Acórdão nº 445/12.3T3AVR.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 11 de Fevereiro de 2015

Magistrado ResponsávelNETO DE MOURA
Data da Resolução11 de Fevereiro de 2015
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo n.º 445/12.3T3AVR.P1 Recurso Penal Relator: Neto de Moura Acordam, em conferência, na 1.ª Secção (Criminal) do Tribunal da Relação do Porto: I - Relatório No âmbito do processo comum que, sob o n.º 445/12.3T3AVR, corria termos pelo Juízo de Média Instância Criminal da (entretanto extint

  1. Comarca do Baixo Vouga (agora, pela Instância Local, Secção Criminal, da Comarca de Aveiro), B…, devidamente identificado nos autos, foi submetido a julgamento, por tribunal singular, acusado pelo Ministério Público da prática, em autoria material, de um crime de falsidade de testemunho previsto e punível pelo artigo 360.º, n.os 1 e 3, do Código Penal.

    Realizada a audiência, com documentação da prova nela oralmente produzida, foi proferida sentença (fls. 711 e segs.), datada de 17.06.2014 e depositada na mesma data, que absolveu o arguido.

    Inconformado, o Ministério Público interpôs recurso da sentença condenatória para este Tribunal da Relação, com os fundamentos explanados na respectiva motivação, que condensou nas seguintes conclusões (em transcrição integral): “1. Urge asseverar que o auto de inquirição redigido pelo funcionário de polícia criminal em obediência ao disposto nos art.ºs 99º e 100º do Código de Processo Penal é um documento autêntico.

    1. Resulta da conjugação dos art.ºs 127º e 169.º, ambos do Código de Processo Penal que, os factos materiais constantes do auto de inquirição de fls. 17 a 22, como documento autêntico que é, deveriam ter sido considerados provados, conquanto a autenticidade daquele documento e a veracidade do seu conteúdo não foram fundadamente postas em causa.

    2. A sentença ora em escrutínio entendeu que as declarações do arguido, à luz de critérios de normalidade e de experiência comum, constituíam elemento probatório bastante para colocar, fundadamente, a veracidade do conteúdo do auto de inquirição em crise - salvo o devido respeito, não nos parece que assim seja.

    3. E não o é, desde logo, porque aquelas declarações não conheceram corroboração em mais algum meio de prova - o arguido alegou, mas não demonstrou! 5. Fundadamente reconduz-se a uma ideia de fundamento, algo construído sobre bases sólidas, firmes e consolidadas.

    4. Uma mera alegação, por mais verosímil que pareça, não revela aptidão para, por si só, desacompanhada de outros meios de prova que a confirmem e robusteçam, preencher o conceito de fundadamente. É manifestamente insuficiente.

    5. O ora arguido afirmou sem comprovação mínima ou remota que fosse do que disse.

    6. Não foram carreados para os autos quaisquer meios de prova que permitam ter por boa a alegação de que o auto de inquirição não traduz correcta e fielmente aquilo que o ora arguido e então testemunha disse ou pretendeu dizer e, bem assim, que não o haja lido nem atenta nem integralmente.

    7. A exiguidade do dito para subsunção à noção de fundadamente revela-se, também, na circunstância do ora arguido nunca por nunca ter chamado à colacção semelhante justificação para a discrepância verificada nas declarações que prestou em inquérito e em julgamento.

    8. Quando colocado perante a iminência de contra si ser instaurado inquérito crime, olvidou o ora arguido qualquer alvitre assemelhado que fosse com a omissão de leitura cuidada e integral do auto de inquirição.

    9. E não só seria natural que o tivesse feito, como ao fazê-lo podia mitigar ou mesmo evitar as consequências penais a que, no futuro, estaria sujeito.

    10. Dizem-nos as regras da experiência e a normalidade do acontecer, que alguém quando vislumbra vir a ser criminalmente perseguido, lança mão dos argumentos à sua disposição tendentes a eximir-se daquela responsabilidade.

    11. O ora arguido, não obstante tenha perspectivado a não correspondência do auto de inquirição com aquilo que disse ou pretendeu dizer como circunstância excludente da sua responsabilidade criminal, não invocou este argumento em sede de audiência de discussão e julgamento quando acossado pela instauração de um processo criminal contra si.

    12. Persistiu em tal omissão na contestação que apresentou nos presentes autos.

    13. Não o tendo feito, conclusão única importa retirar – se a justificação era já de si “coxa”, resultou amputada de qualquer pingo de credibilidade.

    14. Acaso o arguido não tivesse, efectivamente, lido e controlado o conteúdo do auto de inquirição, certamente que o teria invocado desde o primeiro momento em que contra si foi instaurado procedimento criminal - é o que os ditames postulados pela experiência comum e normalidade do acontecer impõem que se conclua.

    15. Canhestra, não confirmada por qualquer outro meio de prova e desprovida de credibilidade, alegação assim caracterizada não apresenta virtualidade suficiente para fundadamente pôr em causa a correspondência do conteúdo do auto de inquirição com o sucedido na diligência que este documenta.

    16. Mais entendeu a Meritíssima Juiz a quo ser de atribuir credibilidade à alegação do ora arguido por ser “(…) verosímil que na redução a escrito das declarações então prestadas pelo ora arguido possam ter ocorrido desconformidades entre o que foi escrito e aquilo que o ora arguido disse ou quis significar (…).” 19. Desconformidades aceitamos como possível que sim, mas as discrepâncias assinaladas na acusação não – desde logo, porque estamos perante duas versões do acontecido, absolutamente, incompatíveis entre si.

    17. Não há confusão possível entre “(…) que os autos de medição lhe eram entregues pelo encarregado da C…, que lhe transmitia as horas, quer da máquina, quer da mão-de-obra, bem como os materiais utilizados na obra, no que confiava, limitando-se a contabilizar os custos e a devolver de seguida ao empreiteiro que, por sua vez, os fazia chegar à D…; que, por tal motivo, não podia confirmar que os valores transmitidos pelo encarregado da C… correspondessem efectivamente aos meios e horas empregues em obra” – extracto do depoimento prestado em sede de inquérito – e “(…) verificou e mediu as obras realizadas pela C… nos exactos termos descritos nos autos de medição por si subscritos, respondeu que sim. Disse, então, que apesar de não poder estar fisicamente a toda a hora e em todos os locais da obra, os factos constantes nos autos de medição correspondem à verdade, tendo sido verificado e contado por si, com a ajuda de um seu funcionário, só assinando tais documentos após verificação da sua exactidão em obra, nunca tendo assinado tais autos com base em elementos fornecidos apenas pelos empreiteiros.” – extracto do depoimento prestado em sede de audiência de discussão e julgamento –.

    18. Não há sequer identidade mínima entre aquilo que o arguido sustentou em sede de audiência de discussão e julgamento e aquilo que afirmou em inquérito.

    19. Uma dessintonia absoluta quer se considere parcelarmente quer globalmente os depoimentos prestados pelo arguido - entre o dia e a noite, entre o sol e a lua, entre o vinho e a água, não há equívoco equacionável.

    20. O próprio arguido reconheceu-o em audiência de discussão e julgamento, pelo que alvitrar uma qualquer desarmonia resultante de uma qualquer deficiente interpretação do afirmado pelo arguido pelo órgão de polícia criminal que recolheu o seu depoimento emerge virtualmente impossível.

    21. O detalhe, a minúcia, o pormenor do depoimento prestado em sede de inquérito não se mostra compatível com uma qualquer confusão ou deficiente interpretação do funcionário que o recolheu, ainda para mais quando estamos a falar de um senhor inspector da Policia Judiciária que tem especiais obrigações relativamente à verdade.

    22. A discordância é de tal forma pronunciada que haveria de ter sido resultado de uma vontade pré-ordenada de adulteração.

    23. Para além de nenhuma evidência de tal haja dimanado da prova produzida, o próprio arguido afastou, liminarmente, qualquer propósito de viciar dolosamente o por si dito.

    24. Deveria ter sido dado por provado que, quando inquirido no dia 21 de Setembro de 2010 o arguido prestou declarações nos precisos termos que constam do auto de inquirição de fls. 17 a 22, mormente “(…) que os autos de medição lhe eram entregues pelo encarregado da C…, que lhe transmitia as horas, quer da máquina, quer da mão-de-obra, bem como os materiais utilizados na obra, no que confiava, limitando-se a contabilizar os custos e a devolver de seguida ao empreiteiro que, por sua vez, os fazia chegar à D…; que, por tal motivo, não podia confirmar que os valores transmitidos pelo encarregado da C… correspondessem efectivamente aos meios e horas empregues em obra”.

    25. Ressuma vítreo da transcrição do depoimento prestado pelo ora arguido na qualidade de testemunha na sessão de audiência de discussão e julgamento do Processo Comum Colectivo 362/08.1JAAVR de 23 de Fevereiro de 2012, que o arguido, quando inquirido enquanto testemunha na audiência de discussão e julgamento do Processo Comum Colectivo 362/08.1JAAVR, asseverou, reiterada e peremptoriamente, na qualidade de encarregado de infra-estruturas de construção civil da D…, ter verificado e medido as obras realizadas pela C… nos exactos termos descritos nos autos de medição por si subscritos.

    26. Deveria ter sido dado por provado que, no dia 23 de Fevereiro de 2012, em audiência de discussão e julgamento, em Aveiro, após ter sido advertido que a falta ou falsidade da resposta o poderiam fazer incorrer em responsabilidade penal e de ter prestado juramento, o arguido perguntado sobre se, na qualidade de encarregado de infra-estruturas de construção civil da D…, verificou e mediu as obras realizadas pela C… nos exactos termos descritos nos autos de medição por si subscritos, respondeu que sim.

    27. Concatenando o depoimento do ora arguido com os testemunhos de E…, F… e G… resulta, inequívoco, que o arguido sabia que não verificou os dados constantes nos autos de medição, tendo aceitado os dados que lhe foram entregues pelos encarregados da C… e limitando-se a contabilizar os custos inerentes.

    28. Ainda que titubeantemente, o próprio arguido reconheceu no seu interrogatório a impossibilidade de marcar presença em...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT