Acórdão nº 4/04.4TBVLG.P2 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 16 de Março de 2015

Magistrado ResponsávelCARLOS QUERIDO
Data da Resolução16 de Março de 2015
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo n.º 4/04.4TBVLG.P2 Sumário do acórdão: I. A enumeração das nulidades da sentença prevista do n.º 1 do artigo 615.º do NCPC (correspondente ao n.º 1 do artigo 668.º do CPC na versão anterior) tem carácter absolutamente taxativo, como é pacificamente aceite pela doutrina e pela jurisprudência II. A fundamentação da sentença deverá permitir de forma transparente aos destinatários, a percepção das razões de facto e de direito da decisão judicial, revelando o iter «cognoscitivo» e «valorativo» percorrido pelo julgador, garantindo assim às partes a sua plena impugnabilidade, nos casos em que estejam reunidos os restantes requisitos.

III. O direito de propriedade de água nascente em prédio alheio não se confunde com a servidão traduzida no direito de uso dessa água.

IV. O direito de servidão realiza-se no aproveitamento de uma nascente existente num prédio (serviente) concedido a terceiro em benefício de um seu prédio (dominante) e para as necessidades deste.

V. Definindo-se o direito dos autores como mero direito de servidão da água nascente em mina situada no prédio serviente, propriedade da ré, tal mina (estrutura externa englobando os pórticos), não pertence aos autores, não lhes assistindo o direito a exigir que se mantenha ou se altere a sua configuração.

VI. O que os autores podem exigir, baseados no seu direito (de uso da água da mina), é apenas isto: que tal direito (traduzido na servidão do prédio onde a mina se encontra instalada), se mantenha inalterado (salvo se a nascente perder caudal ou secar naturalmente), devendo o dono do terreno ou qualquer terceiro lesante, repor a situação anterior e indemnizar pelos danos causados com a privação do uso da água, desde que verificados os requisitos enunciados no artigo 483.º do Código Civil.

Acordam no Tribunal da Relação do Porto I. Relatório B…, C… e D… intentaram em 19.12.2003 a presente acção declarativa com processo ordinário contra E…, S.A, F…, Lda., e G…, pedindo: i) que sejam os réus condenados na reconstrução natural da mina e da represa, com as mesmas características das referidas na petição inicial, ou seja: a) a mina era constituída por duas lousas de grande porte, uma no seu interior e outra à vista; b) a represa existente na saída da mina, tinha uma área de cerca de 20 m²; c) a mina dava, por dia, entre 80.000 a 100.000 litros de água, a qual ficava em represa durante 24 horas.

ii) que sejam ainda os réus condenados a pagarem aos autores a quantia que se vier a liquidar em execução de sentença; iii) que sejam, finalmente, os réus condenados a pagarem ao autor a quantia de 18.000 € a título de lucro cessante, à qual acresce os juros legais calculados desde a data da citação até ao efectivo pagamento; Como fundamento da sua pretensão, alegaram os autores em síntese: por sentença, proferida em 5/1/2001, no processo 342/98, que cujo processo correu termos pelo 1° Juízo do Tribunal Judicial de Valongo, foi o 1° réu condenado a reconhecer que os aqui autores adquiriram direito ao uso da água proveniente da H…, na qualidade de proprietários dos terrenos rústicos descritos na C.R.P. de Valongo sob os n°s 02267/171193 e n.° 3809, beneficiando aquela água de rega, com direito a dia e meio numa semana (12 horas de Sexta feira e 24 horas de Sábado) e dois dias noutra, alternadamente, (24 h de Sábado e 24 h de Domingo) e a Segunda com direito a quatro dias numa semana (24h de Domingo, de Segunda, de Terça e de quarta) e três noutra, alternadamente (24 h de Segunda, Terça e Quarta); foi ainda reconhecido pela mesma sentença judicial que da mesma H… ou I… era ainda proveniente água de lima, isto é, água de nascente que corre para a primeira propriedade descrita sob o n° 02267/171193, 24 h por dia ininterruptamente; bem assim como foi o aqui 1° réu ali condenado a proceder de modo a restabelecer o curso normal da água desde a sua nascente até aos terrenos, por forma a fazer chegar a água aos terrenos dos aqui Autores. Para tal finalidade, o curso da água deveria ser efectuado por encanamento, tudo conforme cópia integral da dita sentença; acontece que logo imediatamente à publicação desta decisão todos os réus, em comum e em conjugação de esforços, destruíram completamente a entrada e a represa da mina, com trabalhos a fundo de terraplanagem; bem assim como iniciaram grandes obras de desaterro e início de construção de obra, mesmo no local onde se encontra instalada a H…, há mais de cem anos; neste momento, todo o pórtico de entrada na mina, que era constituído por duas lousas de grande porte, uma no seu interior e outra à vista, já foi totalmente destruído pelos réus com os trabalhos iniciados imediatamente após a publicação da sentença; bem assim como foi totalmente destruída a represa existente na saída da mina, com uma área de cerca de 20 m²; essa mina dava, por dia, entre 80.000 a 100.000 litros de água, a qual ficava em represa durante 24 horas; é certo que a destruição da entrada da mina e da sua represa foi efectuada pelo 2° e 3° réus a mando do 1° réu e tais factos se sucederam no dia imediatamente após a publicação da sentença judicial; na presente data não é possível apurar por quanto tempo é que os autores irão continuar privados do uso da água que lhes foi legitimamente reconhecido, o que impede, de todo, de proceder à liquidação total dos prejuízos a sofrer por via desse facto; para além disso, pelo facto de terem os réus destruído a represa e, consequentemente, a mina, deixou o autor de poder usufruir da água de rega a que tinha direito, deixando, com isso, de poder regar as terras, cultivá-las e colher os respectivos frutos; tendo, com isso, o autor deixado de obter os lucros inerentes à venda e comercialização desse mesmos produtos agrícolas, lucros esses que correspondem a 9.000 €, por ano.

A 1ª ré, E…, S.A, contestou impugnando a matéria alegada, quer no que se reporta à interpretação que os autores fazem da sentença identificada na petição, quer quanto à restante matéria alegada, afirmando: que não destruiu o que os autores invocam; que o que os autores alegam poderia ter ocorrido por outras causas: a mina situa-se em terrenos de baixa densidade e dureza, têm acentuado declive, a mina tem centenas de anos, são pedras velhas, carcomidas pelo tempo, instáveis no solo, próximo do local há camiões em movimento, construções, ruas em execução, movimentos de terras e chuvas intensas no local.

A 2ª ré J…, SA impugnou toda a matéria de facto alegada na petição, com excepção do alegado no art. 12.º, aceitando que a demolição do pórtico de entrada da mina e de parte da represa (não foi totalmente destruída) foram por si realizadas, em data anterior à indicada pelos autores, e que se tratou de uma decorrência do projecto da obra e ordens e instruções dadas pelos representantes do dono da obra, ora 1ª ré, já que a segunda ré era empreiteira a trabalhar para a 1ª ré. Mais alegou que se encontrava a fazer trabalhos de limpeza e escavação de terreno, no âmbito do projecto da obra, a pedido do dono da obra e de acordo com os mapas de trabalhos, plantas topográficas entregues pela 1.ª ré. Impugnou a restante matéria de facto respeitante aos danos invocados pelos autores, tanto mais que, conforme alegam, a impossibilidade de usar as águas da mina para rega ocorre já desde 1997, pelo que os danos invocados não poderiam ter como causa os factos alegados na petição, sendo certo que os terrenos continuam a ser cultivados. Conclui com o pedido de condenação dos autores como litigantes de má fé em multa e indemnização, em montante nunca inferior a 2000€ correspondente ao valor de reembolso de todas as despesas que teve, incluindo honorários do seu mandatário.

O 3º réu, G…, contestou, sustentando em síntese a posição assumida pela 2ª ré, esclarecendo que trabalha, às ordens e sob a direcção desta.

Foi elaborado despacho saneador, com definição dos factos assentes e organização da base instrutória, tendo sido produzida prova, nomeadamente pericial.

Após várias vicissitudes processuais, foi realizada a audiência de julgamento em duas sessões - 26.09.2011 e 24.10.2011 -, na sequência da qual foi proferida decisão sobre a matéria de facto (em 7.11.2011), sem qualquer reclamação.

Em 14.11.2011 foi proferida sentença com o seguinte dispositivo: «Nos termos e pelos fundamentos expostos, julgo a presente acção parcialmente procedente por provada e, em consequência: - condeno a 2.ª R a reconstruir o pórtico de entrada na mina com duas lousas de grande porte, uma no seu interior e outra à vista ; e - Na saída da mina deverá reconstruir uma represa com uma área de cerca de 20 m2; - No mais, absolvo todos os RR dos demais pedidos.

Custas a cargo dos AA e 2ª R na proporção de metade para cada um.

Registe e notifique.».

Não se conformaram, nem os autores nem a 2.ª ré – J…, SA, e interpuseram recurso de apelação para este Tribunal, onde em 19.12.2012 foi proferida decisão com o dispositivo que se transcreve parcialmente: «[…] acorda-se neste Tribunal da Relação em 1- julgar prejudicada a apreciação das restantes questões colocadas pelo recurso interposto, 2- Nos termos do disposto no artigo 712.º - 4 do C.P.C. anular a decisão de mérito e de facto proferida na 1.ª instância, e ordena-se a repetição do julgamento relativamente à matéria de facto que se ordena se formule – conforme a solução – em alteração indispensável para a boa decisão da causa – podendo aproveitar-se a prova já produzida […]».

Baixaram os autos à 1.ª instância em 23.01.2013, e em 11.02.2013 foi proferido despacho a determinar o aditamento à base instrutória (datada de 11.02.2013), dos seguintes quesitos, em cumprimento do que fora decidido nesta Relação: 22º A ré J… trabalha desde 1995 como empreiteira para a 1ª ré, num empreendimento imobiliário designado “E…”, sito em Valongo? 23º É algures no terreno de implantação desse empreendimento que estavam situados a mina, a represa e o circuito da água retida e da água de lima até entrarem no terreno dos AA? 24º Na verdade, junto à referida mina...

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