Acórdão nº 173/11.7TBPRG.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 09 de Fevereiro de 2015

Magistrado ResponsávelCARLOS GIL
Data da Resolução09 de Fevereiro de 2015
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

173.11.7TBPRG.P1 Sumário do acórdão proferido no processo nº 173/11.7TBPRG.P1 elaborado pelo seu relator nos termos do disposto no artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil: 1. A alteração anormal das circunstâncias fundamentadora de resolução ou modificação contrato bilateral requer, além do mais, que tal alteração respeita a ambas as partes no negócio.

  1. Deve considerar-se previsível que a entidade dona de um reservatório de gás instalado para o fornecimento de gás a um ex-cliente, possuidora do necessário “know-how” e atenta a perigosidade de tal objecto, o venha a remover, suportando as despesas com a sua desactivação, levantamento e transporte.

  2. Os custos com a requalificação de um reservatório dependentes de uma decisão futura da dona do reservatório não devem considerar-se certos para efeitos de obrigação de indemnização.

    *** * ***Acordam, em audiência, os juízes abaixo-assinados da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto: 1. Relatório A 25 de Fevereiro de 2011, no Tribunal Judicial da Comarca de Peso da Régua, B…, SA instaurou acção declarativa sob forma sumária contra C… pedindo a condenação do réu ao pagamento da quantia de € 528,60 relativos à devolução de parte da comparticipação adiantada, € 3.572,40 correspondentes à proporção do investimento feito na rede de gás, relativa ao tempo do contrato não cumprido pelo réu, € 4.908,00 relativos aos encargos com o levantamento, desactivação, transporte e requalificação do depósito, tudo acrescido de juros de mora contados à taxa supletiva legal sobre o total daquelas quantias desde a citação do réu e até efectiva liquidação.

    Para firmar as suas pretensões, o autor alegou, em síntese: no exercício da sua actividade de comercialização de combustíveis líquidos e gasosos acordou com o réu, a 21 de Julho de 2005, fornecer-lhe e este adquirir-lhe o gás a granel necessário às suas instalações em …, Peso da Régua, durante o período de dez anos, a contar da data do primeiro abastecimento posterior à assinatura do contrato; no pressuposto de que o contrato seria cumprido pelo prazo de dez anos, a autora acordou com o réu proceder à remodelação dos equipamentos de gás instalados, de que já era proprietária, despendendo € 5.605,51, na rede de gás, € 250,00, em transporte e € 200,00 em taxas referentes ao equipamento; no mesmo pressuposto concedeu ao réu uma comparticipação, em gás, no valor de € 700,00, diferencial de transporte incluído e IVA não incluído, que seria creditada, na conta corrente do réu, imediatamente após aquele contrato; acordaram que caso o réu deixasse de consumir aquele gás, ficava obrigado a indemnizar a autora pelo valor do referido investimento, na proporção dos consumos não realizados para o consumo acordado e a devolver-lhe do valor da referida comparticipação, em idêntica proporção, actualizada à taxa equivalente à estabelecida pelo decreto-lei nº 138/98, de 16 de Maio; acordaram ainda que caso o contrato se extinguisse por facto imputável ao réu, sem prejuízo de outras indemnizações a que houvesse lugar, correriam por conta dele as despesas com o levantamento das instalações; a autora procedeu ao primeiro abastecimento de gás ao réu em 01 de Setembro de 2005, tendo-lhe fornecido 1.080 quilogramas de gás nesse ano, 4.670 quilogramas de gás em 2006, 6.387 quilogramas de gás em 2007, 8.317 quilogramas de gás em 2008 e 1.021 quilogramas de gás em 2009; por carta datada de 20 de Janeiro de 2009, o réu declarou proceder à rescisão daquele contrato, para passar a ser abastecido pela rede de gás natural, concorrente da autora; com os encargos com o levantamento, desactivação e transporte do depósito de gás instalado, a autora despenderá € 1.080,00 e terá de despender com a requalificação do reservatório, se quiser utilizá-lo noutra instalação, a importância de € 3.828,00.

    Efectuada a citação do réu, este contestou pugnando pela parcial procedência da acção alegando: na altura em que o contrato foi celebrado não existia algum concorrente da ré que fornecesse gás na zona, nem isso era previsível; a resolução do contrato efectuado por carta de 20 de Janeiro de 2009 foi antecedida de diversos contactos tendentes à extinção do contrato por mútuo acordo, em face da modificação das circunstâncias em que foi celebrado, já que o abastecimento do réu com gás natural seria para si muito mais vantajoso, verificando-se assim uma relevante alteração superveniente da base contratual; desconhece os custos de remodelação dos equipamentos de gás instalados, custos de todo o modo indispensáveis à efectivação do fornecimento acordado e, por isso, da exclusiva responsabilidade da autora; os custos com o levantamento, desactivação e transporte do depósito de gás instalado e com a requalificação do reservatório não são imputáveis ao réu no quadro de uma resolução contratual legítima, estando o réu apenas disposto a reembolsar a autora o montante de € 528,60 relativos à devolução de parte da comparticipação adiantada.

    A autora respondeu sustentando que em 2005 era já previsível que a Régua viria a beneficiar do fornecimento de gás natural e que, de todo o modo, é questionável que o fornecimento com gás natural seja mais vantajoso, concluindo pela inverificação de fundamento legal para a resolução do contrato.

    Realizou-se uma infrutífera tentativa de conciliação, após o que se fixou o valor da causa, proferiu-se despacho saneador tabelar e procedeu-se à condensação da factualidade considerada relevante para a boa decisão da causa, discriminando-se os factos assentes, dos controvertidos, estes últimos a integrar a base instrutória.

    A autora reclamou contra a condensação da matéria de facto, com fundamento em deficiência, tendo ambas as partes oferecido as suas provas.

    A reclamação contra a condensação da matéria de facto foi parcialmente deferida, sendo admitidas as provas oferecidas pelas partes.

    Realizou-se a audiência de discussão e julgamento em cinco sessões, ao longo de mais de um ano[1], após o que foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente por provada, condenando o réu a pagar à autora a quantia de € 8.561,00, acrescida de juros de mora desde a citação até efectiva liquidação, à taxa legal em cada momento em vigor nos termos da Portaria nº 291/03, de 08 de Abril.

    Inconformado, o réu interpôs recurso de apelação terminando as alegações com as seguintes conclusões: A. Tem o presente recurso por objeto a reapreciação em matéria de facto, com a reapreciação da prova testemunhal gravada em sede de julgamento e da prova documental apresentada ao longo das diversas fases da instância, com inerente alteração da factualidade provada e ainda, em matéria de direito, a demonstração da errada interpretação e aplicação do direito substantivo, tudo tendo em conta as questões que foram elencadas na fundamentação da sentença recorrida e que, na óptica do Tribunal “a quo”, conduziram à procedência parcial da ação.

    1. São elas a ocorrência de justa causa para resolução do contrato por alteração das circunstâncias e as consequências de tal incumprimento, nomeadamente a existência de crédito da Recorrida sobre a Recorrente.

    2. Isto porque, em causa está a apreciação de um suposto incumprimento, por parte do Réu, do contrato de fornecimento de gás propano a granel celebrado com a Autora.

    3. Quanto à primeira questão elencada, a não previsibilidade para ao consumidores finais do abastecimento de gás natural, na cidade de Peso da Régua, em 21.07.2005, foi em síntese sustentado na sentença recorrida que “verifica-se, portanto, que a Ré (recorrida) não logrou demonstrar a ocorrência de justa causa que lhe permitisse colocar um fim de contrato, pelo que a cessação do contrato por si operada é de considerar ilícita, pois ocorreu em circunstâncias em que nem a lei, nem o contrato lho permitiam”.

    4. Esta matéria encontra-se quesitada no artigo 8.º da base instrutória com a seguinte formulação “… cujo abastecimento não era previsível quando da celebração do acordo referido em B)”, isto é, em 21.07.2005.

    5. Em causa está, pois, saber se quando o Réu celebrou com a Autora, em 2005, um contrato de fornecimento de gás propano a granel, durante um período de 10 anos a contar da data do primeiro abastecimento, era então previsível a possibilidade de num futuro próximo ter ao seu dispor a alternativa de fornecimento por gás natural.

    6. A este quesito, e após a produção da prova, o Tribunal recorrido respondeu que se trata de facto não provado.

    7. Sobre esta questão, no entendimento do Recorrente, foi produzida prova abundante que justificava decisão em sentido diverso.

      I. Por concordância de ambas as partes, ficou desde logo assente que em 21.07.2005 foi celebrado entre a Autora e Réu um contrato de fornecimento de gás propano a granel, por um período de 10 anos, a contar da data do primeiro abastecimento (01.09.2005) e que o contrato foi rescindido pelo Réu, em Janeiro de 2009, para passar a ser abastecido de gás natural.

    8. Provado ficou também, sem margem para dúvidas, que à data da celebração do contrato (2005), o Réu não tinha alternativa a abastecer-se por outro tipo de gás, porquanto a rede de abastecimento de gás natural apenas se alargou à cidade da Régua em 2007.

    9. Ora, no tocante à prova documental, foi junto pelo Réu os documentos de fls 92 e 93, nomeadamente placa de inauguração da D…, onde consta expressamente que a inauguração da D… ocorreu em 4 de julho de 2007 e Boletim Informativo da E…, empresa comercializadora de gás natural de Peso da Régua, referente ao 2.º semestre de 2007, onde se dá notícia da chegada do gás natural a esta cidade.

      L. Pode assim extrair-se a leitura destes documentos que a divulgação da chegada do gás natural à cidade de Peso da Régua apenas ocorreu no ano de 2007.

    10. Pela Autora, foi junto sob documento n.º 3 da petição inicial a carta através da qual o Réu comunicou à Autora “(…) gostaríamos de expor novamente o nosso interesse em rescindir o contrato de gás a granel. Este nosso interesse tem fundamento nas...

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