Acórdão nº 2690/12.2TAGDM.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 11 de Março de 2015

Magistrado ResponsávelELSA PAIX
Data da Resolução11 de Março de 2015
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Proc. nº 2690/12.2TAGDM.P1 2º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Gondomar Acordam, em Conferência, as Juízas desta 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto: I – Relatório Nos autos de instrução nº 2690/12.2TAGDM do 2º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Gondomar em que são arguidos B…, C… e D… foi indeferida a audição destes dois últimos co-arguidos, na qualidade de testemunhas, por despacho proferido em 11 de Dezembro de 2013, com o seguinte teor: “Decorre do disposto na alínea a), do n.º 1, do artigo 133.º do Código de Processo Penal que “Estão impedidos de depor como testemunhas: O arguido e os coarguidos no mesmo processo ou em processos conexos, enquanto mantiverem aquela qualidade; (…)”. --- Resulta deste preceito que não pode depor como testemunha a pessoa que no processo foi constituída como arguida, quer quanto a factos que lhe são imputados a si em exclusivo, quer quanto a factos que são imputados a si e aos seus coarguidos, o mesmo acontecendo relativamente a processos conexos. --- O que visa este preceito é a proteção do próprio arguido, como tal constituído, que assim fica excluído da obrigação de depor como testemunha se como tal for indicado, e liberto ainda dos deveres de prestação de depoimento e de o fazer com verdade sob pena de ser sancionado criminalmente. --- “A justificação do impedimento de o coarguido depor como testemunha tem como fundamento essencial uma ideia de proteção do próprio arguido, como decorrência da vertente negativa da liberdade de declaração e depoimento (…) e que se traduz no brocardo latino nemo tenetuse ipsum accusare, o também chamado privilégio contra a autoincriminação (cfr., neste sentido, Costa Andrade, Sobre as Proibições de prova em Processo Penal, Coimbra Editora, pág. 21, e Ac. do TC. n.º 30472004, de 5 de Maio, acessível in www. tribunal constitucional.pt”). --- Do exposto, resulta que um arguido não pode depor como testemunha, todavia se consentir em depor nessa qualidade, será que se deverá ouvi-lo nessa qualidade? --- Pensamos, sempre com o devido respeito por opinião diversa, que não. Com efeito, depor como testemunha ou como arguido não contende com o apuramento da verdade material, dado que tanto numa qualidade, como noutra o sujeito em causa sempre poderá oferecer a sua versão verdadeira dos factos. Todavia, sendo arguido, não pode o Tribunal, deixar de ter em consideração o estatuto processual do sujeito em causa, com os inerentes deveres e direitos. Note-se que a violação da proibição em causa tem o efeito da nulidade das provas obtidas. --- Assim, indefere-se a audição dos coarguidos, C… e D…, na qualidade de testemunhas. --- Notifique, inclusive, pessoalmente os arguidos em causa para, no prazo de 10 dias, esclarecerem se pretendem prestar declarações enquanto arguidos.”***RECURSO INTERLOCUTÓRIO Inconformado, com o despacho que indeferiu a audição dos co-arguidos na qualidade de testemunhas, o arguido C… interpôs recurso, apresentando a competente motivação, que rematou com as seguintes conclusões: A - Ao proferir o despacho de que ora se recorre, esqueceu-se o tribunal a quo que, além de co-arguido, o recorrente é também assistente nos presentes autos, assistindo-lhe, enquanto ofendido, direitos, que ficaram precludidos pela não inquirição da co-arguida D… enquanto testemunha.

B - Fundamenta-se o douto despacho recorrido no disposto na alínea a), do n.º 1, do artigo 133.º do C. P. Penal, sendo que resulta deste preceito que não pode depor como testemunha a pessoa que no processo foi constituída como arguida, quer quanto a factos que lhe são imputados a si em exclusivo, quer quanto a factos que são imputados a si e aos seus co-arguidos, o mesmo acontecendo relativamente a processos conexos, visando-se, desta forma, a protecção do próprio arguido, como tal constituído, que assim fica excluído da obrigação de depor como testemunha se como tal for indicado, e liberto ainda dos deveres de prestação de depoimento e de o fazer com verdade sob pena de ser sancionado criminalmente.

C - Sucede que, além de arguido nos presentes autos, o ora recorrente é também OFENDIDO, ou seja, é o titular dos interesses que a lei especialmente visou proteger com a incriminação, pelo que, também nesta qualidade lhe assistem direitos, D - direitos esses que não são menos importantes que os direitos do arguido! Pelo que, não pode o tribunal permitir que os direitos do arguido se sobreponham aos direitos do ofendido, como acontece em consequência do despacho recorrido, violando não só o art. 32.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa CUJOS DIREITOS NÃO PODEM SER MENORIZADOS E SÃO ABRANGIDOS POR ESSA DISPOSIÇÃO CONSTITUCIONAL, como os artigos 1.º (na medida em que defende a dignidade da pessoa humana), 9.º, al. b) e 18.º da CRP.

E - Mais: tendo-se constituído assistente, o ora recorrente assumiu a posição de colaborador do Ministério Público, a cuja actividade subordina a sua intervenção no processo, competindo-lhe, nomeadamente, intervir no inquérito e instrução, oferecendo provas e requerendo as diligências que se afigurem necessárias à descoberta da verdade.

F - Ora, foi exactamente isso que o aqui recorrente e a co-arguida D… fizeram: indicaram como testemunhas em sede de requerimento de abertura de instrução as pessoas que se encontravam presentes aquando dos acontecimentos em causa nos autos, pois só elas poderão relatar, com verdade, os acontecimentos que lhes deram origem, G - Só assim ficando asseguradas todas as garantias de defesa dos direitos das vítimas, previstas no artigo 32.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa.

H - Note-se que bastaria a um arguido que praticou um crime, inventar um outro crime praticado pelo ofendido ou por uma testemunha presente no local dos factos para impedir que o ofendido ou a testemunha fossem ouvidos na qualidade de testemunhas nos autos, como sucedeu neste caso.

I - Ao indicar como testemunha a co-arguida D…, o ora recorrente visou o apuramento da verdade material, visou, assim, que esta, inquirida sobre os factos em causa, os relatasse sob juramento, respondendo com verdade às perguntas que lhe fossem dirigidas, sob pena de prestar falso testemunho, podendo, desta forma, ser criminalmente responsabilizada, ao abrigo dos arts. 132.º, n.º 1, al. a), 132.º, n.º 2 e 360.º, todos do C. Penal.

J - Não se trata aqui de protecção do próprio arguido, como tal constituído, nem está em causa o privilégio contra a auto-incriminação, uma vez que a co-arguida D… iria testemunhar sobre os factos respeitantes ao ora recorrente e não quanto aos factos respeitantes à acusação pública contra si deduzida, tanto mais que, se assim fosse, sempre poderia fazer uso da faculdade que lhe é concedida pelo n.º 2 do art. 132.º do C.P., recusando-se a responder a perguntas de cujas respostas resultasse a sua responsabilização penal.

K - Nem se diga que, por ser co-arguida, as suas declarações possuem uma diminuída credibilidade em face da impossibilidade de prestar juramento e do direito ao silêncio que lhe assistem nessa qualidade, já que, não era nessa qualidade que D… iria ser ouvida e em último caso, tal problema não se coloca havendo separação de processos, o que o tribunal a quo deveria ter providenciado.

L - De facto, dispõe o n.º 2 do art. 133.º do C.P.P. que em caso de separação de processos, os arguidos de um mesmo crime ou de um crime conexo podem depor como testemunhas, se nisso expressamente consentirem.

M - Ora, ainda que se entendesse que a co-arguida D… não poderá depor como testemunha quanto aos factos respeitantes ao co-arguido C…, o que não se concebe pelos motivos já expostos, sempre estaria assegurada esta possibilidade, ao abrigo do n.º 2 do artigo 133.º do C.P.

N - Pelo que, nos termos da al. a) do n.º 1 do art. 30.º do C.P.P., oficiosamente, deveria o tribunal a quo ter cessado a conexão de processos por existir na separação um interesse ponderoso e atendível dos co-arguidos C… e D….

O - A proibição constante da al. a) do n.º 1 do art. 133.º do C.P.P., entendida com o alcance contido no despacho de que ora se recorre, tornou-se um "meio de defesa" ao alcance de arguidos que, desta forma, evitam o depoimento de testemunhas essenciais para a descoberta material.

P - Assiste-se, desta forma, a uma instrumentalização da disposição contida naquele preceito, cuja aplicação correcta e coerente cabe aos tribunais.

Q - Assim, por todo o exposto, é inconstitucional a norma do artigo 133.º, n.º 1, al. a) do C.P. Penal, na medida em que impede os co-arguidos de deporem no mesmo processo como testemunhas por violação do referido artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa.

R - Ao decidir como decidiu, violou o tribunal a quo o art. 32.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa e os arts. 30.º e 133.º, n.º 1, al. a) n.º 2, todos do C.P.P.

Nestes termos e nos demais de direito que V. Exas. douta mente suprirão, deve ser revogado o despacho recorrido e substituído por outro que determine a inquirição dos co-arguidos C… e D… na qualidade de testemunhas nos presentes autos.

Assim decidindo farão V. Exas. inteira e sã justiça.

***Após despacho final do inquérito proferido pelo Ministério Público a fls. 126 e segs., o assistente/arguido C… apresentou o requerimento de fls. 248 e segs., no qual pede a abertura de instrução, por discordar do referido despacho final.

Na sequência do despacho de acusação proferido pelo Ministério Público, veio a arguida D… apresentar o requerimento de fls. 273 e segs., no qual pede a abertura da instrução por discordar do referido despacho.

A final, por despacho de 13.06.2014, pela Senhora Juiz de Instrução foi decidido: “Nestes termos, tendo em atenção tudo quanto acabamos de deixar dito e sem necessidade de ulteriores considerações, decide-se: - Não dar provimento aos requerimentos de abertura da instrução de C… e D… e, em consequência, não pronunciar o arguido, B…, pela prática de um crime de ameaça agravado, previsto e punido pelos artigos 153.º, n.º 1...

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