos os vistos, vieram os autos à conferência, cumprindo apreciar e decidir.

    *II - Fundamentação Como se sabe, é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação, onde sintetiza as razões do pedido, que se delimita o objecto do recurso e se fixam os limites do horizonte cognitivo do tribunal de recurso (cfr. artigos 412.º, n.º 1, e 417.º, n.º 3, do Cód. Proc. Penal e, entre outros, o acórdão do STJ de 27.05.2010, www.dgsi.pt/jstj)[2], sem prejuízo da apreciação das questões que são de conhecimento oficioso.

    O recorrente afirma que a decisão recorrida está ferida por “um conjunto de vícios processuais” (conclusão A)), mas em concretização desta alegação, apenas, aponta ao despacho o vício da nulidade “por falta de fundamentação legal quanto à apreciação dos factos de natureza objectiva e subjectiva” (conclusão B)) e “ilegalidade por interpretação inconstitucional do conjunto dos factos relatados de natureza objectiva e subjectiva que originaram dois pesos e duas medidas” (conclusão D)).

    O sistema português de fiscalização da constitucionalidade permite exercer um controlo de constitucionalidade de natureza estritamente normativa, ou seja, em sede de fiscalização concreta, os recursos interpostos de decisões dos tribunais só podem ter por objecto «interpretações» ou «critérios normativos» identificados com carácter de generalidade e por isso passíveis de aplicação a outras situações independentemente das particularidades do caso concreto.

    Está, assim, afastada a hipótese de apreciação da constitucionalidade de decisões.

    Por isso, quando o recorrente afirma que a decisão recorrida é ilegal porque nela se faz uma interpretação inconstitucional dos factos não está a suscitar uma questão de (in)constitucionalidade (normativa).

    O que parece ter querido dizer é que, na apreciação dos factos considerados indiciados e na interpretação e aplicação da lei a esses factos, o Sr. Juiz não respeitou o princípio da igualdade (decidiu com “dois pesos e duas medidas”), constitucionalmente consagrado.

    Estaríamos, então, perante um simples erro de direito, a apreciar quando nos detivermos sobre a adequação e proporcionalidade da medida coactiva aplicada.

    Assim, o objecto do recurso em apreciação centra-se nas seguintes questões: ● se o despacho recorrido é nulo por falta de fundamentação; ● se está verificada a condição da aplicação da prisão preventiva prevista no art.º 202.º, n.º 1, al. a), do Cód. Proc. Penal, ou seja, se há fortes indícios da prática, pelo recorrente, de um crime de tráfico de estupefacientes, na configuração matricial do art.º 21.º, n.º 1, do Dec. Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro; ● se ocorre algum dos requisitos gerais enunciados no artigo 204.º do Cód. Proc. Penal.

    ● se a medida coactiva aplicada é a adequada face às necessidades cautelares que se revelam no caso.

    *

  9. A alegada nulidade da decisão impugnada Qualquer acto decisório que não seja de mero expediente ou praticado no âmbito de um poder discricionário do juiz tem de ser devidamente fundamentado, com especificação dos motivos de facto e de direito da decisão, exigência que decorre do disposto no art.º 97.º, n.º 5, do Cód. Proc. Penal.

    As exigências do cumprimento desse dever e as consequências da falta ou insuficiência da fundamentação não são as mesmas para todos os actos decisórios: existe um regime geral (definido nos artigos 97.º e 118.º a 123.º do Cód. Proc. Penal) e regimes específicos para as sentenças (artigos 374.º e 379.º) e para os despachos que aplicam medidas de coacção (artigo 194.º do mesmo compêndio normativo).

    O regime geral das invalidades em processo penal é dominado pelo princípio da legalidade ou tipicidade das nulidades: só se consideram nulos os actos que, sendo praticados com violação ou inobservância da lei, esta expressamente comine essa consequência (artigo...

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