Acórdão nº 9238/13.0TDPRT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 09 de Dezembro de 2015

Magistrado ResponsávelBORGES MARTINS
Data da Resolução09 de Dezembro de 2015
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Proc. Comum Colectivo 9238/13.0TDPRT.

Porto - Inst. Central – 1.ª Secção Criminal – J6.

Nos presentes autos, foi exarada que, entre outros, condenou B… e C… como autores, em concurso real, de três crimes de escravidão, p. e p. no art.º 159, al. a) do CP, na idêntica pena de cinco anos e seis meses de prisão por cada um deles; e, em cúmulo jurídico, nos termos do disposto no art.º 77.º do CP, na idêntica pena de sete anos de prisão.

Recorreram estes dois arguidos, em síntese, aquele arguido alegando erro notório na apreciação da prova e impugnando o juízo da matéria de facto, nos termos do disposto no art.º 412.º, ns. 3 e 4 do CPP; nulidade de sentença, prevista no art.º 379.º, n.º 1, al) a do CPP; na procedência da alteração reclamada, evidencia-se a não integração do tipo; esta arguida, também impugnando o juízo da matéria de facto, nos termos do disposto no art.º 412.º, ns. 3 e 4 do CPP e invocando nulidade de sentença, prevista no art.º 379.º, n.º 1, al) a do CPP, por violação do disposto no art.º 374.º, n.º 2 do CPP.

Entende ainda a recorrente que a matéria apurada não permite integrar os elementos do tipo; invoca a necessidade de atenuar especialmente as penas, nos termos do disposto no art.º 72.º, n.º 2, als. a) e d) do CP, para um ano as parcelares e a unitária fixada em dois anos e meio de prisão. Alega para tal o terem decorrido mais de onze anos depois da prática dos factos, ser reduzida a culpa da recorrente e a sua situação familiar.

Respondeu o MP, alegando, em síntese, quanto ao primeiro recurso, inexistir qualquer vício previsto no art.º 410.º, n.º2 do CPP ou qualquer nulidade de sentença; não ter o recorrente cumprido os ónus previstos no art.º 412.º, ns. 3 e 4 do CPP – pelo que relativamente a ele deverá manter-se inalterado o juízo da matéria de facto; e quanto ao segundo, a verificação também desta última circunstância; inexistência da apontada nulidade sentença; correcta subsunção dos factos ao tipo.

Recorreu também o MP, pretendendo a elevação das penas de prisão com que os dois arguidos foram condenados, particularmente a pena única para nove anos de prisão.

Relativamente a este recurso, entendeu o Exmo PGA junto deste Tribunal da Relação não merecer o mesmo provimento, devendo ter-se em consideração o facto de os arguidos serem delinquentes primários; concordar com teor da Resposta, relativamente aos recursos dos arguidos, e não ter deparado com erro algum no julgamento da matéria de facto.

Foi dado cumprimento ao disposto no art.º 417.º, n.º2 do CPP, não ocorrendo resposta.

Colhidos os Vistos, importa decidir.

Foi a seguinte a fundamentação de facto da decisão recorrida: 2.1. Os factos.

2.1.1. Factos provados.

Discutida a causa resultou provada a seguinte matéria de facto: 2.1.1.1-Factos gerais e comuns Dadas as dificuldades económicas e sociais que afectam Portugal, nomeadamente a verificação de elevado número de desempregados, muitos portugueses, passaram a emigrar para Espanha em busca de melhores condições de vida.

Assim, nos últimos anos, muitas pessoas provenientes de Portugal, foram aliciadas para trabalharem em Espanha, mediante a oferta de trabalho agrícola, bem remunerado e em condições vantajosas, através de contactos pessoais.

Com este fenómeno foram constituídos grupos organizados de cidadãos, a maioria de nacionalidade portuguesa, que encaminham, controlam e exploram os trabalhadores que vão trabalhar em Espanha.

Estes grupos através de formas de intimidação aterrorizam os trabalhadores visando obter, à sua custa e contra a sua vontade, lucros patrimoniais, que sabem não lhes serem devidos.

Os arguidos B… e C…, nos termos abaixo descritos, trataram do transporte para Espanha, em veículos automóveis, dos trabalhadores que recrutaram até às localidades onde iam prestar o seu trabalho agrícola.

Uma vez em Espanha, os trabalhadores eram colocados a trabalhar, desconhecendo as respectivas condições de trabalho e sem qualquer garantia de que lhes fossem assegurados os seus direitos laborais.

Os arguidos B… e C…, recorreram à intimidação e privação da liberdade dos trabalhadores.

Aproveitando a circunstância de aqueles já se encontram fragilizados pela própria condição de emigrantes e trabalhadores e estarem longe das suas famílias.

Temendo pela sua integridade física e vida, as vítimas, em geral, não apresentavam queixa às entidades policiais competentes nem denunciavam esta situação.

Mesmo na presença das autoridades policiais, as vítimas e testemunhas revelavam medo e receio de poderem vir a sofrer represálias por parte dos membros do grupo.

Os arguidos B… e C… actuavam de comum acordo, em conjugação de esforços, de forma concertada, com distribuição de tarefas entre si, na execução de um plano devidamente delineado visando um enriquecimento ilegítimo, e ganhos patrimoniais para ambos.

Utilizando, em território espanhol um regime de intimidação, alicerçados num medo omnipresente, sendo a distância e o isolamento elementos presentes e quotidianos.

E os ofendidos coarctados na sua liberdade de movimentos porque não se podiam mover em espaços por si escolhidos, sempre vigiados pelos arguidos B… e C…, que lhes geravam um regime de intimidação, lhes subtraiam os seus documentos pessoais e se apropriavam de pelo menos parcialmente de toda e qualquer remuneração, salário ou importância em dinheiro que tivessem direito a receber.

Os proprietários espanhóis das “D…” suportavam a remuneração média de 30,00/40,00€, como contrapartida pela prestação laboral diária por cada trabalhador, sendo que a entidade empregadora entregava as remunerações devidas directamente ao fornecedor da mão-de-obra, limitando-se este a reter a totalidade das retribuições.

Apesar de manifestarem o desejo de regresso a território nacional, os trabalhadores eram coagidos a permanecer em Espanha perante as constantes ameaças de que eram vítimas.

Os arguidos B… e C…, recrutavam, transportavam e arranjavam trabalho directamente e com recurso a intermediários.

Num primeiro contacto, aos trabalhadores recrutados é-lhes prometido um vencimento diário que varia entre 25,00/40,00€, incluindo alimentação e transporte para as localidades onde iriam prestar serviço.

O alojamento e a alimentação eram efectuadas em casas dos arguidos B… e C…, ou por eles arrendadas, que não possuíam o mínimo de condições de higiene e, que, regra geral, eram espaços exíguos onde também habitavam, igualmente, entre oito a dez trabalhadores, o patrão e seus familiares.

As refeições eram preparadas pela arguida C…, sendo o arguido B… que efectuava o transporte para o campo, e a estadia, alimentação, transporte e o trabalho era por eles controlado.

Os arguidos B… e C… pagavam aquilo que muito bem entendiam aos trabalhadores, alguns deles conseguindo apenas que, diariamente, lhe entregassem um maço de tabaco e o pagamento de bebidas.

2.1.1.2-Factos relativos ao arguido E… Na busca efectuada, no dia 25.04.2005, à residência sita no …, …, pertencente a F…, e onde vivia o arguido E…, composta por três quartos, uma casa de banho, uma sala e uma cozinha, conforme consta do auto de busca e apreensão junto a fls. 845 dos autos, foram encontradas e apreendidas: - no quarto, onde dormia o arguido E…, mais concretamente no armário ali existente, cinco cartuchos nº 6 e duas pistolas de calibre 6,35 mm, adaptadas, uma delas com carregador com sete munições de calibre 6,35 mm, que, devidamente examinadas, foram identificadas como sendo uma pistola transformada da marca …, de modelo .., originariamente de alarme mas, como resultado de transformação artesanal, actualmente apta para o disparo de munições de calibre 6,35 mm …, não apresentando qualquer número de série, mas apresenta as inscrições originais de fábrica, embora posteriormente adulterados de modo a fazer crer tratar-se de arma de calibre 6,35 mm, possuindo cano toscamente estriado, medindo cerca de 6 cm e está em razoável estado de conservação, com acabamento a pintura de óleo preto fosco e aparenta estar em bom estado de funcionamento; uma pistola transformada da marca …, de modelo …, originariamente de alarme mas, como resultado de transformação artesanal, actualmente apta para o disparo de munições de calibre 6,35 mm …, não apresentando qualquer número de série e foram removidas as inscrições originais de fábrica e gravados os algarismos 635, de modo a fazer crer tratar-se de uma arma de calibre 6,35 mm, possuindo cano toscamente estriado, medindo cerca de 6 cm e está em razoável estado de conservação, com acabamento a pintura de óleo preto fosco, dotado de carregador original, e aparenta estar em bom estado de funcionamento, conforme consta do auto de exame directo de fls. 851 e seguintes dos autos.

- Na sala, e pertença do arguido E…, foram encontrados e apreendidos 8 (oito) cartuchos n.º 6, quatro (4) munições de calibre 6,35 mm, um facalhão de cozinha, com cabo preto e cuja lâmina mede cerca de 22 cm de comprimento, o punhal, integralmente em liga metálica, cuja lâmina mede cerca de 16 cm de comprimento, uma das navalhas é integralmente em liga metálica e a lâmina mede cerca de 10 cm de comprimento; - Outra das navalhas, com cabo em material de plástico, madrepérola, em tons de … e cuja lâmina mede cerca de 16 cm de comprimento, outra navalha integralmente em liga …, cuja lâmina mede cerca de 11,5 cm de comprimento, uma faca com cabo de … de cor … e cuja lâmina mede cerca de 10 cm de comprimento e um punhal, com cabo …, …, cuja lâmina mede cerca de 16 cm de comprimento, com respectiva bolsa, em material tipo …, de cor …, conforme consta do auto de exame directo junto a fls. 856 e seguintes dos autos; 2.1.1.3-Factos relativos ao ofendido G… No dia 26 de Janeiro de 2004, o ofendido G…, foi abordado por um conhecido seu, de nome H…, residente na Rua …, n.º …, …, nesta cidade e comarca, propondo-lhe a ida para Espanha, para trabalhar na manutenção de máquinas.

O referido H… transmitiu ao ofendido G… que teria de permanecer em Espanha, durante alguns meses, recebendo diariamente a...

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