Acórdão nº 1644/11.0TMPRT-A.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 05 de Março de 2015

Magistrado ResponsávelARISTIDES RODRIGUES DE ALMEIDA
Data da Resolução05 de Março de 2015
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Recurso de Apelação Processo n.º 1644/11.0TMPRT-A.P1 [Comarca do Porto/Instância Central de Gondomar] Acordam os Juízes da 3.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto: I. Relatório: B…, residente em …, instaurou contra C…, residente no mesmo local, por apenso ao processo de divórcio de ambos, incidente de atribuição da casa de morada de família, requerendo que a mesma lhe seja atribuída.

Para o efeito, alegou que a casa de morada de família é uma habitação da Câmara Municipal que foi entregue ao casal de arrendamento, que desde há anos tem vindo a ser vítima de violência doméstica perpetrada pelo requerido razão pela qual acabou por requerer e obter a dissolução do casamento por divórcio, que tem necessidade da casa para nela continuar a viver não possuindo rendimentos para poder arranjar outra habitação condigna.

O requerido contestou a acção, alegando que as queixas de violência doméstica foram sendo sucessivamente arquivadas e que a requerente apenas pretende retirar a casa ao requerido, o qual tem piores condições económica do que as da requente, pelo que a casa deve ser-lhe atribuída a ele.

Após julgamento, foi proferida sentença na qual se julgou a acção procedente e se atribuiu à requerente a casa de morada de família, determinando a passagem do arrendamento para nome desta.

Do assim decidido, o requerido interpôs recurso de apelação, terminando as respectivas alegações com as seguintes conclusões: I – A douta sentença recorrida enferma da nulidade prevista na alínea b) do nº 1 do artigo 615º do C.P.C. – constituindo ainda inconstitucionalidade por violação do nº 1 do artigo 205º da C.R.P. –, uma vez que inexiste qualquer fundamentação atinente à decisão da matéria de facto.

II – Apresentou-se apenas o habitual intróito de toda e qualquer sentença que aprecie factos e respectiva prova, constituindo uma formulação genérica em que apenas se tende a revelar que se analisou a prova – mas tudo sem o demonstrar, comprovar e argumentar, no sentido de ser evidente a conjugação dos meios probatórios e a análise crítica dos mesmos que se impõe ao Tribunal, logo, sem poder produzir convencimento quanto ao acerto da decisão.

III – Não se demonstrou todo o processo lógico de análise crítica dos mesmos, por que razão mereceram credibilidade e acolhimento pelo Tribunal a quo, por que razão uns são mais credíveis do que outros, nem se especificou quais os documentos que mereceram aqueles atributos, dizendo-se tão só que se viu os documentos, que foram ponderados “na medida em que se mostraram verdadeiros e credíveis”, o que é, com o devido respeito, a mesma coisa que nada dizer, pelo que resulta, assim, é uma formulação vaga e genérica, que mais não é do que absolutamente gratuita e conveniente à protecção da sentença como alegadamente fundamentada.

IV – Dessa forma, inexiste na sentença impugnada o substracto que deveria alicerçar a decisão sobre a matéria de facto e que pudesse conduzir ao convencimento da justeza da mesma, pelo que a douta sentença em crise se mostra inquinada do apontado vício.

V – À luz dos princípios estruturantes do Direito, dos preceitos legais aplicáveis e das melhores doutrina e jurisprudência, a sentença recorrida não respeitou a exigência legal de fundamentação, pois que, do seu teor, não consta qualquer exercício minimamente adequado a produzir o seu convencimento nem sequer a demonstrar o processo de raciocínios lógicos que conduziu a eventual decisão justa, pelo que resulta uma decisão que é imposta aos seus destinatários pela simples opção do Tribunal a quo mas cuja construção na mente do julgador fica naquela encerrada.

VI – Fica assim a Recorrente impedida não só de avalizar a eventual justeza da decisão sobre a matéria de facto, mas também de impugnar – como é seu direito – a análise das provas carreadas para os autos e nas quais se teria estribado o Tribunal a quo para formular a mencionada decisão.

VII – Deste modo, não tendo a douta sentença em mérito respeitado o dever de fundamentação que impendia sobre o Tribunal a quo, vê-se inelutavelmente ferida de nulidade – que expressamente se alega e invoca para todos os efeitos legais, nos termos do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 615º do C.P.C. –, mais enformando inconstitucionalidade por violação do preceituado no nº 1 do artigo 205º da Constituição da República Portuguesa, devendo como tal ser declarada.

VIII – Não obstante a existência do apontado vício, não se pode deixar de impugnar, por mera cautela de patrocínio, o incorrecto julgamento da matéria de facto quanto aos pontos 2), 3), 4), 5), 6), 8), 9), 13) e L) da factualidade considerada provada, ainda que fortemente restringido pelo facto de desconhecer quais os meios de prova e qual a análise destes feita e o raciocínio que conduziram à respectiva decisão, desconhecendo-se quais os elementos probatórios que alicerçaram a comprovação de cada um dos factos provados.

IX – Quanto aos factos provados em 2), 3), 4), 5) e 6), o recorrente apenas pode presumir ter-se o Tribunal a quo baseado no teor da sentença de fls. 38 a 42 dos autos de divórcio entre os aqui A. e R.

X – No entanto, naquela apenas foram dados como provados por confissão, isto é, por falta de contestação e de contraditório dos depoimentos por estar em causa, naqueles autos, a dissolução do casamento entre os ora recorrente e recorrida, ao que, não tendo o aqui recorrente qualquer interesse na manutenção do matrimónio, este não contestou a aludida acção nem contraditou os factos invocados nem os depoimentos produzidos.

XI – Todavia, não podia aqui o Tribunal a quo servir-se daqueles factos, confessados em acção diversa da presente, uma vez que o artigo 421º do C.P.C. preceitua que se podem aproveitar os depoimentos e os arbitramentos produzidos noutro processo – por identidade de razão, os factos nele provados –, desde que tenha havido possibilidade de contraditório, mas já assim não poderá suceder no caso previsto no nº 3 do artigo 355º do Código Civil, isto é, não se podendo aproveitar num outro processo a confissão de factos feita noutro.

XII – Como se diz na doutrina citada supra, “Compreende-se que a parte só tenha confessado por estarem em jogo interesses de pouca monta. Por isso, tem de admitir-se que poderá ser diferente a sua atitude noutro processo em que os valores sejam mais elevados” – no caso presente, não tendo o ora recorrente qualquer interesse em contrariar o pedido de divórcio formulado pela ali A., estava em jogo, naquela acção, um interesse que não só pouco ou nada representava para o ali R., como ainda o mesmo até comungava daquele interesse, por também vir a pretender ver dissolvido o seu matrimónio.

XIII – Já na presente acção, tendo os interesses em jogo especial importância e pertinência para o ora recorrente, dada a carência premente de que lhe seja atribuída a casa de morada de família – o que, mais que não fosse, facilmente se inferiria pelo acto de dedução de contestação e pelo teor desta –, não se lhe podem opor os factos confessados noutro processo e deles não se podia servir o Tribunal a quo, o que se torna ainda mais flagrante quando a demais prova produzida nestes autos e citada supra não só não os corrobora, como ainda os contraria.

XIV – Ainda que assim não sucedesse, devendo o Juiz ater-se à “matéria de facto relevante para a decisão da causa, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito” (formulação do artigo 511º, nº 1, do C.P.C. que vigorou até 1/9/2013), aquela factualidade não tem pertinência para a descoberta da maior necessidade da casa de morada de família de um dos ex-cônjuges sobre a do outro.

XV – Devem assim aqueles factos serem considerados «NÃO PROVADOS» ou, em alternativa, serem considerados irrelevantes para a matéria fáctica a apurar.

XVI – Quanto aos factos provados em 6), 9) e L), resultou manifestamente falso da prova testemunhal – incluindo uma testemunha da A. – produzida em audiência e especificada supra que o Requerido não contribuísse com os parcos proventos que obtivesse para as despesas do agregado familiar, antes que este, sempre que obtivesse algum rendimento, com ele contribuía para as despesas do seu agregado.

XVII – Destarte, deve-se consignar no facto provado 6) que «O Réu, sempre que efectua biscates ou obtinha qualquer rendimento, contribuía para as despesas domésticas»; no facto provado 9) que «O agregado da requerente, além dos contributos que o Requerido vai prestando, tem ainda um contributo regular mensal da filha destes D…»; e, no facto provado L), que «A filha de A. e R., D…, assim como o seu neto ainda menor, passaram a integrar o agregado familiar, sendo que não só essa filha se sustenta a si e ao neto de A. e R. como ainda contribui para as despesas do agregado».

XVIII – No que concerne ao facto provado em 8), não se pode perder de vista que a quantia que a Requerente indicou ao constituir a sua causa de pedir (9,78€/mês), por verdadeira, foi aceite pelo Requerido, sendo com absoluta surpresa e estranheza que se compulsa a declaração de prova de que o valor daquela renda mensal se cifre em 33,34€.

XIX – A mera indicação, feita na sentença recorrida, do documento que alegadamente suporte a aludida declaração não justifica a sua comprovação, além de que aquele, junto pela Requerente e sem alegação cabal das razões subjacentes a hipotético aumento, se reporta ao mês de Janeiro de 2014, mais nenhum elemento documental tendo sido junto relativamente aos meses de Abril de 2012 (data de início do presente incidente) até Abril de 2013 (data da realização da audiência de discussão e julgamento), como aos meses corridos desde Abril de 2013 até Abril de 2014 (data da prolação da sentença recorrida), pelo que carece de sentido que, dos 24 meses em que a presente lide decorreu, sentença revidenda se louve em documento relativo a apenas um (1) daqueles, mesmo ultrapassando a alegação da própria Requerente.

XX – Por outro lado – e mesmo que assim se não decida –, o que o documento de fls. 121 comprova é o...

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