Acórdão nº 150/14.6JAPRT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 04 de Março de 2015

Magistrado ResponsávelRAUL ESTEVES
Data da Resolução04 de Março de 2015
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Acordam em Conferência os Juízes que integram o Tribunal da Relação do Porto 1 Relatório.

Nos autos nº 150/14.6JAPRT.P1 que correram os seus termos no 2º Juízo Criminal do Tribunal de Vila do Conde, Comarca do Porto, foi proferido acórdão que decidiu: a) condenar o arguido B… pela prática, em co-autoria material, de um crime de tráfico agravado de substâncias estupefacientes previsto e punido pelas disposições conjugadas dos arts. 21º, nº 1, e 24º, als. d) e h), do Dec. Lei 15/93, de 22/01, na pena de seis anos de prisão; b) condenar o arguido C…, pela prática, em co-autoria material, de um crime de tráfico agravado de substâncias estupefacientes previsto e punido pelas disposições conjugadas dos arts. 21º, nº 1, e 24º, al. h), do Dec. Lei 15/93, de 22/01, na pena de oito anos de prisão; Não conformados, vieram os arguidos recorrer, tendo o arguido C… alegado o que consta de fls. 949 e seguintes dos autos, concluindo nos seguintes termos: Conclusões do recorrente C… 1.

Foi o recorrente condenado, como co-autor material, pela prática de um crime de tráfico agravado de substâncias estupefacientes, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 21.º, n.º 1 e 24, alínea h), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22/01, na pena de oito anos de prisão.

  1. Na verdade, não se podendo conformar com o douto Acórdão, vem o ora Recorrente dele recorrer, quer relativamente à matéria de facto dada como provada, quer relativamente à pena aplicada decorrente da primeira.

  2. Entende o Recorrente que o Tribunal recorrido incorreu em erro na apreciação da prova, pelo que, o douto Acórdão não traduz uma opção justa, em sede de apreciação e valoração de prova, dando-se por provado o que não poderia ter sido, tornando-se imperioso a reapreciação da matéria de facto dada como provada.

  3. Resumidamente, errou o Tribunal a quo ao dar como provada a factualidade constante dos pontos 2.º, 3.º, 4.º, 10.º, 12.º, 13.º e 14.º do douto Acórdão recorrido.

  4. Atentos os elementos probatórios reunidos nos autos, estes não se mostram suficientes para dar como provados os factos supra indicados e sustentar a condenação, pelo que deveria o Arguido C… ter sido absolvido, com todas as consequências e efeitos.

  5. O Tribunal recorrido refere que, para formar a sua convicção relativamente à factualidade que foi dada como provada, baseou-se, essencialmente, “...na apreciação crítica do conjunto da prova produzida em audiência de julgamento...”, nomeadamente, considerou “...o que resultou da conjugação, apreciada à luz das regras normais da experiência comum relacionadas com o tipo de factos em causa nos autos, no âmbito do princípio da livre apreciação da prova consagrado no art. 127.º do C.P.P., das declarações do arguido B… ...”, com os depoimentos das Testemunhas D…, E…, F…, G… e H….

  6. E, no que tange à participação do Recorrente nos factos em apreço, formou a sua convicção, essencialmente, nas declarações do co-arguido B…, qualificando-as como o “...elemento aglutinador e fundamental de todos os restantes restantes elementos de prova produzidos...”.

  7. Ora, face à prova produzida, no seu conjunto, aquilo que o Tribunal a quo fez foi, salvo o devido respeito, criar uma versão dos factos alicerçada unicamente nas declarações do co-Arguido B…, que não correspondem à realidade.

  8. A prova produzida, no que respeita ao aqui Recorrente, não permitia de forma alguma que o Tribunal a quo tivesse chegado a grande parte das conclusões a que chegou e, muito menos dar como provados, factos sobre os quais a prova produzida não foi feita ou impunha precisamente uma resposta de sentido contrário.

  9. Não obstante o princípio da livre apreciação da prova, não foi esta corroborada por nenhum outro elemento probatório. Além das declarações do co-arguido B…, não existem testemunhas, nem tão pouco prova directa e suficiente dos factos descritos na douta Acusação Pública ou, no mínimo, prova para além de qualquer dúvida razoável, sendo pois, a prova produzida nos autos manifestamente insuficiente para condenar o Arguido recorrente.

  10. Neste sentido, a doutrina e a jurisprudência maioritária exigem que a sentença não alicerce os factos provados exclusivamente nas declarações de um co-arguido contra o outro co-arguido. É sempre necessária uma corroboração probatória das declarações de co-arguido contra outro co-arguido, sob pena da credibilidade dessas declarações serem consideradas nulas (vide Acórdão do STJ de 12/07/06, in CJACSTJ, XIV, t.II, página 241).

  11. A apreciação do valor probatório destas declarações exige especiais cautelas, pois o declarante pode agir impulsionado por interesse em se auto-exculpar mediante a incriminação do co-arguido, ou outras circunstâncias, nomeadamente, obter um tratamento judicial favorável, que irá afectar irremediavelmente a sua isenção e crédito.

  12. No caso em apreço, é notório o interesse do arguido B…, nas suas declarações, ainda que sob a aparência de uma pseudo contribuição para a descoberta da verdade, em incriminar o ora Recorrente, através da sua auto-exculpação.

  13. Desde logo, afirma inúmeras vezes que, à data dos factos, tinha um grave problema de alcoolismo, [problema este que não se provou, como resulta do ponto p) dos factos não provados], imputando responsabilidades ao Arguido C…, referindo que foi por este o aliciou e, que criou com ele dependência para a satisfação do seu vício tendo praticado actos de forma inconsciente, como se verifica pelas suas declarações, gravadas em CD, datadas de 07/10/2014, ao minuto 00:54 a 01:30, e ao minuto 08:39 a 09:07.

  14. Chega a fazer insinuações e levantar suspeitas quanto ao arguido C…, nomeadamente, de este teria alegadamente ameaçado o seu filho, falando-lhe de ter visto fotos dele, mais uma vez numa atitude incriminatória para com o Arguido C…, e de que teria informado o Chefe dos Guardas, a Testemunha D…, como se pode observar das suas declarações, datadas 07/10/2014, ao minuto 09:09 a 09:30, e ao minuto 38:39 a minuto 41:07.

  15. No entanto, confrontada a Testemunha D…, pelo Digno Magistrado do Ministério Público, relativamente à alegada intimidação, este nega que lhe tivesse dado conhecimento, como resulta, do seu depoimento (gravado em CD, datado de 07/10/2014, ao minuto 11:11 a 13:16), referindo que “...

    não. Do filho não falou.”, crescentando ainda que, o Arguido B… lhe havia relatado uma situação de ameaças, mas relativamente à companheira com quem vivia e que, nessa situação estaria envolvido um outro recluso que não o Arguido C….

  16. Tais declarações por parte do Arguido B…, ainda que possam não estar directamente ligadas ao factos provados, demonstram claramente a sua tentativa de desresponsabilização e, consequentemente, a falta de credibilidade das mesmas, pelo que, não podem, por si só, serem utilizadas para fundamentar a condenação do Arguido C… pelo crime de tráfico de estupefacientes agravado.

  17. Acresce que, nas declarações do co-arguido B…, existem ainda contradições/incongruências que não podem passar despercebidas aos olhos do julgador e que descredibilizam essas mesmas declarações.

  18. Desde logo, o facto de o Arguido B… ter alegado que desconhecia ou que se tivesse apercebido que os embrulhos que transportava eram produtos estupefacientes, o que não é plausível, uma vez tem a profissão de guarda prisional, com 14 anos de exercício de funções, sendo normal, no âmbito de buscas, nomeadamente, às celas de reclusos, que já tivesse visto produto estupefaciente embrulhado daquela forma (declarações datadas de 07/10/2014, ao minuto 27:51 a 28:15).

  19. Outra, que vem nesta sequência, resulta da conduta adoptada pelo Arguido B…, no momento em que é detido e nos momentos que antecedem a sua detenção, em que se desmarca dos embrulhos, apesar de afirmar que desconhecia, ou que não se apercebeu que estes continham produto estupefaciente (declarações de 07/10/2014, ao minuto 15:22 a 17:03).

  20. Ora, o julgador, nas declarações dos arguidos, deverá estar especialmente atento à forma como estas são prestadas, pelo que se impunha ao Tribunal a quo que prestasse uma especial atenção a estas contradições/incongruências que, mesmo que nada tivessem a ver com os concretos factos relatados, devem servir para aferir da veracidade, da isenção e da credibilidade das declarações do Arguido B….

  21. Apesar das debilidades das declarações do Arguido B… supra enunciadas, a parte essencial da prova destes autos, no que ao Arguido C… respeita, assenta nas declarações do co-arguido B…. No entanto, tirando estas, mais ninguém viu ou assistiu fosse ao que fosse.

  22. Por conseguinte, estas declarações não podem servir, por si só, e segundo as regras da experiência comum para dar como assente a matéria constante dos pontos 2.º, 3.º, 4.º, 10.º, 12.º, 13.º e 14.º dos factos provados, impondo-se, pelo contrário que, em face da sua debilidade, esses mesmos factos sejam antes considerados como não provados, por falta de prova que os corrobore e, em consequência que o Arguido C… terá de ser absolvido da prática do crime de tráfico de estupefacientes agravado que lhe é imputado.

  23. Errou, assim, o Tribunal a quo na apreciação que fez das declarações prestadas pelo co-arguido B…, ao considerá-las credíveis, no que ao Arguido C… respeita, violando desta forma, entre outros, o artigo 127.º do Código de Processo Penal (princípio da livre apreciação da prova).

  24. Entendeu ainda o Tribunal a quo, relativamente à participação do Recorrente nos factos aqui em causa, que as declarações do Arguido B… foram ainda corroboradas por outros elementos objectivos, nomeadamente, pelos depoimentos das Testemunhas D… e H…, pelo facto de o Arguido C… fazer desporto, tendo, de forma visível, a musculatura trabalhada, sendo normal que para o efeito utilizasse substâncias para aumentar a “performance”, como a cafeína que existia no quarto embrulho que foi encontrado, e por último, de forma sucinta, pela circunstância de o arguido B… ter na agenda do telemóvel um número de telefone associado ao nome “C1…”, corroborando as explicações que aquele deu...

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