Acórdão nº 171/04.7GBAMT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 26 de Maio de 2015

Magistrado ResponsávelNETO DE MOURA
Data da Resolução26 de Maio de 2015
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo n.º 171/04.7 GBAMT.P1 Recurso Penal Relator: Neto de Moura Acordam, em conferência, na 1.ª Secção (Criminal) do Tribunal da Relação do Porto: I - Relatório No âmbito do processo comum que, sob o n.º 171/04.7 GBAMT, corre, agora, termos pela Instância Central de Penafiel, Secção Criminal, da Comarca do Porto Este, B…, devidamente identificada nos autos, foi submetida a julgamento por tribunal colectivo, acusada pelo Ministério Público da prática, em autoria material e em concurso real, de três crimes de burla simples, um crime de usurpação de funções e dois crimes de falsificação de documento.

C…, devidamente identificado, requereu e foi admitido a intervir nos autos como assistente e deduziu pedido de indemnização civil contra a arguida.

Realizada a audiência[1], com documentação da prova nela oralmente produzida, após deliberação do Colectivo, foi proferido acórdão (fls. 334 e segs.), datado de 10.01.2007 e depositado na mesma data[2], com o seguinte dispositivo: “PARTE CRIMINAL Pelo exposto, os Juízes deste Tribunal Colectivo, julgando parcialmente procedente e provada a douta acusação pública, acordam em: 1.º - Condenar a arguida B…, como autora material: a) De um crime de burla simples, p. e p. pelo artigo 217º, nº 1, do Código Penal, na pena de 1 (um) ano de prisão; b) De um crime de burla simples, p. e p. pelo artigo 217º, nº 1, do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão; c) De um crime de usurpação de funções, p. e p. pelo artigo 358º, al. b), do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 2 (dois) meses de prisão; d) De dois crimes de uso de documento falso, p. e p. pelo artigo 256º, nº 1, al. c) e nº 3, todos do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão por cada um deles.

e) Em cúmulo, vai a arguida condenada na pena única de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão.

  1. - Absolver a arguida B… de um crime de burla simples, p. e p. pelo artigo 217º, nº 1, do Código Penal, de que vinha acusada.

  2. - Mais se condena a arguida nas custas do processo, fixando-se a procuradoria e taxa de justiça no mínimo PARTE CÍVEL Julgar o pedido cível parcialmente procedente, por parcialmente provado e, em consequência, condenar a demandada B… a pagar ao demandante a quantia de 250 euros, acrescida dos respectivos juros legais, contados desde a data da notificação do pedido até efectivo e integral pagamento”.

Inconformada, a arguida veio interpor recurso do acórdão condenatório para este Tribunal da Relação, com os fundamentos explanados na respectiva motivação, que condensou nas seguintes conclusões (em transcrição integral): 1. “A arguida, ora recorrente foi condenada, como autora material por dois crimes de burla, um crime de usurpação e funções e dois crimes de uso de documento falso, em cúmulo jurídico na pena única de três anos e seis meses de prisão.

  1. Não pode a arguida conformar-se com o douto acórdão por entender estar violado o dever de fundamentação, o acórdão ser nulo por falta de elaboração do relatório social, a medida da pena ser excessiva e por isso se encontrar violado o artigo 70.0, e dever ter sido suspensa a execução da pena, estando violado o artigo 50.0 do CP.

  2. A decisão proferida encontra-se, salvo o devido respeito, deficientemente fundamentada, com violação do disposto no art.º 371°, nº 1 do C.P.P, verificando-se em alguns casos, uma ausência da mesma.

  3. A fundamentação da decisão de facto impõe o exame crítico do conteúdo de todas as provas produzidas, não libertando o julgador das provas que se produziram nos autos, pois é com elas e com base nelas que terá que decidir, já que quod non est in actis non est in mundo.

  4. Percorrendo a motivação da decisão sobre a matéria de facto, não encontramos sobre os factos 13 e 14 qualquer referência por mínima que seja. Efetivamente no facto dado como provado sob o nº 13 chega-se à conclusão de que a arguida bem sabia e não podia ignorar que os ditos cheques tinham proveniência ilícita, que haviam sido furtados, que os elementos cartulares deles constantes não tinham sido apostos pelo seu legítimo titular e que as assinaturas tinham sido falsificadas. Percorrendo toda a motivação não se vislumbra de onde se retirou tal conclusão, nomeadamente de que a arguida tinha conhecimento da proveniência ilícita dos cheques, bem como, da falsidade da sua assinatura.

  5. Do mesmo modo o Tribunal "a quo" deu como provado no facto 14 dos factos dados como provados de que a arguida pretendeu obter benefícios patrimoniais com tais cheques, bem sabendo da proveniência ilícita dos mesmos, bem como tinha conhecimento de que eram abusivamente preenchidos.

  6. Percorrendo toda a motivação não existe qualquer fundamentação para tal facto, para dar como provado que a arguida sabia da proveniência ilícita de tais cheques, bem como que estes tinham sido abusivamente preenchidos e que pretendeu obter um benefício patrimonial com os mesmos. Efetivamente o Tribunal "a quo" não fundamentou tais factos, uma vez que não existia suporte para tal fundamentação.

  7. Deveria o Tribunal "a quo" ter fundamentado devidamente a sua motivação, isto é deveria dizer que dá determinado facto como provado por isto ou por aquilo e não repetir o teor do facto pura e simplesmente, isto nos termos do art.º 374 do CPP, encontrando-se o Acórdão ferido de nulidade, atento o disposto no art.º 379, n.º 1, sendo este o momento para arguir tal nulidade nos termos do n.º 2 do mesmo artigo.

  8. O Tribunal face ao facto da arguida ter sido julgada na ausência e à ausência de prova quanto à sua inserção pessoal, familiar e aos seus rendimentos económicos deveria para a determinação da sanção ordenar a realização do relatório social, pois só assim, daria estrito cumprimento ao disposto no artº 71 º, n.º 2 do Código de Processo Penal.

  9. Apenas com a realização do relatório social o Tribunal "a quo" poderia dar cumprimento ao disposto no artº 71°, nº 1 e 2, al. d) do Código Penal. Ao não agir nesta conformidade o Tribunal "a quo" violou o disposto no artº 71°, nº 2, al. d) do C.P. e artº 370°, nº 1 do C.P.P, o que implica a nulidade da sentença, nos termos do disposto no artº 379°, nº 1, al. e) do C.P.P. Padece portanto de inconstitucionalidade o artigo 370°, nº 1 do CPP quando interpretado no sentido da não obrigatoriedade da solicitação do relatório social quando não haja outros elementos de prova, por violação do estatuído no artigo 32°, nº 1 da CRP.

  10. Sem prescindir do que se disse supra sempre se dirá que importa neste ponto, debruçamo-nos sobre a medida da pena.

  11. Parece-nos que, salvo o devido respeito por melhor opinião, a ter em consideração os factos dados como provados, o Tribunal "a quo" na determinação da medida da pena não apreciou devidamente as circunstâncias que depõe a favor da arguida. De harmonia com o já citado art.º 77.0, n.º 1 do Código Penal na medida da pena do concurso são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.

  12. Na fixação da pena única do concurso há que partir da visão integrada de todos os crimes que integram o concurso e apurar de que modo é que essa visão do conjunto se reflete na personalidade do agente, ou seja, se denota uma personalidade tendencialmente desviante das normas do dever ser penal ou se a pluralidade de infrações se deveu a meros fatores circunstanciais.

  13. A pena única a aplicar à arguida deverá ser encontrada dentro da seguinte moldura do concurso que se encontra entre 1 anos e 6 meses e 5 anos e 2 meses.

  14. Na graduação da pena única a aplicar há que considerar, o conjunto dos factos e da personalidade do agente.

  15. A arguida foi condenada, em cúmulo na pena de 3 anos e 6 meses de prisão para efetivo cumprimento, o que, sendo exagerado se enquadra na moldura abstrata.

  16. No nosso sistema, a pena conjunta pretende ajustar a sanção - dentro da moldura formada a partir de concretas penas singulares - à unidade relacional de ilícito e de culpa, fundada na conexão auctoris causa própria do concurso de crimes.

  17. Parece-nos que a pena aplicada à ora recorrente de prisão efetiva de 3 anos e 6 meses é excessiva para além de que violou o disposto no artº 71° do C.P.P, ao não ter em consideração na determinação da medida da pena todos os factos que depuseram a favor da arguida.

  18. A pena aplicada à arguida, atentos os fundamentos da medida da mesma e as circunstâncias que o Tribunal "a quo" deu como provado e não valorou na determinação da medida da pena é manifestamente desadequada, por desajustada quer à culpa, quer às exigências de prevenção.

  19. A pena será assim medida pela necessidade de evitar a produção de lesões futuras semelhantes por qualquer outro membro da comunidade ou mais exatamente de acordo com as necessidades de estabilização das expectativas na validade do direito por parte da comunidade em face da lesão dos bens jurídicos.

  20. A ausência de factos dados como provados quanto ás condições pessoais, sociais e económicas da arguida viola claramente o disposto no artº 71° e 72° do C.P.P. Não tomou em devida consideração a conduta da arguida posterior prática dos factos.

  21. Ora os factos pelos quais a arguida foi condenada foram praticados há mais de 10 anos a esta parte, facto que deve ser ponderado positivamente na determinação da medida da pena e em benefício da arguida, o que o Tribunal "a que" não valorou.

  22. Do mesmo modo não valorou o Tribunal "a quo" a inserção pessoal, familiar, social e profissional da arguida, que desde 2004 que se encontra a trabalhar no estrangeiro onde se encontra inserida profissionalmente e socialmente. Do mesmo modo a arguida encontra-se inserida familiarmente, encontrando-se casada e com três filhos, sendo que dois deles já estão formados e a trabalhar.

  23. Para além de que, na determinação da medida concreta da pena deve o julgador atender à culpa do agente, às exigências decorrentes do fim preventivo geral e especial.

  24. Exercendo uma cuidada análise da materialidade vertida no douto acórdão proferido em primeira instância permitir-se-ia concluir pela...

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