Acórdão nº 12203/05.7TBMAI.P2 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 16 de Dezembro de 2015

Magistrado ResponsávelMANUEL DOMINGOS FERNANDES
Data da Resolução16 de Dezembro de 2015
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo nº 12203/05.7TBMAI.P1-Apelação Origem-Comarca do Porto-Maia-Inst. Local-Secção Cível-J1 Relator: Manuel Fernandes 1º Adjunto Des. Rita Romeira 2º Adjunto Des. Caimoto Jácome 5ª Secção Sumário: I-Quando a parte junte documentos já em plena audiência de julgamento e respeitado que seja o princípio do contraditório, a sua confrontação com a prova testemunhal não é um acto que a lei imponha ou determine, tendo de ser requerido ou oficiosamente determinado.

II-O dever de fundamentação da matéria de facto, previsto no artigo 607.º, nº 4 do CPCivil não se confunde com o dever de fundamentação da decisão final nos termos do artigo 615.º, nº 1 al. b) do mesmo diploma legal, razão pela qual nem a falta de fundamentação da decisão de facto nem a omissão de análise crítica da prova constituem fundamento para nulidade da sentença. III-O erro no julgamento da matéria de facto pode derivar simplesmente do meio de prova aduzido para fundamentar a decisão do ponto de facto impugnado não conduzir a tal resultado probatório, todavia, ainda assim, impõe-se que essa impugnação se faça com referência aos concretos pontos de facto incorrectamente julgados.

IV-O legislador por entender que a prova do elemento intelectual da posse é, por vezes, difícil, estabeleceu, no nº 2 do art.º 1252.º do CCivil, uma presunção no sentido de que se presume a posse naquele que exerce o poder de facto, sem prejuízo do nº 2 do art.º 1257.º do mesmo diploma entendimento que veio a ser acolhido em Acórdão de uniformização de jurisprudência de 14.05.96, publicado no DR II série, de 24.06.96, ao extrair a seguinte conclusão: “Podem adquirir por usucapião, se a presunção de posse não for ilidida, os que exercem o poder de facto sobre uma coisa”.

V-A presunção iuris tantum derivada do registo não abrange os factos descritivos do prédio, como as áreas, limites ou confrontações. A dilucidação de tais questões terá de ser resolvida lançando mão de outros mecanismos legais nomeadamente da usucapião.

VI-Quando estejamos perante concorrência de presunções legais fundadas em registo, a regra de que o direito inscrito em primeiro lugar prevalece sobre os que se lhe seguiram por ordem da data dos registos e, dentro da mesma data, pela ordem temporal das apresentações correspondentes (artigos 1268.º, n º2 do CCivil e artigo 6.º do CRPredial), não pode funcionar no caso de se tratar de imóveis perfeitamente distintos, artigos matriciais diferentes e descrições diferentes, com números diferentes.

VII-Nestes casos sob pena de se frustrarem os princípios estruturantes do registo predial, como a publicidade e a segurança estática e dinâmica, não pode qualquer dos titulares do registo predial sobre o mesmo prédio beneficiar de inscrições lavradas sobre distintas realidades jurídicas, mas que, afinal, se reportam a uma única, devendo, então, prevalecer, não as normas registais, mas as de direito substantivo.

VIII-A condenação como litigante de má fé deve ser precedida de discussão contraditória, em obediência ao disposto no artigo 3.º, nº 3 do CPCivil, que proíbe as decisões-surpresa. Por isso, quando não tenha sido objecto de discussão entre as partes, designadamente em alegação que preceda a decisão, deve o tribunal, antes de a proferir, proporcionar o contraditório, ouvindo, nomeadamente a parte contra a qual tem a intenção de proferir a condenação como litigante de má fé.

IX-Por esta razão e no novo figurino processual essa condenação não tem que ser feita na sentença final, podendo sê-lo em momento posterior, pois que, é apenas aí que o tribunal, decidindo a matéria de facto, toma, em princípio, consciência da eventual litigância de má fé.

*I-RELATÓRIO Acordam no Tribunal da Relação do Porto: B…, solteiro, maior, residente na Rua …, …, …, Maia, instaurou a presente acção de reivindicação, com processo sumário, contra C… e marido, D…, residentes na Rua …, …, Maia.

Pedindo que, na procedência da acção, se condenem os Réus:

  1. A reconhecerem que o Autor é o dono e legítimo proprietário do imóvel urbano e rústico sito no … ou …, da Freguesia …, concelho da Maia, melhor identificado nos artigos 2° e 3° da petição inicial, e declarar-se que o é; b) A demolirem de imediato a construção que fizeram no imóvel do Autor, bem identificada no Auto de Ratificação de Embargo de Obra Nova, removendo todos os materiais, deixando o imóvel ocupado livre e devoluto de pessoas e coisas; c) A taparem as portas que abriram no muro Norte da sua propriedade e que deita directamente para o prédio rústico do Autor, suportando todas as despesas inerentes; d) Nas quantias implícitas da procedência.

    Fundamenta a sua pretensão alegando, em síntese, que: -Como preliminar da presente acção, promoveu um Embargo Extrajudicial de Obra Nova, da cuja Ratificação requereu e foi deferido, e correu os seus termos sob o nº 7823/05.2TBMAl, do 5° Juízo deste Tribunal; -É dono e legítimo proprietário de um prédio misto, composto por casa de um pavimento e terreno a pinhal, sito no … ou …, a confrontar do Norte com E…, Sul e Nascente com caminho, e do Poente com F…, inscrito na respectiva matriz urbana sob o artigo 266, e no artigo 345 rústico, da freguesia …, concelho da Maia; -Tal propriedade adveio à sua posse e domínio por escritura extrajudicial de partilha por óbito de seus pais, e encontra-se definitivamente registada a seu favor sob a descrição nº 00086/170687; -Sempre por si e ante possuidores, vem possuindo, usando e fruindo da descrita propriedade há mais de 1, 2, 5, 10, 20, 30 e mais anos, à vista e conhecimento de toda a gente, de forma ininterrupta, de boa-fé e pacificamente, sem oposição de ninguém, fazendo obras, arrendando, colhendo as rendas, derrubando árvores, pagando os inerentes impostos; -A propriedade rústica é bastante extensa, com cerca de 12.000 m2, e na parte Sul confronta com a via pública, hoje Rua …, existe um pequeno prédio urbano dos Réus, que é rodeado por todos os lados pelo referido prédio rústico do Autores; -Vive noutra freguesia, um pouco afastada da referida propriedade nem sempre passa por lá; -Contudo, na semana de 17 de Junho de 2005, o seu procurador e que gere todo o seu património imobiliário, G…, com ele residente, passou pela rua onde se situa a propriedade, e com espanto verificou que fora dos limites do prédio urbano dos Réus andavam a fazer obras no terreno rústico do Autor; -Obras essas que consistem na construção de uma garagem no lado Nascente/Sul do prédio urbano e do aumento da construção da casa na parte Nascente/Norte da mesma, tudo dentro do seu prédio rústico, que consiste em 11 pilares de cimento, 5 junto da casa e os restantes 6, a 3,80 m da casa, tudo em forma de "L" com um comprimento de 17,50 m, tudo coberto com uma placa de vigas e tijolos; -Assim, no dia 17 de Junho, pelas 12 horas, o dito procurador deslocou-se ao local com duas testemunhas e verificou que no seu terreno estavam já ao alto os pilares em cimento, e também estavam abertas várias fundações para darem início à construção de sapatas e respectivos pilares; -Mais verificaram que no muro do prédio dos Réus que confronta com o terreno seu terreno na parte Nascente/Norte, já estavam abertas 2 portas em alumínio, supostamente para dar acesso à área de construção que os Réus levaram a efeito; -Chamou a Ré mulher que estava acompanhada de um filho, e perante duas testemunhas, H… e I…, notificou-a que embargava a obra e que estava proibida de dar continuação à mesma; -Ora, tal obra, feita no exterior dos limites do prédio urbano dos Réus, toda ela no seu terreno rústico ofende o seu direito de posse e propriedade do referido prédio rústico; -E causa-lhe evidente prejuízo, pois está a ser levada a cabo uma obra pelos Réus em terreno que só a ele pertence.

    *Regular e pessoalmente citados, apresentaram-se os Réus a contestar e a reconvir.

    Em sede de contestação, excepcionando desde logo a ilegitimidade dos Réus, para tanto aduzindo, em síntese, que a certidão que o Autor refere como sendo o documento n° 1 da Ratificação de Embargo se refere a um prédio sito na freguesia de …, a qual fica bem distante da freguesia …, existindo em permeio a freguesia …. E que a residência dos Réus situa-se na Rua …, na freguesia …, pelo que estamos perante uma divergência de prédios, e de zonas, que manifestamente acarretará a divergência da identidade dos seus proprietários. Sendo, pois, os Réus parte ilegítima, pois o seu prédio situa-se na freguesia …, e o prédio de que o Autor se arroga proprietário, situa-se na freguesia de ….

    Ademais, sustentam que os Réus residem na sua habitação, composta de casa e terreno, sito na Rua …, há já mais de 30 anos e de forma ininterrupta. E que sempre usaram e usufruíram quer a sua habitação, quer o quintal que faz parte integrante do prédio, quintal esse que, face à situação geográfica da rua em questão, com uma forte inclinação, tem ele também a configuração de parcela a socalco.

    Acrescentando ainda que, no ano de 2005, os Réus, a pedido de familiar, permitiram que este construísse um anexo e garagem contíguos à sua habitação, mas apenas e somente na área descoberta do prédio dos Réus, tendo sido isso que aconteceu. Que o familiar J… iniciou com toda a normalidade a construção por fases de tal ampliação da área coberta. Que face às dificuldades financeiras que o familiar atravessa, tal construção foi-se operando em ritmo muito lento. Pelo que já desde 2004 o referido familiar tem vindo a levar a cabo tal construção, dento dos limites do prédio dos Réus, não se compreendendo, por isso, que o Autor venha agora dizer que só teve conhecimento em Junho de 2005, e sendo completamente falso que a construção esteja a ser feita em terreno do Autor.

    Em sede de reconvenção, dizendo, em síntese, ser falso que os Réus tenham causado qualquer prejuízo ao Autor, antes pelo contrário, foi o Autor que com a providência cautelar obrigou a interromper as obras, e caso tal diligência processual tivesse sido contestada conforme sempre foi a intenção dos Réus, seguramente...

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