Acórdão nº 322/11.5TJPRT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 19 de Fevereiro de 2015

Magistrado ResponsávelFERNANDO BAPTISTA
Data da Resolução19 de Fevereiro de 2015
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Proc. 322/11.5JPRT.P1 Relator: Fernando Baptista de Oliveira Adjuntos: Des. Ataíde das Neves Des. Amaral Ferreira I-RELATÓRIO: Acordam na Secção Cível do tribunal da Relação do Porto 1. B… intentou acção declarativa de condenação sob a forma ordinária contra C…, S.A, pedindo a condenação do Réu a pagar-lhe uma indemnização do montante total de €8.887,17 (oito mil oitocentos e oitenta sete euros e catorze cêntimos), acrescida juros de mora vincendos, calculada à taxa legal de 4% desde o dia 11/02/2011 até efectivo e integral pagamento, sobre o montante de €8.003,07 (oito mil e três euros e sete cêntimos).

Alega o Autor, em suma, que sacou/emitiu um cheque cruzado sobre a sua conta, o qual, após ter sido enviado pelo Autor por correio postal para a morada da Beneficiária, foi apropriado por terceiros, os quais, sem o conhecimento e autorização do Autor, alteraram o seu preenchimento, sendo que tal cheque “falsificado” foi pago pelo Réu, pelo montante falsificado, através dos fundos depositados na conta do Autor, com o seu respectivo lançamento a débito no dia 14/05/2008, e a crédito no dia 19/05/2008, em conta titulada por pessoa que não era a sua legitima portadora.

Mais alega que o Réu tinha a obrigação profissional de actuar com prudência e exigência, senão em seu benefício, também em nome dos seus clientes, em face da relação de confiança que deve existir entre o banco e os seus clientes, mas sobretudo em face do dever acessório, instrumental, emergente da convenção do cheque e demais legislação atinente ao uso do cheque: o de verificar cuidadosamente a autenticidade da ordem de pagamento, bem como a regularidade do endosso.

Não tendo tido esse cuidado e pagando o aludido cheque falsificado, causou danos ao autor, aqui peticionados (valor do cheque falsificado pago indevidamente pelo Réu a terceiro – a que acrescem os juros de mora vencidos e vincendos).

Devidamente citado, o Réu contestou, alegando, em suma, que não se vislumbra qualquer irregularidade do cheque – o mesmo, no entender do Réu, apresenta-se sem vícios aparentes e com intocável regularidade na cadeia dos endossos –, tendo o Banco réu pautado a sua actuação pela observância das práticas bancárias e pelo cumprimento das regras e requisitos estabelecidos para a operação de pagamento de cheques.

Conclui pedindo a improcedência da acção, com a consequente absolvição do pedido.

Teve lugar a audiência de julgamento, tendo o tribunal respondido à matéria de facto controvertida e proferido sentença, na qual julgou a acção procedente e condenou o réu “no pedido”.

Dessa sentença recorreu o Réu, tendo apresentado alegações que remata com as seguintes «CONCLUSÕES: 1. Os factos dados como provados nos presentes autos demonstram que a responsabilidade do recorrente pelo pagamento indevido do cheque deverá concorrer com a responsabilidade do recorrido em virtude dos riscos que poderia e deveria ter acautelado – e que não acautelou – com vista a evitar o seu extravio e falsificação.

  1. O cheque em questão não continha a cláusula “não à ordem” (conforme previsto no art.º 14º da LUC) e, por conseguinte, era transmissível por via de endosso, o que legitimava o seu pagamento a quem se apresentasse como portador legítimo, nos termos do art.º 19º do citado diploma.

  2. Dos factos apurados resulta ainda que, depois de o emitir, o recorrido enviou o cheque nos autos por correio para a morada da delegação da D…, S.A.

  3. O recorrido não deveria ter enviado o cheque por correio, correndo os previsíveis riscos de perda ou extravio. Ao ter utilizado o correio, dever-se-ia ter acautelado, através da inclusão no cheque da cláusula “não à ordem”, prevenindo eventuais furtos, extravios ou falsificações – é o que decorre, sobre o mais, das obrigações que impendem sobre os clientes dos bancos por força do contrato ou convenção de cheque.

  4. Veja-se, a este propósito, o Ac. do Tribunal da Relação do Porto, de 19.03.2009, Proc. nº 0836601, no qual se decidiu que (a autora) (…) tinha ao seu alcance formas bem mais simples de evitar o alegado extravio do cheque e a subsequente falsificação da assinatura da beneficiária.

    Com efeito, enviando o cheque pelo correio, a autora deveria, pelo menos, tê-lo feito em correio registado, de forma a diminuir a possibilidade de extravio. Em rigor, desconhece-se se o fez, embora seja certo que o não alegou.

    Mas, mais importante que isso, a autora poderia ter inserido no cheque a cláusula “não à ordem”, conforme previsto no art.º 14 da LUC, evitando, dessa forma, que, em caso de extravio do cheque, o mesmo entrasse em circulação mediante a falsificação da assinatura da beneficiária (…).

    Certo é que a autora não adoptou esses cuidados e, por conseguinte, o pagamento eventualmente indevido do cheque, na sequência do seu extravio e subsequente falsificação do endosso, também ficou a dever-se à sua conduta que poderia ter sido mais cuidadosa.

  5. Veja-se, ainda, o decidido no Ac. do Tribunal da Relação de Guimarães, de 24.01.2008, em que foi Relator o Exmo Senhor Juíz Desembargador Augusto Carvalho, disponível em www.dgsi.pt: 3. A autora deveria ter feito uma identificação completa do destinatário do cheque e nunca enviar este por correio simples, correndo os previsíveis riscos de perda ou extravio. Ao ter utilizado o correio simples, dever-se-ia ter acautelado, através da inclusão no cheque da cláusula não à ordem, prevenindo eventuais furtos, extravios ou falsificações – artigo 14º, da Lei Uniforme. Com uma conduta diferente, a sacadora poderia ter evitado a falsificação do cheque.

  6. Nestes termos e por tudo o que se expôs, afigura-se que, no caso dos autos, a recorrida concorreu, efectivamente, para a produção dos danos que alegou ter sofrido.

  7. Sopesando a conduta de recorrente e recorrido e à luz do que dispõe o art.º 570º do CPCivil, afigura-se justo e equitativo atribuir 50% da responsabilidade na produção dos danos a cada uma das partes.

  8. Na douta sentença recorrida fez-se incorrecta valoração dos factos e menos acertada aplicação da Lei, designadamente, dos art.ºs 483º e 570º, ambos do CCivil e dos art.ºs 14º, 19º, 35º e 38º da LUCh.

    Termos em que, na procedência das conclusões do recurso interposto pelo recorrente, deve ser revogada a douta sentença recorrida, assim e fazendo J U S T I Ç A.» Foram apresentadas contra-alegações, nas quais se concluiu pela manutenção do sentenciado.

    Foram colhidos os vistos legais.

    1. FUNDAMENTAÇÃO.

      II.1. AS QUESTÕES: Tendo presente que: - O objecto dos recursos é balizado pelas conclusões das alegações dos recorrentes, não podendo este Tribunal conhecer de matérias não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (arts. 635º, nº4 e 639º, do C. P. Civil); - Nos recursos se apreciam questões e não razões; - Os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido, a (única) questão suscitada na apelação consiste sem se, face à matéria de facto apurada e das soluções plausíveis de direito, na sentença recorrida deveria ter sido considerado que a actuação do recorrido contribuiu para a produção dos danos que alega e que tal contribuição deveria ter tido reflexo no montante indemnizatório a atribuir a final, na sentença, ao recorrido.

      II.2. OS FACTOS No tribunal recorrido deram-se como provados os seguintes factos: 1.º O Autor e o Réu celebraram entre si um contrato de abertura de conta bancária, no ano de 1981, por via do qual o Autor passou a ser titular da conta bancária n.º ….., domiciliada na sucursal - … do Réu, sita na Rua …, n.º …, desta cidade e comarca; 2.º Associado àquela conta bancária n.º ….., Autor e Réu celebraram ainda entre si um contrato de depósito à ordem, por via do qual o Autor entregou à guarda e custódia do Réu determinadas quantias em numerário ou em moeda escritural, ficando este com o direito de as poder utilizar no exercício da sua actividade e concomitantemente constituído no dever de devolver montante equivalente a pedido do Autor, 3.º Associada à referida conta bancária e ao aludido contrato de depósito, Autor e Réu celebraram uma convenção de cheque, através da qual foi confiada ao Autor a faculdade mobilizar os fundos disponíveis nessa conta bancária por meio de cheques fornecidos pelo Réu.

      4.º Na sequência da referida convenção de cheque, o Réu entregou ao Autor uma caderneta de módulos de cheques, na qual se inclui o cheque n.º……….

      5.º No dia 09 de Maio de 2008, o Autor sacou e cruzou o cheque n.º………., sobre a mencionada conta bancária, pelo valor de €53,07 (cinquenta e três euros e sete cêntimos), a favor da Sociedade comercial anónima denominada “D…, S.A.”, para pagamento de produtos de higiene que esta lhe havia fornecido; 6.º Na mesma data, o Autor enviou o referido cheque, por correio postal, para a morada da delegação da aludida Beneficiária, sita na Rua …, Lote .., …, Matosinhos; 7.º Sucede que tal cheque nunca chegou ao seu destino e a ser recebido pela sua Beneficiária, a aludida D….

      8.º Em data e circunstâncias que ainda hoje o Autor desconhece, o dito cheque foi desviado e entrou na posse de terceiros, os quais, sem o conhecimento e autorização do Autor, alteraram o preenchimento do cheque; 9.º Em Junho de 2008, da consulta do extracto bancário da sua conta, o Autor constatou que o referido cheque havia sido lançado a débito no dia 14 de Maio de 2008 pelo montante de €8.003,07 (oito mil e três euros e sete cêntimos), em total desconformidade com a ordem de pagamento por que foi sacado; 10.º Procurando saber a razão de tal desconformidade entre o valor do saque e o pagamento efectuado, obteve junto da sucursal-… do Réu, onde se acha domiciliada a sua referida conta bancária, cópia do referido cheque; 11.º Do confronte entre a referida cópia do cheque fornecida pelo Réu e a cópia do saque original, constata-se, que a ordem de pagamento original que dele constava foi alterada quer na parte atinente à indicação do valor numérico, quer na parte atinente à indicação do valor por...

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