Acórdão nº 9455/09.7TBMAI.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 02 de Março de 2015

Magistrado ResponsávelCAIMOTO J
Data da Resolução02 de Março de 2015
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Proc. nº 9455/09.7TBMAI.P1 - APELAÇÃO Relator: Desem. Caimoto Jácome(1514) Adjuntos: Desem. Macedo Domingues Desem. Oliveira Abreu ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO 1-RELATÓRIO B…, com os sinais dos autos, intentou a presente acção declarativa de condenação, com processo comum sumário, contra C…, com os sinais dos autos, pedindo: a) Seja resolvido o contrato nos termos do artigo 12º da Lei de Defesa do Consumidor (Lei 24/96 de 31 de Julho) e artigo 4º do Regime da venda de bens de consumo (DL 67/2003 de 8 de Abril), devendo o Réu ser condenado a restituir ao Autor o preço pago por este e a pagar uma indemnização por todos os danos patrimoniais causados a liquidar em execução de sentença, bem como uma indemnização por danos não patrimoniais nunca inferior a € 3.000,00, custas e condigna procuradoria; b) Ou, subsidiariamente, e caso assim não se entenda, ser substituída a viatura objecto dos presentes autos nos termos do disposto no artigo 12º da lei de Defesa do Consumidor, por outra de iguais características, com quilometragem nunca superior a 115.000 kms e a pagar uma indemnização por todos os danos patrimoniais causados a liquidar em execução de sentença, bem como uma indemnização por danos não patrimoniais nunca inferior a €3000,00, custas e condigna procuradoria; c) Em alternativa, ser anulado o contrato nos termos do artigo 913º do Código Civil, devendo o Réu ser condenado a restituir ao Autor o preço pago por este e a pagar uma indemnização por todos os danos patrimoniais causados a liquidar em execução de sentença, bem como uma indemnização por danos não patrimoniais nunca inferior a €3000,00, custas e condigna procuradoria; d) Em alternativa, ser anulado o contrato por dolo nos termos do artigo 253º, nº1 do Código Civil, devendo o Réu ser condenado a restituir ao Autor o preço pago por este e a pagar uma indemnização por “culpa in contraendo” a liquidar em execução de sentença, por ter dado origem à invalidade, com o seu comportamento contrário às regras da boa fé, desde os preliminares até à conclusão do negócio, bem como uma indemnização por danos não patrimoniais nunca inferior a €3000,00, custas e condigna procuradoria; e) Em alternativa, ser anulado o contrato por erro-vício nos termos do artigo 252º do Código Civil, devendo o Réu ser condenado a restituir ao Autor o preço pago por este e a pagar uma indemnização por todos os danos patrimoniais causados a liquidar em execução de sentença, bem como uma indemnização por danos não patrimoniais nunca inferior a € 3.000,00, custas e condigna procuradoria; f) Ser declarado nulo o contrato por abuso de direito nos termos do artigo 334º do Código Civil, devendo o Réu ser condenado a restituir ao Autor o preço pago por este e a pagar uma indemnização por todos os danos patrimoniais causados a liquidar em execução de sentença, bem como uma indemnização por danos não patrimoniais nunca inferior a €3000,00, custas e condigna procuradoria.

Alegou, em síntese, que comprou ao Réu, no seu stand, um veículo de marca Audi, pelo valor de € 18.750,00, veículo esse que não tinha as qualidades e características asseguradas pelo vendedor, designadamente tinha mais quilómetros do que aqueles que marcava. Se o Autor tivesse conhecimento da real quilometragem do veículo não o teria comprado. O veículo padece ainda de diversas anomalias que o impedem de funcionar. Para o seu pagamento o Autor contraiu um empréstimo que continua a pagar.

Citado, o Réu contestou, alegando que correspondente à verdade que vendeu o veículo ao Autor mas que tudo o resto alegado por este é falso.

Mais alegou que o veículo vendido ao Autor tinha sido comprado na Alemanha, já usado e que antes do Autor o adquirir já havia sido adquirido por outros compradores, não apresentando quaisquer problemas ou anomalias, sendo aliás, objecto de diversas inspecções periódicas que não detectaram nenhum problema.

**Saneado, condensado e instruído o processo, procedeu-se à audiência de discussão e julgamento.

Após julgamento, foi proferida sentença, na qual se decidiu (dispositivo): “Nos termos e pelos fundamentos expostos, decide-se julgar a presente acção improcedente, por não provada e, em consequência, absolve-se o Réu dos pedidos contra si formulados.

Custas pelo autor.”.

**Inconformado, o autor apelou, tendo, na respectiva alegação, formulado as seguintes conclusões: A- DA IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO: I. Sra. Dra. Juiz decidiu de forma imotivada, arbitraria, injusta, sem qualquer suporte probatório para além das declarações do autor em depoimento de parte, sendo certo que não se verifiquem também os requisitos dos artigos 251 ou 254 do C.CIV., como resulta dos seus artigos 905 e 913.” Existem os dados objetivos que se apontam na motivação violando os princípios para a aquisição desses dados objetivos.

  1. Houve manifesto erro de valoração do depoimento de parte do autor, e por conseguinte ERRO DE JULGAMENTO QUANTO Á MATERIA DE FACTO, uma vez que: 1. Os quesitos 19º a 27º da base instrutória, dizem respeito a factos alegados pelo réu, que não eram do conhecimento do autor não tendo este obrigação de os conhecer, e como tal não passíveis de confissão por parte do mesmo, sendo certo que cabia ao réu o ónus de prova.

    Pelo que, o depoimento realizado nestes termos, traduz-se num uso indevido desse meio de prova, por falta de correspondência funcional e teleológica entre o meio processual e o objeto do meio de prova fixado na lei; 2. Acresce, que, extravasando o objeto do depoimento de parte a Exma. Sra. Dra. Juíza, à revelia daquilo que a lei lhe impunha, considerou as declarações do autor em depoimento de parte, para de forma singela e infundada, dar como não provados nomeadamente os quesitos 9º a 15º da base instrutória, quando se impunha a sua não valoração por, na verdade, ser absolutamente vazio de qualquer força probatória, na ausência de quaisquer outros meios de prova que o corrobore, considerando-se a livre apreciação nos termos do art.º 361º do CC.

    1. Mais se demonstra como pouco imparcial, insuficiente a fundamentação do Tribunal recorrido - respeitante à valoração das declarações do A. quanto aos factos que lhe são desfavoráveis e à não valoração dos que lhe são favoráveis.

  2. Acresce que o princípio da livre apreciação da prova está sujeito a limites, nomeadamente quanto a presunções legais stricto sensu (artº 350º do C.C.).

  3. Ora, o artº 3º nº 1 da Diretiva 1994/44/CE, de 25/5 (reproduzido no Decreto-Lei 67/2003 de 8/4), estabelece uma presunção legal a favor do autor/consumidor de responsabilidade do vendedor independentemente de culpa por qualquer falta de conformidade que exista no momento em que o bem lhe é entregue.

  4. Pelo que não poderia o Tribunal “a quo” nortear-se “pelo principio da livre apreciação da prova”, pois este principio cede perante a existência de uma presunção legal.

  5. Pelo que não poderia o tribunal considerar – como o fez – com base no depoimento de parte do autor que “… é possível concluir que no momento da celebração do contrato, o veículo foi examinado pelo autor não apresentando qualquer deficiência ou defeito, que permita a responsabilização do réu nos termos peticionados pelo autor, tanto mais que nem sequer se provou que o réu tinha efetivo conhecimento da diferença da quilometragem verificada”.

  6. Ao decidir desta forma, o tribunal “A Quo” apreciou a prova de forma arbitrária violando o disposto no artigo 350º e o principio da livre apreciação da prova (artº 396º do C.C.) e bem assim o direito a um processo equitativo, previsto no artigo 6º, nº 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

  7. De igual forma, houve do artigo 1º do protocolo nº1 da CEDH uma vez que estão em causa bens ou direitos, tendo sido violada a propriedade do autor.

  8. Na formação da convicção da Exma. Sra. Juíza, retratada nas respostas que se deram aos factos, foram violadas regras que lhe deviam estar subjacentes, pois houve desvios às regras de experiência comum e manifestos erros de julgamento.

  9. Houve erro na apreciação da matéria de facto, em especial quanto aos números 4, 5, 9 a 15 e 27 da Base Instrutória e 24, 26 a 30, 33, 36, 37 e 42 da Petição Inicial.

  10. Tendo em conta os depoimentos do autor e das testemunhas D…, de E…, de F… e de G…, cujos depoimentos convergiram sobre o mesmo problema, o tribunal deveria ter dado como PROVADO, pelo menos, que o veículo automóvel do autor “padece de vários problemas mecânicos”, na medida em que esse facto é complementar aos factos essenciais alegados pela parte, e de que deveria ter tido conhecimento (quesito 4º da base instrutória).

  11. De igual forma, quanto ao quesito 5º da base instrutória, tendo em conta os depoimentos do autor e das testemunhas, F…, de E… e de G…, deveria o Tribunal “A Quo” ter dado como PROVADO pelo menos, “veículo esteve parado por motivo de reparação, pelo menos, mais do que uma vez”, porquanto estamos diante de um facto complementar que merece ser valorado.

  12. Quanto ao quesito 9º da base instrutória, tendo em conta o depoimento do autor e os depoimentos de F… e de E…, deveria o Tribunal “A Quo” dar como PROVADA a “interpelação por parte do Recorrente, para a reparação do veículo” com base nos problemas reportados.

  13. Acresce que, descurou a Meritíssima Juíza do Tribunal “A Quo” que a citação da ação declarativa aqui em apreço configura, ipso facto, a interpelação para a resolução do negócio, conforme o pedido formulado.

  14. Quanto aos quesitos 10º e 11º da base instrutória, deveria ter-se dado como PROVADO que “o réu nada fez para averiguar da real quilometragem do veículo”, e bem assim, “que o réu conhecia, ou pelo menos, não devia ignorar a essencialidade para o autor de uma das qualidades do veículo, a saber, a quilometragem”, tendo em conta os depoimentos de parte do Réu, C…, e da Testemunha do Réu, H… e até pelas regras da experiência tendo em conta a imposição da prática comercial do seu negócio.

  15. Acresce que, comprovados os defeitos, cabia ao réu ilidir a presunção de culpa que a onerava, nos...

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