Acórdão nº 2063/14.2JAPRT-A.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 11 de Fevereiro de 2015

Magistrado ResponsávelNETO DE MOURA
Data da Resolução11 de Fevereiro de 2015
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo n.º 2063/14.2JAPRT-A.P1 Relator: Neto de Moura Acordam, em conferência, na 1.ª Secção (Criminal) do Tribunal da Relação do Porto I - Relatório No âmbito do processo comum, em fase de inquérito, que, sob o n.º 2063/14.2JAPRT, corre termos nos Serviços do Ministério Público da Instância Local de Espinho, Comarca de Aveiro, e teve origem numa “informação de serviço” de OPC (Inspector da Polícia Judiciária) em que se dava notícia de que, nas circunstâncias de tempo e lugar nela referidas, dois indivíduos usando capacetes de protecção na cabeça e, por baixo destes, “passa-montanhas”, levaram a cabo uma acção susceptível de configurar, pelo menos, um crime de roubo qualificado previsto e punível pelo artigo 210.º, n.os 1 e 2, al. b), do Código Penal, a Sra. Procuradora-Adjunta naquela Instância, dando sequência a sugestão, nesse sentido, formulada pelo OPC, promoveu se solicitasse às operadoras de telecomunicações móveis (“B…”, “C…” e “D…”) os dados relativos ao canal de controlo (activação de antenas celulares identificadas em relatório de localização celular elaborado para o efeito) e os dados de tráfego relativos aos números de telemóvel que activaram as antenas ali mencionadas, no período temporal compreendido entre as 21H:50 e as 22H:10 do dia 21.10.2014.

Sobre essa promoção recaiu o seguinte despacho da Sra. Juiz de instrução (transcrição integral): “Nos presentes autos de inquérito, em que resultam indiciados factos passíveis de configurar a prática um crime de roubo, previsto e punido pelo art. 210.°, n.º 1 e 2, al. b), do Código Penal, o Ministério Público promoveu o levantamento do sigilo das comunicações, com vista à identificação do canal de controlo e dos dados de tráfego dos números de telefone que activaram as antenas mencionadas no relatório da Polícia Judiciária entre as 21h50 e as 22h10.

Cumpre apreciar.

A sociedade que explore uma rede ou preste serviços de comunicações electrónicas fica obrigada a manter o sigilo das comunicações, como resulta expressamente dos arts. 27.°, n.º 1, al. h), da Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro, (Lei das Comunicações Electrónicas) e 4.°, n.º 2, da Lei n.º 41/2004, de 18 de Agosto (Lei relativa ao tratamento de dados pessoais e a protecção da privacidade das comunicações electrónicas).

De facto, em ordem a assegurar o constitucionalmente consagrado direito à reserva da intimidade da vida privada (ut art. 26.°, n.º 1, da CRP), resulta directamente garantida pela lei fundamental a inviolabilidade das comunicações (ut art. 34.º, n.º 4, da CRP).

O sigilo das comunicações só poderá ser coarctado em casos excepcionais, como sejam a prossecução da investigação criminal, e na medida do estritamente necessário (ainda art. 34.°, n.°4, in f‌ine, da CRP e art. 1.°, n.° 1, da Lei n.°41/2004, de 18 de Agosto).

Aquele sigilo abrange três tipos de dados: os dados de conteúdo (teor da comunicação), os dados de tráfego (hora e duração da comunicação) e os dados de base (identificação, profissão, residência, etc.).

A Lei n.º 41/2004, de 18 de Agosto, fala ainda num outro tipo de dados: os dados de localização, referindo-se àqueles que permitem determinar a posição geográfica do equipamento terminal usado para aceder à rede de comunicação.

O levantamento dos dados de conteúdo da comunicação electrónica está sujeito ao regime do art. 189.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, que remete para o regime das escutas telefónicas (art. 187.° e 188.° do CPP).

Relativamente aos dados de tráfego (noção não coincidente com a prevista na al. d) e e) do art. 2.° da Lei n°41/2004, de 18 de Agosto) e de localização, entende-se que os mesmos contendem ainda com a esfera da vida privada íntima e, nessa medida, ser-lhes-á também de aplicar o regime previsto para a autorização das escutas telefónicas, já que o grau de ofensa da privacidade deste meio de obtenção de prova se equipara à ofensa que as escutas telefónicas comportam (cf., neste sentido, Directiva da PGR n.º 5 /2000, publicado no DR, II série, de 28 de Agosto de 2000). Neste sentido, a alteração introduzida pela Lei n.°48/2007, de 29 de Agosto, ao art. 189.º, n.º 2, veio determinar que também estes dados apenas poderão ser fornecidos pela sociedade que explora a empresa de comunicações electrónicas nos termos exigidos pelo art. 187.° do CPP.

Quanto aos últimos - os dados de base -, entende-se que, mesmo quando confidenciais, porque não está em causa a esfera da vida privada mas apenas um interesse pessoal, a competência para ordenar o levantamento de sigilo caberá à autoridade judiciária competente e será devida a informação em nome do dever de colaboração com a administração da justiça.

As informações reputadas necessárias no âmbito de investigação do presente inquérito implicam a obtenção de dados de localização e tráfico.

Ora, tendo em conta o supra exposto, importa verificar em concreto se estão preenchidos os pressupostos a que alude o art. 187.° do CPP (aplicável por força do art. 189.° do mesmo código).

Se é verdade que a factualidade indiciada nos autos permite enquadrar a hipótese no “catálogo fechado de crimes”, concretamente por força do disposto no art. 187.°, n.º 1, al. a), do Código de Processo Penal, já tal não acontece por referência ao “catálogo fechado de alvos”, previsto no n.°4 da mesma disposição legal.

Na verdade, para ser legalmente admissível a obtenção de prova por este meio, importa que haja pelo menos um suspeito, não podendo já ser utilizado como meio de encontrar esse suspeito.

A deferir o levantamento do sigilo nos termos requeridos, estar-se-ia a violar a reserva da intimidade da vida privada, garantida pela lei fundamental pela inviolabilidade das comunicações relativamente a um número indeterminado de sujeitos, ou seja todos os que circularam na zona das antenas identificadas e que durante o período compreendido entre as 21h50 e as 22h10 usaram os seus telemóveis.

É precisamente esta indeterminação que a lei proíbe.

Assim ainda que essencial para a investigação criminal, tal meio de obtenção de prova não é legalmente admissível, pelo que a prova que por essa forma pudesse vir a ser obtida seria nula — ut art. 126.º, n.º3, e 190.º do Código de Processo Penal.

Em face do exposto e concretamente por não se verificar preenchido o pressuposto a que alude o art. 187.°, n.º4, aplicável por força do disposto no art.

189.º, n.º 2, ambas as disposições do Código de Processo Penal, indefiro o promovido”.

Não se conformou a digna Magistrada do Ministério Público com tal decisão e, visando a sua revogação e a sua substituição por outra que defira o pedido de obtenção daqueles dados, dela interpôs recurso para este Tribunal da Relação, condensando a respectiva motivação nas seguintes conclusões (em transcrição integral): I. “O Ministério Público, a fls. 43 e 44 dos autos, promoveu, por se revelar indispensável para a descoberta da verdade, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 187.0, n.ºs 1 alínea a) e 4 alínea a); 189.0 e 269.º n.º 1 alínea e) do Código de Processo Penal, se determinasse a solicitação às operadoras de telecomunicações móveis os dados de tráfego (listagens que contenham todas as chamadas recebidas e efectuadas, localização celular - Base Transfer Station - incluindo igualmente data, hora e duração das comunicações) relativos aos números de telemóvel que activaram as antenas mencionadas nos autos, no período temporal compreendido entre as 21h50 e as 22h10 do dia 21 de Outubro de 2014.

  1. Contudo, por despacho da Meritíssimo Juiz com funções de Instrução Criminal, a fls. 46 a 48, foi indeferida tal pretensão do Ministério Público, por não se verificar preenchido o pressuposto a que alude o artigo 187.º n.º 4, aplicável por força do disposto no artigo 189.º n.º 2 do Código de Processo Penal.

  2. O Ministério Público discorda desta decisão, por violadora do disposto nos artigos 187.º n.º 4 e 189.0 do Código de Processo Penal, uma vez que as diligências foram efectivamente promovidas contra os dois suspeitos identificados nos autos, ainda que não seja ainda conhecida em concreto a sua identificação civil.

  3. Nos presentes autos investiga-se a prática por estes dois indivíduos em co-autoria, de um crime de roubo, p. e p. pelos artigos 26.0 e 210.º n.ºs 1 e 2 alínea b), com referência à alínea f), do n.º 2 do artigo 204.º, todos do Código Penal V. Os suspeitos são identificados da seguinte forma: - Um indivíduo do sexo masculino, jovem, que seguia como pendura no motociclo e penetrou na loja de conveniência, com cerca de 1,75 metros de altura, magro, trajando calças de ganga azul claras, detendo na cabeça um capacete de protecção, integral, de cor preta e, debaixo deste, um passa montanhas preto, com dois orifícios na zona dos olhos e envergando umas luvas de cor preta. Trazia consigo uma mochila, de cor azul clara, com a inscrição "EAST PACK", e - Um indivíduo do sexo masculino, condutor do motociclo, tinha na...

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