Acórdão nº 589/11.9TVPRT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 26 de Março de 2015

Magistrado ResponsávelJOS
Data da Resolução26 de Março de 2015
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Apelação nº589/11.9TVPRT.P1 – 3.ª Relator: José Fernando Cardoso Amaral (nº 206) Des. Dr. Trajano Amador Seabra Teles de Menezes e Melo (1º Adjunto) Des. Dr. Mário Manuel Batista Fernandes (2º Adjunto) Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto: I. RELATÓRIO Drª B…, Juíza de Direito, instaurou, em 14-07-2011, contra Dr. C…, Advogado, acção declarativa ordinária.

Nela pediu a condenação deste a pagar-lhe indemnização no valor de 500.000,00€ (e juros).

Invocou como causa de pedir: prática de actos ilícitos e culposos causadores de danos e geradores de responsabilidade civil.

Do quadro fáctico que, como fundamento da sua pretensão, alegou, resulta em síntese, o seguinte: Após a leitura de decisão penal condenatória que elaborou e proferiu como Juíza do Tribunal de Felgueiras, o réu, presente na qualidade de mandatário de dois dos arguidos, no quadro do seu propósito e atitude de ofender a pessoa da autora, promovendo para tal a difusão de excertos da sentença e a instauração de acções judiciais contra ela, disse, referindo-se ao teor da sentença: “daqui a cinco minutos, isto está na D…”, declaração que concretizou. “Assim”, no dia imediato, vários meios de comunicação social publicaram, como notícia principal ou destacada, a manchete “Juíza de Felgueiras diz que ciganos são marginais e traiçoeiros”, no seu conteúdo fazendo menções ou incluindo mesmo extractos colhidos daquela como referentes não aos condenados mas à comunidade cigana em geral e por si de sentido desprimoroso. Tais notícias continuaram no dia seguinte e atribuíam à autora as “considerações polémicas” sobre a etnia cigana. Nelas, quase sempre se apontava, como fonte, a D…. Todas referem declarações do réu fazendo considerações sobre a sentença e o referido tema. O réu prestou declarações também à E… sobre o conteúdo das notícias. A publicação delas deu origem a vários artigos e comentários em que o nome, a honra e a imagem da autora, como cidadã e juíza, foram insultados e ultrajados.

Tais notícias eram infundadas e assentavam em excertos descontextualizados que, apesar de fazerem parte do teor da sentença, resultavam dos meios de prova produzidos (testemunhas e documentos). A falta de veracidade e o erro induzido pelo réu com as suas declarações gerou, além de rectificações (caso da própria D…), também comentários de apreço àquela.

Não obstante, dois dos arguidos nela condenados, patrocinados pelo réu, apresentaram uma queixa-crime no Ministério Público contra a autora pela prática de crimes de difamação e de discriminação racial e, embora arquivada, o réu entendeu, ainda, apresentar acusação particular, subscrevendo-a, consubstanciada nos mesmos excertos e passagens da sentença que a comunicação social, de forma descontextualizada, utilizara.

Nesta sequência, um jornal publicou notícia de que “ciganos processam juíza por sentença difamatória”, onde o réu aparece como protagonista, referindo declarações suas.

O réu tem vindo a usar tal processo para intimidar a autora e a afastar daqueles em que ele intervém como mandatário e, quando se cruza com a autora noutros processos, formula pedidos de recusa também com os mesmos fundamentos. A pretexto do mesmo, em artigo jornalístico, o réu qualificou a autora de “racista e xenófoba”.

Quando a referida sentença foi parcialmente anulada pela Relação (por outras razões alheias ao referido tipo de expressões nela usadas pela autora), o réu, em declarações registadas e transmitidas em três canais de televisão, congratulou-se com a decisão e afirmou que ela seria obrigada “a expurgar as expressões racistas”.

Tais declarações do réu, pensa a autora, visavam manipular a comunicação social e, consequentemente, a opinião pública, sobre a sua personalidade, o que gerou a emissão de um comunicado pela F….

As notícias reprodutoras de excertos descontextualizados da sentença tiveram origem nas declarações do réu à D… e foram por este comentadas, confirmadas e enfatizadas como reportando expressões proferidas pela demandante, contribuindo assim para a falsa veracidade delas, apesar de ele saber que não correspondiam à realidade constante da sentença nem eram de sua autoria.

O réu agiu deliberadamente e com a intenção de ofender o nome, imagem, honra e dignidade da magistrada autora, de tal actuação propositada resultando para esta os efeitos lesivos na sua esfera pessoal e na da sua vida familiar, social e profissional que descreve, consubstanciadores de um dano de que pretende ser indemnizada.

Uma vez citado, o réu apresentou contestação (fls. 340 a 354), na qual, sobretudo, se defendeu por impugnação. Acrescentou que, embora tenha, como defensor dos arguidos, assistido à leitura da sentença, não proferiu a afirmação imputada (relativa à D…), nada comunicou a tal D… e não teve qualquer participação na autoria e teor das notícias. É verdade que proferiu as afirmações que nestas lhe são imputadas e à E…, mas só depois de aquelas terem sido publicadas e após contacto dos respectivos órgãos a pedir-lhe que as comentasse. Não teve também qualquer participação na autoria e teor dos comentários na blogosfera nem nas declarações púbicas das entidades referidas na petição. Mantém aquelas afirmações porque, cotejando proposições constantes do texto da sentença com as declarações orais produzidas na audiência que se encontram gravadas e cuja transcrição apresenta (e cita), verifica-se que os declarantes não disseram o que aquelas referem como tal, pelo que só podem ser da autoria da demandante. O mesmo sucede quanto a afirmações relativas aos arguidos, que não resultam de depoimentos testemunhais nem de documentos juntos.

Confirma que patrocinou os queixosos como advogado no processo-crime instaurado contra a autora por vontade deles e por se sentirem ofendidos.

Além de não entender, face aos documentos respectivos, o alegado uso do incidente de recusa, considera falsas as alegadas declarações a propósito da queixa e da anulação da sentença pelo Tribunal da Relação de Guimarães.

Desconhece, enfim, os factos alusivos aos danos, que, a terem ocorrido, não foram por si provocados, e refuta algumas as afirmações feitas na petição.

Em réplica (fls. 639 a 645), a autora sustentou que as transcrições destacadas pelo réu são parciais e não permitem conhecer o juízo e a avaliação dos factos que fez na sentença penal, percutindo que apenas se serviu dos elementos do processo e se limitou a, com a liberdade que lhe é permitida ao fazer o respectivo exame crítico, sobre eles ajuizar no exercício da sua função, tarefa que se não limita à mera reprodução mecânica dos depoimentos ouvidos. Ao assumir como suas as declarações referidas pelas notícias, designadamente as prestadas à E…, o réu contribuiu para a respectiva publicação e para os comentários e intervenções surgidos. Refuta as intenções e comportamento que, em relação à sua pessoa, ele lhe atribui na contestação.

Após saneador, foi seleccionada a matéria de facto considerada relevante, já assente e controvertida – acto de que reclamou o réu, com parcial deferimento.

Realizada a audiência de julgamento, foi, em 28-04-2014, proferida sentença (fls. 1927 a 1963) que culminou na decisão de julgar “parcialmente procedente o pedido formulado pela Autora…, condenando o Réu … a pagar-lhe a quantia de €16.000,00 (dezasseis mil euros), acrescida de juros de mora…; parcialmente improcedente o pedido formulado pela Autora, absolvendo o Réu da sua parte restante.” O réu não se conformou e interpôs recurso para esta Relação, concluindo assim as suas alegações: “C) DAS CONCLUSÕES C1) MATÉRIA DE FACTO 1ª) A matéria julgada provada constante do ponto 15. dos factos provados é claramente conclusiva, pelo que deve ser considerada não escrita (artigo 607º nº 3 do Código de Processo Civil).

  1. ) A matéria julgada provada constante do ponto 16. dos factos provados é, também, claramente conclusiva, para além de ser vaga e imprecisa, pelo que, de igual modo, deve ser considerada não escrita (artigo 607º nº 3 do Código de Processo Civil).

  2. ) Esta ambiguidade e obscuridade da sentença torna-a ininteligível e, nessa medida, nula, o que deve ser decretado por este tribunal (artigo 615º nº 1 alínea c) do Código de Processo Civil).

  3. ) A A. referiu o seguinte na sentença mencionada em 2. dos factos provados (doc. nº 1 junto aos autos com a contestação): - Fls. 12 – Relativamente ao arguido G…, “As condições habitacionais são fracas (…) pelo estilo de vida da sua etnia (pouca higiene (…)”; - Fls. 27 – Relativamente aos arguidos de etnia cigana, “(…) são pessoas malvistas socialmente, marginais, traiçoeiras, integralmente subsídio-dependentes de um Estado (ao nível do RSI, da habitação social e dos subsídios às extensas proles) e a quem “pagam” desobedecendo e atentando contra a integridade física e moral dos seus agentes e obstaculizando às suas acções em prol da ordem, sossego e tranquilidade públicas”.

    Estes excertos da sentença não resultam do depoimento de qualquer testemunha, nem de documento que se encontrasse junto aos autos.

  4. ) Do relatório social apresentado naquele outro processo, elaborado pela Direcção Geral de Reinserção Social – Ministério da Justiça, relativamente ao arguido G…, consta o seguinte (cfr. doc. nº 3 junto aos autos com a contestação): - “A adaptação ao bairro social para o próprio não foi fácil, apesar de vir beneficiando de uma imagem favorável em termos de inserção social”; - “Na educação dos filhos a escolaridade vem sendo valorizada, bem como a higienização, para o que vem contribuindo o acompanhamento da Segurança Social”; e - “As condições habitacionais são exíguas (…) que se prende não tanto com o espaço, mas com o estilo de vida da etnia cigana, que avalia como colidindo por vezes com as normas convencionadas na cultura dominante”.

    A sentença recorrida refere que os excertos em causa resultam da percepção colhida pela Autora durante a prova produzida em julgamento.

    O relatório social refere, relativamente ao arguido G…, que “Na educação dos filhos...

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