Acórdão nº 638/12.3TBFLG.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 16 de Dezembro de 2015
Magistrado Responsável | FERNANDO SAM |
Data da Resolução | 16 de Dezembro de 2015 |
Emissor | Court of Appeal of Porto (Portugal) |
Processo n.º 638/12.3TBFLG.P1 Do Tribunal da Comarca do Porto Este - Instância Central de Penafiel - Secção Cível – J3 e antes do 2.º Juízo do Tribunal Judicial de Felgueiras, entretanto extinto, onde deu entrada em 28/3/2012.
Relator: Fernando Samões 1.º Adjunto: Dr. Vieira e Cunha 2.º Adjunto: Dr.ª Maria Eiró*Acordam no Tribunal da Relação do Porto – 2.ª Secção: I. Relatório B…, residente em …, Amarante, instaurou a presente acção declarativa com processo ordinário contra C…, SA, com sede na Av.ª …, Lisboa, pedindo que o réu seja condenado a restituir-lhe a quantia de 100.000,00 €, acrescida de juros moratórios, à taxa legal, desde 23 de Fevereiro de 2009 e até integral pagamento.
Para tanto, alegou, em resumo, que, no âmbito da sua actividade, o réu ofereceu-lhe aplicações a prazo que estava a comercializar, garantindo-lhe que não comportavam qualquer risco e que eram 100% seguras, pelo que, convencido que estava a fazer um depósito a prazo, entregou ao demandado 100.000,00 €, que ele aplicou em papel comercial da D… e que jamais lhe restituiu.
O réu contestou, excepcionando a prescrição e impugnando parte da matéria alegada, concluindo pela improcedência da acção.
O autor replicou, impugnando a matéria alegada na contestação e concluindo pela improcedência da excepção e como na petição inicial.
Dispensada a audiência prévia, foi proferido despacho saneador tabelar, foi identificado o objecto do litígio e foram enunciados os temas da prova, sem reclamações, após o que teve lugar a audiência de discussão e julgamento.
Concluída esta, foram as partes notificadas para, querendo, se pronunciarem quanto a uma eventual verificação da excepção de nulidade do contrato, alegadamente celebrado entre elas, por inobservância da forma legal, tendo o autor concordado com o conhecimento oficioso dessa nulidade que ele também invocou “expressamente … para todos os efeitos legais”, enquanto o réu nada disse.
Finalmente, em 23/4/2015, foi lavrada douta sentença que, julgando a acção parcialmente procedente, decidiu condenar o réu a entregar ao autor a quantia de 100.000,00 € (cem mil euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal, “desde o eventual trânsito em julgado da presente decisão até efectivo e integral pagamento”, absolvendo-o do resto do pedido.
Inconformado com essa sentença, o réu interpôs recurso para este Tribunal e apresentou a sua alegação com as seguintes conclusões: “I. O Tribunal “a quo” qualificou a relação jurídica entre o Banco Recorrente e o Autor como “contrato de intermediação financeira”, qualificação esta com a qual o recorrente concorda em absoluto.
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No caso em apreço o Banco Recorrente surge como intermediário financeiro e o Autor como investidor.
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A intermediação teve como objecto mediato o Papel Comercial emitido pela D…, S.A. conforme os pontos 11, 12 e 13 dos factos dados como provados.
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O negócio jurídico de cobertura seria a intermediação financeira, a colocação por parte do banco recorrente do papel comercial da D… e o negócio de execução seria a própria subscrição do papel comercial por parte do autor.
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É o negócio de cobertura, celebrado entre o autor e o banco recorrente que é regido pelas regras previstas no Código dos Valores Mobiliários e que se consubstancia, na sua essência, num contrato de mandato.
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No caso da intermediação em causa nos presentes autos não foi respeitado o requisito de forma previsto no artigo 321º do CVM.
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Efectivamente não foi o contrato de intermediação em causa reduzido a escrito limitando-se a ordem de aquisição do papel comercial a constar de uma instrução de cliente, não se mostrando cumprido o conteúdo mínimo do contrato previsto no artigo 321º‐A do CVM.
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A falta de requisito de forma implica, como refere a sentença recorrida, a nulidade do contrato nos termos do artigo 220º do Código Civil.
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Não pode no entanto o recorrente concordar com os efeitos que a sentença recorrida retira desta declaração de nulidade.
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Parece ao recorrente, salvo melhor opinião, que a sentença recorrida confunde o negócio de cobertura com o negócio de execução.
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O negócio declarado nulo foi o negócio de cobertura, o contrato de intermediação financeira. São as prestações decorrentes deste negócio/contrato que devem ser devolvidas nos termos do artigo 289º do Código Civil.
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A nulidade do negócio de cobertura não pode implicar que o intermediário devolva aquilo que não recebeu. Quem recebeu o capital investido foi, obviamente, a entidade emitente do Papel Comercial, ou seja a D…, S.A..
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Não poderia assim o banco recorrente ser condenado a restituir os 100.000€ por força da nulidade do contrato de intermediação uma vez que não recebeu esta prestação do autor na execução deste contrato.
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A entrega deste valor constituiu execução do negócio de execução, passe a redundância, negócio este que se desenrola entre o autor e a entidade emitente ainda que através do mandato conferido ao banco recorrente.
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A responsabilidade civil prevista no artigo 485º é uma responsabilidade extra-contratual e prescreve no prazo indicado pelo artigo 498º do Código Civil, ou seja no prazo de 3 anos a partir da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete.
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O autor teve conhecimento da falta de pagamento do papel comercial em 22 de Fevereiro de 2009, quando não lhe foi disponibilizado o valor investido.
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A presente acção deu entrada no tribunal a 28 de Março de 2012, mais de três anos após aquela data e como tal o direito do autor estava já prescrito, prescrição que foi alegada pelo banco recorrente na sua contestação.
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As informações prestadas, e que no essencial constam dos pontos 11, 12, 30, eram à data verdadeiras.
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O investimento em papel comercial era considerado, à época, um investimento seguro.
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Tratava‐se efectivamente de um produto com capital e juro garantido na data de vencimento, à semelhança do depósito a prazo.
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As informações prestadas, e consequentemente o conselho de investimento, eram adequadas à informação e realidade daquele momento temporal, e mostravam‐se, à época, adequados ao investidor em causa.
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A nacionalização e a forma como foi efectuada eram obviamente eventos de todo inesperados que não poderiam estar nas cogitações dos funcionários do banco no momento em que colocaram o produto.
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O Tribunal fez uma incorrecta interpretação e utilização das normas contantes dos artigos 289º, 485º e 489º do Código Civil.
Termos em que se requer a V. Exas. se revogar a decisão recorrida absolvendo o Recorrente do pedido deduzido pelo Autor”.
O autor contra-alegou e interpôs recurso subordinado, formulando as seguintes conclusões: “
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Salvo no tocante aos juros a douta sentença ora sob recurso de apelação não merece a mais leve censura, uma vez que, com simplicidade e clareza, se limita a aplicar a lei aos factos.
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Em face da causa de pedir e dos pedidos apresentados pela autora/recorrida, percebe-se claramente que esta pretendia que o tribunal ad quo condenasse a ré no pagamento à autora da quantia de 100.000 €, a que acrescem juros moratórios desde a citação.
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Como o objecto de recurso é definido pelas conclusões do recorrente, nos termos do artigo 684.º, 684.º-B e 685.º-A, ambos do código de processo civil (artigo 636.º, 637.º e 639.º, do código de processo civil, na redacção dada pela lei n.º 41/2013, de 26 de junho) as questões fundamentais do presente recurso são a invalidade contratual, prescrição, irresponsabilidade da ré e os juros mercê do recurso subordinado apresentado.
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A ré/recorrente não colocou em causa a matéria de facto dada como provada pelo tribunal ad quo, logo os factos dados como provados em primeira instância têm de ser considerados como assentes.
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A Meritíssima Juíza ad quo declarou que o contrato de intermediação financeira não obedeceu à forma legal sendo nulo, e consequentemente ordenou a restituição de tudo o que foi prestado.
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O tribunal com o rigor jurídico que o caracteriza fez a subsunção dos factos à hipótese da responsabilidade civil do banco por conselho, recomendações e informações e após uma exaustiva análise e fundamentação acabou por concluir que sempre “existiria responsabilidade do banco, quer porque nos preliminares do contrato informou o autor que estava garantido o retorno, quer assim não sucedeu, decorrendo a sua responsabilização do disposto no artigo 227.º do CC, quer porque ao celebrar o contrato, persistiu na mesma informação ou conselho, violando os ditames da boa fé negocial, nos moldes estabelecidos no artigo 762.º do C. Civil”.
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Os contratos de intermediação financeira podem assumir diversas espécies, consoante o respectivo conteúdo mas todos assumem a natureza de um contrato de prestação de serviços ou de mandato, consoante a natureza da obrigação assumida pelo intermediário financeiro (um resultado ou actos jurídicos).
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Verifica-se não ter existido a formalização de qualquer contrato-quadro (contrato de intermediação financeira) celebrado entre o banco réu e o autor, pelo que o contrato é nulo.
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Os bancos dedicam-se à prática de actos bancários, com carácter profissional e habitual, com vista à obtenção do lucro, para o que constroem uma estrutura e orgânica com vista à realização de tal escopo e á salvaguarda dos direitos e interesses de quem procura os seus serviços, que neles depositam confiança nos serviços e informações que lhe são prestados, no âmbito da realização ou preparação de actos e contratos bancários.
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No domínio bancário impõem-se especiais obrigações a cargo dos bancos que constam além do mais das regras legais que disciplinam a actividade bancária (decreto-lei 1/2008, de 03 de janeiro).
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Estas obrigações são emanações e especiais concretizações do princípio geral que domina a actividade negocial: a boa-fé, que abrange os deveres de proteção, lealdade e de informação, implicando este último o dever de conselho, de advertência, de esclarecimento, de verdade e transparência.
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A obrigação de indemnizar resulta do preenchimento de diversos pressupostos: o...
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