Acórdão nº 403/14.3TBGDM.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 16 de Dezembro de 2015

Magistrado ResponsávelLEONEL SER
Data da Resolução16 de Dezembro de 2015
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Apelação n.º 403/14.3TBGDM.P1 Relator – Leonel Serôdio (464) Adjuntos - Fernando Baptista de Oliveira - Ataíde das Neves Acordam no Tribunal da Relação do Porto B… e mulher C… intentaram ação declarativa com processo comum contra D…, pedindo a condenação da Ré na restituição da casa de habitação existente no prédio dos AA e a pagar-lhes, a título de indemnização pela ocupação do imóvel por cada mês desde a citação até à sua entrega, a quantia de € 1.500,00.

Alegam, em síntese, ser donos do imóvel que identificam, existindo no mesmo uma casa de habitação que há mais de 20 anos foi dada de arrendamento a E…, pai da Ré, o qual faleceu em 19.11.1983, no estado de casado, tendo o seu cônjuge vindo a falecer em 24.08.1992. A Ré não comunicou o falecimento dos pais, tendo o contrato de arrendamento caducado com a morte do pai dela.

A Ré contestou pugnando pela transmissão do contrato de arrendamento, por causa da sua qualidade de filha e por sempre ter habitado no locado.

*O processo prosseguiu os seus termos e realizada a audiência de julgamento foi proferida sentença que julgou a ação improcedente e absolveu a Ré dos pedidos.

*Os AA apelaram e terminaram as suas alegações com as seguintes conclusões que se transcrevem: “1.- A douta sentença recorrida violou, na sua interpretação e aplicação, o disposto aos artigos 12.º do C.C. e a lei nº 46/85, de 20 de Setembro; O n.º2/4 do DL 13/86, de 23-janeiro; os artigos 1111.º, 5.º, 1051.º, alínea e), 1038.º, alínea g) e 1093, n.º1, alínea f), tudo nas redacções originais do Código Civil.

  1. - A caducidade, por morte do arrendatário, é a solução encontrada por tais diplomas e disposições legais, no caso de ausência de comunicação de transmissão pelos potenciais beneficiários.

  2. - A transmissão do arrendamento, por morte do anterior arrendatário não é uma comum sucessão mortis causa, mas antes configura o produto do exercício de um direito potestativo que os beneficiários têm de encaminhar, para reconduzirem a eles o direito de arrendatário.

  3. - Não é aceitável que o local se mantenha ocupado, após a morte do arrendatário, sem que o senhorio saiba quem detém essa posição.

  4. - E não é aceitável que o senhorio tenha que apurar falecimentos e/ou que no local do ex-inquilino, se mantenha um pool de pessoas, potenciais sucessores, sem que se diga, ao senhorio, quem é quem.

  5. - Apesar de o potencial direito da Recorrida ter nascido com o óbito do seu pai, ocorrido em 19.11.1983, enquanto o mesmo não fosse exercido, verificando-se o preenchimento dos seus pressupostos, aquele existia tão só sob a forma latente.

  6. - Tal direito não ingressou na Recorrida por mera transmissão por morte do seu pai; a sua existência e efectividade dependia de variados requisitos que tinham que ser cumpridos pela Recorrida.

  7. - Conforme os Recorrentes lograram demonstrar, e resulta provado da alegação e contestação da Recorrida, apenas na defesa que ofereceu à acção instaurada pelos Recorrentes é que a Recorrida veio comunicar ser a sucessora, por óbito da sua mãe, do arrendamento que havia sido celebrado pelos senhorios em nome do seu pai.

  8. - Os Recorrentes desconheciam tal sucessão e transmissão, que não lhes foi comunicada jamais, seja pela mãe da Recorrida, seja por esta, cabendo o ónus a esta.

  9. - E os Recorrentes são surpreendidos no “direito” que a Recorrida se arroga, a suceder na transmissão do arrendamento, apenas porque lhe vieram a instaurar os presentes autos, porquanto, de outro modo, arriscariam a conhecer, e a ter que eventualmente reconhecer, a transmissão do arrendamento para toda a linha sucessória de filhos, netos, bisnetos e tetranetos do primitivo arrendatário.

  10. - E, por isso mesmo, a lei aplicável à situação em análise é e deve ser aquela vigente à data em que a Recorrida (beneficiária pretendente à transmissão do arrendamento) comunica aos Recorrentes (senhorios) a sua intenção a exercer o direito, ou aquela que, antes de tal comunicação, determinou a caducidade do direito da Recorrida.

  11. - De outro modo, estaria a privilegiar-se a infracção e o relaxe do beneficiário de um direito potestativo, concedendo-lhe a faculdade de o manter em letargia e, inclusivamente, a possibilitar-lhe que eventualmente “saltasse” um ou mais graus na sucessão, sempre no anonimato do senhorio, desconhecedor de tais “direitos”.

  12. - Assim, e porque a lei nova não dispõe sobre condições de validade formal ou material do facto morte do pai ou morte da mãe da recorrida, mas antes sobre o conteúdo de uma relação jurídica, que será criada quando for exercido o direito potestativo, que depende de declaração reptícia ao senhorio, deve ser a lei nova, existente à data do exercício do direito à transmissão, ou aquela que determinou a caducidade do direito, antes da comunicação da pretensão à transmissão, a aplicável.

  13. - Não é o facto morte que faz nascer o direito da Recorrida.

  14. - É a comunicação ao senhorio da morte do primitivo arrendatário, e, bem assim, dos demais requisitos de que a lei faz depender o direito, que faz nascer tal direito.

  15. - Por conseguinte, e tendo a Recorrida comunicado aos Recorrentes, e senhorios, a morte, respectivamente de seu pai e sua mãe, em 19/11/1983 e 24/08/1992, apenas com a contestação que ofereceu aos autos em juízo em 26 de Março de 2014, e apenas nessa data ter comunicado a sua vontade que a mãe sucedesse na transmissão por óbito do pai e, depois do óbito desta, que lhe sucedesse a Recorrida nessa transmissão, deve considerar-se extinto, por caducidade, o direito de a Recorrida suceder na transmissão do arrendamento que outrora foi celebrado pelos senhorios com o seu pai.

    A final pede que se revogue a sentença recorrida e seja substituída por outra que declare caducado o contrato de arrendamento e condene a Ré a restituir aos Apelantes a posse do referido imóvel.

    A Ré contra-alegou, pugnando pela confirmação da sentença recorrida.

    Factos julgados provados na sentença recorrida: 1. Os autores são donos de um prédio urbano situado em …, destinado a construção, o qual se encontra inscrito na matriz sob o art.º 10476.º, descrito na conservatória do registo predial sob o n.º 620/19891221 e inscrito a favor dos autores mediante a inscrição AP 14 de 1999/12/15 por doação de F… e G….

  16. Sobre esse terreno existe uma construção, erigida em tijolo, que há mais de 20 anos foi dada de arrendamento a E… pelo pai do autor.

  17. A renda, na presente data, é liquidada pela ré.

  18. O pai da ré, E…, faleceu em 19/11/1983, no estado de casado.

  19. O seu cônjuge, H…, mãe da ré, faleceu em 24/08/1992.

  20. Aos autores nunca foi comunicado o óbito do E….

  21. A ré manteve-se a ocupar o referido prédio, na parte correspondente à edificação nele erigida, desde 19/11/1983.

  22. A ré manteve-se no gozo do imóvel durante mais de 20 anos.

  23. A ré viveu com o primitivo arrendatário desde o início do arrendamento e ali se manteve após a sua morte.

  24. Aí tendo as suas roupas e demais pertences pessoais.

  25. Aí pernoitando, tomando as suas refeições, recebendo a sua correspondência, onde recebe pessoas, onde é procurada por quem a pretende encontrar e onde se encontra recenseada.

    *Fundamentação A questão que se coloca é a de saber se o contrato de arrendamento para habitação celebrado entre os anteriores proprietários do prédio, atualmente propriedade dos AA, e o pai da Ré, enquanto arrendatário, falecido em 19.11.1983, caducou.

    *Os Apelantes invocam a violação do art. 1038 al. g) do Código Civil na redação original, que se mantém, que impõe ao locatário a obrigação de comunicar ao locador a cedência do arrendado, quando permitida ou autorizada, mas este normativo, não é manifestamente aplicável, pois, com a morte do locatário, a questão que se coloca é a da transmissão ou não do contrato de arrendamento, matéria regulada pelo art. 1111º do CC, com a redação que o DL 328/81 de 4/12, quando ocorreu a morte do primitivo arrendatário depois alterado Lei 46/85, de 20/09, RAU (art. 85.º) e NRAU (art. 57.º), não existindo qualquer cedência do arrendado.

    Por outro lado, a invocada violação do art. 1093 al. f) do Código Civil, na redação original, que previa como fundamento de resolução do contrato de arrendamento, por parte do senhorio, o subarrendamento ou...

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