Acórdão nº 2833/14.1TBMTS.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 16 de Dezembro de 2015

Magistrado ResponsávelFERNANDO SAM
Data da Resolução16 de Dezembro de 2015
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo n.º 2833/14.1TBMTS.P1 Do Tribunal da Comarca do Porto, Instância local de Matosinhos, Secção Cível – J3, e, antes, do extinto 3.º Juízo Cível do Tribunal Judicial da mesma localidade, onde deu entrada em 21/5/2014 Relator: Fernando Samões 1.º Adjunto: Dr. Vieira e Cunha 2.º Adjunto: Dr.ª Maria Eiró*Acordam no Tribunal da Relação do Porto – 2.ª Secção I. Relatório B…, Lda., pessoa colectiva n.º … … … com sede na Rua…, Vila Nova de Famalicão, instaurou a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra C… – Companhia de Seguros, S.A., pessoa colectiva n.º … … … com sede no largo…, Lisboa, pedindo que a ré seja condenada a pagar-lhe: a) a quantia de 33.100,00 €, correspondente ao valor do veículo com a matrícula ..-FR-.., a título de indemnização por danos próprios, pela sua perda total, na sequência do respectivo furto; b) a quantia de 3.519,46 €, a título de indemnização, por privação de uso de veículo de substituição, com as características contratadas, durante o período de trinta dias após o alegado furto; c) a quantia de 6.282,80 €, a título de indemnização, pelo atraso no pagamento da indemnização indicada em a), correspondente a montante não inferior às prestações mensais, no valor de 1.256,56 €, que a Autora teve e tem de suportar com a aquisição do veículo com a matrícula ..-OF-.., acrescido das prestações vincendas até integral pagamento, a liquidar em sede de execução de sentença; e d) os juros de mora, à taxa legal, vencidos sobre os montantes supra indicados, desde a citação até integral pagamento.

Para tanto, alegou, em resumo, o seguinte: É locatária do veículo automóvel de passageiros, da marca BMW, modelo..., com a matrícula ..-FR-.., por via do contrato de aluguer de longa duração n.º ……, celebrado com a respectiva proprietária, a D….

Por contrato de seguro, titulado pela apólice do ramo automóvel n.º………, transferiu para a ré, com início em 10/9/2012, a responsabilidade pelo risco de danos próprios, por furto ou roubo, da mencionada viatura, sendo o valor seguro de 33.100,00 €.

No dia 31 de Maio de 2013, o referido veículo foi furtado no parque de estacionamento do stand da “…”, sito na Estrada…, tendo tal furto sido perpetrado por um indivíduo que, nos dias anteriores, havia contactado a representante legal da Autora, com o intuito de comprar a dita viatura, e que, no dia e hora acordados para a concretização do negócio, logrou introduzir-se no veículo sem autorização daquela e arrancou com o mesmo.

Em consequência desses factos, ficou privada da utilização do aludido veículo desde a data do furto, sendo que necessitava dele para as deslocações diárias da sua representante legal, no exercício da sua actividade profissional, pelo que se viu na necessidade de comprar outro veículo, embora de gama muito inferior, da marca Renault, modelo…, com a matrícula ..-OF-.., pelo montante de 20.510 €, através de financiamento obtido junto da instituição financeira “E…”, mediante a mensalidade de 1.256,56 €.

Continua a ser-lhe debitado o valor mensal de 682,54 €, referente ao valor do aluguer do veículo ..-FR-.., contratado com a “D1…”.

O aluguer de um veículo com características similares às do veículo seguro, durante 30 dias, importaria em montante não inferior a 3.519,46 €.

A ré contestou, por impugnação, pondo em causa a forma do desaparecimento do veículo seguro e parte dos danos, e alegando que, a ser verdadeira qualquer das versões apresentadas pela autora (às autoridades e na petição inicial), o furto encontra-se excluído da cobertura contratada, por negligência grosseira da representante da autora, seja por confiar o veículo a pessoa estranha, seja por a deixar aberto com a chave no seu interior, concluindo pela improcedência da acção, com a consequente absolvição do pedido.

Na audiência prévia, a autora sustentou, em síntese, que não contribuiu, a título de dolo ou negligência, para a verificação do furto. Na mesma diligência, foi proferido despacho saneador tabelar, bem como foi identificado o objecto do litígio e foram enunciados os temas da prova, após o que teve lugar a audiência de discussão e julgamento.

Finalmente, em 2/8/2015, foi lavrada douta sentença que decidiu julgar a acção improcedente, por não provada, e absolver a ré do pedido.

Inconformada com essa sentença, a autora interpôs recurso para este Tribunal e apresentou a sua alegação com as seguintes conclusões: “I. Deveriam ter sido considerados como não provados os seguintes factos: a) Que a legal representante da Autora, enquanto condutora do veículo identificado em 1), não colheu quaisquer informações acerca do homem que levou o dito veículo; b) Que nas circunstâncias de tempo e lugar indicadas em 10), a legal representante da Autora havia deixado o veículo identificado em 1) aberto, com a respetiva chave no interior.

  1. Das declarações de parte da legal representante da Autora bem como pelos depoimentos das testemunhas arroladas pela Autora, tal matéria de facto não poderia ter sido dada como provada.

  2. Os factos que deveriam ter sido considerados como não provados, na ótica deste recurso, resultam da circunstância de nos autos existir prova séria, credível, congruente, objetiva, imparcial, competente, com razão de ciência, que permite considerá-los como tal.

  3. As declarações de parte da Autora não foram devidamente valoradas.

  4. De igual forma, não foram, minimamente, valorados os depoimentos das testemunhas arroladas pela Autora, concretamente, de F…, G… e H….

  5. Declarações de parte e depoimentos que não foram abalados, impugnados e descredibilizados, tendo todos estes sido coerentes, sérios e com razão de ciência, constando os seus depoimentos nos suportes magnéticos anteriormente referidos.

  6. A legal representante da Autora, enquanto condutora do veículo identificado, bem como o marido desta e os funcionários da Autora tinham informações mais do que suficientes acerca do homem que furtou o veículo.

  7. Não sendo um total desconhecido para a Autora.

  8. A legal representante da Autora aquando do encontro com o sujeito que lhe furtou o veículo, revelou o maior cuidado e diligência.

  9. Tendo estado sempre, juntamente com a sua filha, a cerca de meio metro deste.

  10. Veículo que se encontrava desligado e com as portas fechadas, em local público e movimentado sem prejuízo de ter a chave pousada na consola central.

  11. O individuo, inopinadamente, abriu a porta do veículo, pegou na chave e arrancou com o carro.

  12. A Autora não “abandonou” o veículo em plena via pública à mercê do sujeito que veio a furtá-lo.

  13. A legal representante da Autora atuou de forma aceitável, adequada e consentânea com o padrão de atuação que qualquer homem, colocado nas mesmas condições atuaria.

  14. Isto é, de forma diligente e prudente, de acordo com as regras – in casu – de um bom pai de família.

  15. Tendo-se deparado com uma situação inusitada, extraordinária e contra a qual não pode reagir.

  16. Não o colocando o veículo ao alcance de terceiros.

  17. Nunca deixando de o vigiar.

  18. A Ré não provou, de forma alguma, factos extintivos do direito da Autora a ser indemnizada.

  19. Não podendo estar, consequentemente, excluída a responsabilidade contratual da Ré e a sua obrigação, daí adveniente, de indemnizar a Autora (vide cláusula 2ª das condições especiais do contrato de seguro).

  20. Dúvidas não restam que um terceiro subtraiu – furtou - o veículo, com a matrícula ..-FR-.., propriedade da Autora, apropriando-se, ilegitimamente, deste (vide cláusula 3ª das condições especiais do contrato de seguro).

  21. A Autora fez prova da verificação do risco coberto e do, consequente, direito a ser indemnizada.

  22. A sua atuação não foi imprudente e/ou grosseiramente negligente.

  23. As condições constantes da cláusula 4ª das condições especiais do contrato de seguro são cumulativas.

  24. A única leitura e interpretação que se pode retirar da referida cláusula é que não só será necessário que o veículo esteja aberto e/ou com a chave no seu interior, em espaço publico, como também que o mesmo tenha sido abandonado, o que, in casu, também não se verificou.

  25. Assim sendo, como é, conclui-se que a ação deveria ter sido julgada procedente e provada, pelo que se impõe a respetiva revogação total da decisão proferida nos presentes autos.

  26. Ao decidir de uma forma contrária ao supra alegado, o Tribunal recorrido praticou erro notório na apreciação e valoração das provas e erro de julgamento na decisão da matéria de facto e da factualidade dada como provada, acabando a decisão recorrida por fazer também uma menos correta interpretação e aplicação do direito ao caso...

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