Acórdão nº 2246/11.7JAPRT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 11 de Fevereiro de 2015

Magistrado ResponsávelELSA PAIX
Data da Resolução11 de Fevereiro de 2015
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Proc. nº 2246/11.7JAPRT.P1 2º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Santa Maria da Feira (Círculo Judicial de Santa Maria da Feir

  1. Acordam, em Conferência, os Juízes desta 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto: I – RELATÓRIO No 2º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Santa Maria da Feira (Círculo Judicial de Santa Maria da Feira), no processo comum colectivo nº 2246/11.7JAPRT, foi submetido a julgamento o arguido B…, tendo sido proferida decisão com o seguinte dispositivo: Nestes termos julga-se procedente por provada a douta pronúncia, com a convolação jurídica operada e, os Juízes que constituem o Tribunal Colectivo decidem: A) Condenar o arguido B…, pela prática, em autoria material e em concurso real, de dois crimes de abuso sexual de crianças, p. e p. pelos arts. 14°, nº 1, 26° e 171º, nº 1 e um crime de abuso sexual de crianças p. e p. pelos art. 14°, nº 1, 26° e 171º, nº 2, todos do Código Penal/07, respectivamente, nas penas concretas de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses; 2 (dois) anos; e 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão.

    1. Em cúmulo jurídico, condena-se o arguido na pena única de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão efectiva.

    2. Condena-se, ainda, o arguido no pagamento das custas processuais, fixando-se em 4 UC a taxa de justiça devida.

    *Outrossim, julga-se procedente, por provado, o pedido de indemnização civil deduzido pela mãe da menor, C…, na qualidade de representante legal da sua filha menor, D…, contra o demandado B… e, em consequência, condena-se este a pagar àquela, em representação da sua filha menor, a título de compensação por danos não patrimoniais, a quantia de € 10.000,00 (dez mil euros), a que acrescem os correspondentes juros de mora legais, vencidos e vincendos, desde a notificação do pedido, até integral pagamento.

    Custas pelo demandado.

    Após trânsito em julgado: - ordena-se a remessa de boletins à D.S.I.C.; - cópia de decisão à D.G.R.S.

    Notifique e deposite o presente acórdão (arts. 372°, nºs. 4 e 5 e 373°, nº 2, do C.P.P.).

    ***Inconformado com a sentença condenatória, o arguido B… veio interpor recurso, terminando a motivação com as seguintes conclusões (transcrição): I.

    O Recorrente foi condenado pela prática em autoria material, como autor material e em concurso real na prática de dois crimes de abuso sexual de crianças, p. e p. pelos arts 14º., nº. 126 e 171 nº. 1 e um crime de abuso sexual de crianças p. e p pelos art.14 nº. 126 e 171 nº. 2 todos do Código Penal/07, respetivamente, nas penas concretas de 1 (ano) e 4 (quatro) meses; 2 (dois) anos e 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão.

    Efetuado o cúmulo jurídico foi o arguido condenado na pena única de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão efetiva.

    II.

    O Tribunal “a quo” deu como provados todos os factos constantes da acusação.

    III.

    Formando a sua convicção nas declarações para memória futura, prestadas pela menor D…, às quais foi atribuída total credibilidade, IV.

    Salvo o devido respeito, o Tribunal “a quo” julgou incorrectamente os referidos factos, porquanto em relação aos mesmos a prova foi, manifestamente, insuficiente e contraditória.

    V. Com efeito, da prova produzida não ficou minimamente demonstrado que: - O arguido decidiu aproveitar-se da presença da menor em sua casa para satisfazer a sua libido.

    - Para o efeito, muito contribuiu o facto de a menor gostar de brincar com o gato daquele, de nome E…, gato esse que, não raras vezes, se refugiava nos quartos, indo a menor no seu encalço.

    - Assim, em data não concretamente apurada, mas por volta de Setembro de 2011, numa tarde em que D… se encontrava na residência de B… e esposa, e aproveitando-se do facto de a menor ter ido atrás do gato E…, até um dos quartos da residência, o arguido foi no seu encalço.

    - Quando a menor se encontrava agachada, a procurar o dito animal por baixo da cama de um dos quartos, o arguido abaixou-se também e, de seguida, colocou a sua mão por dentro das cuecas que a menor envergava, tocando-lhe na vagina e nádegas.

    - Perante tal atitude, com que não contava e que, à data, não percebeu, D… sorriu.

    - Tais factos repetiram-se, em modo em tudo similar, entre Setembro e 3 de Dezembro de 2011, por um número de vezes concretamente não apurado. Ocorriam sempre ao fim-de-semana, única altura em que a menor ali ia.

    - Na verdade, por diversas vezes em que a menor se deslocou a sua casa e procurou o gato E…, o arguido foi no seu encalço e, assim que a menor se abaixou junto de uma cama para ir buscar o referido animal, B… passou-lhe a mão pela vagina e nádegas.

    - Não satisfeito, e sempre para satisfação da sua libido, uma vez, em data concretamente não apurada, mas naquele mesmo período de tempo, em que a menor se deslocou a sua casa, B… pegou na menor e friccionou o seu pénis contra a zona genital daquela. Manteve-se assim durante alguns segundos. O arguido aproveitou-se sempre do facto de a menor correr atras do seu gato, na direção dos quartos da residência, indo aquele também no seu encalço.

    - De uma outra vez, também na sua residência e no referido período, num dia de fim-de-semana, em inícios de Dezembro de 2011, aproveitando-se do facto de a menor D… se encontrar deitada em cima da cama de um dos quartos, a fazer festas ao gato E…, o arguido aproximou-se da menor, subiu a saia que a mesma envergava, despiu-lhe as cuecas e afastou-lhe as pernas. Não sem que antes lhe dissesse: "Posso lamber a tua pombinha?" - Acto contínuo, B… passou a sua língua, em movimentos ascendentes e descendentes, pela vagina da menor, assim se mantendo durante algum tempo. D… pediu-lhe, então, que parasse, pois que a estava a magoar.

    - B… acabou por aceder a tal pedido, ao fim de algum tempo.

    - D… apenas contou a sua mãe quando esta reparou que a menor apresentava a vagina ruborizada. Na verdade, o arguido havia-lhe pedido para que não contasse a ninguém nada do sucedido.

    - B… actuou com o propósito, conseguido, de praticar com a menor D… actos de cariz sexual como sejam os actos supra descritos, inclusive de coito oral, na consumação do plano que delineara de satisfazer a sua libido com aquela.

    VI.

    A prova produzida impunha decisão diversa da obtida pelo Tribunal “a quo”, pelas seguintes razões: 1. Do depoimento do arguido não foi valorada qualquer afirmação contrária aos factos da acusação; 2. O Tribunal “a quo” não atendeu, desvalorizando completa e injustificadamente, o depoimento das testemunhas apresentadas pelo arguido, incorrendo em erro notório na apreciação da prova; 3. O Tribunal “a quo” não atendeu, desvalorizando completa e injustificadamente, as afirmações das testemunhas de acusação e do pedido de indemnização civil, quando estas se contrariam entre si e contrariaram o sentido da decisão de condenação, incorrendo também aqui em erro notório na apreciação da prova.

    VII.

    Pelo que, se o Tribunal “a quo” conjugasse toda a prova, como se esperava, resultaria uma decisão oposta, considerando, no mínimo, a dúvida sobre a prática dos alegados comportamentos ilícitos.

    VIII. O Tribunal “a quo” decidiu com base em factos que deu como provados, sem atender às declarações do arguido e a toda a prova testemunhal apresentada pelo Recorrente, tornando-se evidente a insuficiência para a decisão da matéria de facto, violando, ainda, o princípio do “in dubio pro reo”, os artigos. 32º, nº 2 da C.R.P. e os artºs. 127º, 340º, nº 1, do 374º, todos do C.P.P; IX.

    Ao não admitir a prova requerida pelo arguido, o Tribunal “a quo” coartou ao arguido os mais elementares direitos que constitucionalmente lhe são consagrados.

    Não sendo assegurado o princípio elementar do contraditório ao arguido, por falta da notificação nos termos e para os efeitos do artº 271 nº 3 foram desrespeitados portanto todos os direitos de defesa do mesmo, impossibilitando no decurso de todo o processo judicial a descoberta da verdade material dos factos, primordial no processo penal, impedindo assim que a justiça se faça de uma forma igual justa e equitativa para todos os interessados na causa.

    Ao não ser respeitado o contraditório de todas as provas apresentadas foi assim violado o artº 32º nº 5 da CRP.

    Também e de igual modo e ao não ser deferida a audição da menor em sede de audiência de julgamento, não foi respeitado o princípio do contraditório e o princípio da verdade material, sendo assim violado o disposto no artº 340, nº 1 do C.P.P.

    In casu estando em causa uma decisão que afetará de forma irreparável o futuro do arguido e considerando a evidente contradição relativamente aos factos constantes da acusação, contestação e depoimento das testemunhas, verificava-se necessária a audição da menor a fim da mesma vir esclarecer o Tribunal.

    X.

    O arguido/recorrente não pode concordar também, mesmo que se entenda pela sua condenação, pela alteração da qualificação jurídica dos factos constantes da acusação pública ao abrigo do disposto no artº 358º nº 3 do C.P.P.

    Cada um dos vários actos do arguido (segundo entendimento do tribunal) ocorreu no mesmo contexto situacional no referido período na sua residência e tendo como motivo o gato, comandado por uma única resolução e traduziu-se numa única lesão do bem jurídico protegido.

    Cada um desses actos constituiu um momento ou parcela de um todo projectado Assim, mesmo sendo praticados vários atos subsumíveis à previsão do tipo legal de crime, se se inserirem na conduta global do agente e estiverem abrangidos pela resolução criminosa inicial, nada impede que se qualifique como tratando-se de um único crime de trato sucessivo” Andou mal, salvo o devido respeito, o Tribunal a quo, ao ter alterado a qualificação jurídica, aumentando o número de crimes imputados ao ora arguido contra o entendimento da Digna Procuradora (vide alegações da mesma) e da Mma Juiz de Instrução.

    Devendo assim (a considerar-se o arguido culpado dos factos de que vem acusado) ser o mesmo condenado por um único crime de abuso sexual de crianças p. e p. nos termos do art.º 171º n.º 1 e 2 do C. Penal, decidindo-se em consequência pela alteração da pena...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT