Acórdão nº 9619/14.1T8PRT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 10 de Setembro de 2015

Magistrado ResponsávelARISTIDES RODRIGUES DE ALMEIDA
Data da Resolução10 de Setembro de 2015
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Recurso de Apelação Processo n.º 9619/14.1T8PRT.P1 [Comarca do Porto/Instância Central/Execuções] Acordam os Juízes da 3.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto: I.

B…, Lda.

, com identificação fiscal n.º ………, e sede em …, instaurou contra C…, Lda.

, com identificação fiscal n.º ………, e sede em …, e contra D…, com identificação fiscal n.º ………, e residência em …, acção executiva para pagamento da quantia de €3.732,25.

A instruir o requerimento executivo, juntou cópia de um auto datado de 08.01.2013 e emitido no âmbito de diligência de penhora realizada no processo de execução que sob o nº 5/12.9TBVLG, no qual a ali executada C…, Lda., declara pretender pagar a “dívida em prestações” estabelecendo com a ali exequente acordo no qual confessa devedora perante a exequente da quantia de € 3.307,45, e se obriga a pagar essa quantia em 22 prestações mensais e sucessivas, no valor unitário de €150,34, vencendo-se a primeira no dia 15.03.2013 e as demais em igual dia dos meses subsequentes. Nesse documento o aqui executado D… declara que se constituiu “fiador” “do presente acordo” “com renúncia ao benefício de excussão prévia”, “assumindo o pagamento das quantias que se mostrem em dívida em caso de incumprimento”.

No final da exposição de factos do requerimento executivo a exequente refere que “a interpretação conjugada dos artigos 6º da Lei 41/2013 e 703º, nº 1, do Código do Processo Civil, na redacção que lhe foi introduzida pela Lei nº 41/2013, no sentido de que um documento particular, assinado pelo devedor, que importe o reconhecimento oi constituição de obrigação pecuniária, outorgado em momento anterior à da entrada em vigor da Lei nº 41/2013, não constitui título executivo suficiente à propositura de uma acção executiva após 1 de Setembro de 2013 (…) padece de inconstitucionalidade, por violação dos princípios da confiança e da segurança, ínsitos a um Estado de Direito Democrático, conforme estatuído no art. 2º da Constituição da República Portuguesa” e que “atenta a inconstitucionalidade da norma que retirou exequibilidade ao documento ora oferecido à execução, na interpretação supra descrita, a mesma é inaplicável, pelo que o documento apresentado pela exequente constitui um título executivo”.

Conclusos os autos, o Mmo. Juiz a quo proferiu decisão na qual declarou o entendimento de que “não se verifica a inconstitucionalidade invocada pela exequente, não dispondo a mesma de título executivo uma vez que o título dado à execução não integra o elenco do artº 703º do novo Código de Processo Civil” e, consequentemente, nos termos do artigo 726º, nº 2, alín. a), do Código de Processo Civil, indeferiu “liminarmente” o requerimento executivo.

Do assim decidido, a exequente interpôs recurso de apelação, terminando as respectivas alegações com as seguintes conclusões: A- […], B- […], C- […], D- [a decisão recorrida apoia-se num] raciocínio que clama, de iure constituto, que a mutação legislativa que suprimiu do elenco do art." 46.° do CPC revogado a alínea c) do seu número 1 não arrastou consigo, num imediatismo consequente de uma relação de causa-efeito, a perda de força executória do documento particular constituído/ exarado em data anterior a 1 de Setembro de 2013 e a que fosse atribuída exequibilidade pelo regime vigente à data da sua constituição.

E- A predecessora menção à existência de um bloco de acórdãos corporiza-se na existência dos seguintes arestos: Acórdão do Tribunal Constitucional N.º 847/2014, de 3 de Dezembro de 2014 - Processo N.º 537/14-; Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 27/02/2014 - Processo N.º 374/13.3TUEVR.E1; Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 10/04/2014; Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 26/03/2014 - Processo N.0766/13.8TTALM.LI-4.

F- A eles acoplam-se as posições doutrinárias de Maria João Galvão Teles (in A Reforma do Código de Processo Civil: A Supressão dos Documentos Particulares do Elenco dos Títulos Executivos) e Isabel Menéres Campos (in A Nova Acção Executiva), G- Tudo conduzente ao seguinte: o art 6.°,3, da Lei 41/2013, quando interpretado no sentido da perda de força executiva de documentos particulares pré-constituídos, padece de inconstitucionalidade material.

H – […] I – […], J- Com efeito, da interpretação conjugada dos artigos 6.°,3 da referida lei e do art. 703.° do CPC resulta inapelável que "os documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético, ou de obrigação de entrega de coisa ou de prestação de facto" deixaram de gozar de exequibilidade e que o "disposto no Código de Processo Civil, aprovado em anexo à presente lei, relativamente a títulos executivos, às formas do processo executivo, ao requerimento executivo e à tramitação da fase introdutória só se aplica às execuções iniciadas após a sua entrada em vigor", pelo que a vexata quaestio da acção delimita-se pelo seguinte objecto: será inconstitucional a recusa da exequibilidade aos documentos particulares constituídos anteriormente a 1 de Setembro de 2013 em execuções interpostas posteriormente àquela data? K - Ora, pugnou a instância a quo por um entendimento coincidente com a posição minoritária formada pelo Ac. da Relação de Coimbra de 7/10/2014, que defendeu a constitucionalidade da decisão legislativa que terá retirado força executiva aos documentos particulares constituídos antes da reforma legislativa já mencionada e aos quais a lei nova é de aplicação imediata desde a sua vigência - 1 de Setembro de 2013). L- Redarguir tal entendimento é algo que só poderá fazer-se por apelo aos princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança diante do poder normativo e por apelo ao que vêm a ser as noções de retroactividade e retrospectividade.

M- Ora, a recorrente, anteriormente exequente, apresentou aos autos judiciais de um processo de execução um documento particular constitutivo de obrigações pecuniárias, todas marcadas pela inadimplência dos ora recorridos/apelados, então devedores transmutados em executados: C…, Lda. e D…. Vale dizer, um título executivo negocial segundo a sistemática do hoje inexistente, na migração para o art. 703.° do CPC, art. 46.º al. c) do anterior CPC.

N - Um auto de diligência de penhora, desencadeada e legitimada pelo concatenado do processo judicial n.º 5/12.9TBVLG que corre termos no J8 da 1.ª Secção de Execução da Instância Central da Comarca do Porto - Porto -, eis a sua génese. Por seu efeito, confessou-se a executada e recorrida C…, Lda. devedora da quantia de 3.307,45 €, contando a exequente com a vinculação fidejussória do Exmo. Sr. D…, que com renúncia ao benefício da excussão prévia acantonou-se àqueloutra posição debitória de que se assumiu concomitantemente devedor principal, fixada pelas partes no cumprimento de 22 prestações mensais e sucessivas de 150,34 €, vencendo-se a primeira no dia 15/03/2013 e as sobejantes em igual dia dos meses subsequentes.

O- O incumprimento de tais prestações foi o que demandou da ora apelante a proposição de um requerimento executivo, o que foi feito por a exequente dispor do que a ciência jurídica designa por documento particular (art. 373.° do Código Civil) recognitivo de obrigação pecuniária e o que a lei adjectiva pátria consagrava no elenco de títulos executivos negociais do CPC de 1961 revisto (art. 46.º al. c), bem como porque a Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, recebera um entendimento quase conforme no sentido da sua ilegalidade - rectius, inconstitucionalidade material por preterição do conteúdo mínimo do valor normativo dos princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança (art. 2.° da CRP) - quando interpretada no sentido de limitar as portas do direito de acção executiva a credores munidos de documentos particulares constituídos e constituintes de título executivo na vigência da predecessora lei processual.

P- Aí alegou os factos que enformavam a causa de pedir e citou autorizados arestos e opiniões doutrinárias que expunham que outra decisão que não a manutenção dos caracteres de coercibilidade aos documentos particulares pré-existentes e integrantes do leque taxativo consagrado no art." 46.0.l.c) do anterior CPC era violador dos princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança (art." 2.° da Constituição da República Portuguesa) na modalidade de actos normativos. Esse compósito é o acervo constituinte da presente recurso, pois que é consabida que a posição do Exmo. Juiz foi o indeferimento liminar do requerimento executivo (art. 726.°, 2, a) do CPC) por entender que o sacrifício de expectativas jurídicas dos particulares lesados não integrava o núcleo essencial do direito de acção (art. 20.° da CRP) nem comprimia com onerosidade os princípios da segurança e da protecção jurídica (art. 2.° da CRP -"( ... ) contrariamente ao defendido no referido Ac. não estamos perante uma frustração de expectativas onerosa porquanto não expectável pelos destinatários da norma").

Q- Ora, sem embargo dessa opinião, a verdade é que da análise dos seguintes acórdãos resulta outra posição de charneira, favorável à pretensão recorrenda: Ac. do Tribunal da Relação de Évora, de 27-02-2014 (Processo N.º 374/13.3TUEVR.El); Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 10-04-2014; Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 26-03-2014 (Processo N.º 766/13.8TTALM.LI-4); Acórdão do Tribunal Constitucional N.º 847/2014, de 3 de Dezembro de 2014 (Processo N.º 537/14).

R- Tudo analisado, resulta que o que está sub judice presente é uma necessidade de ponderação, a efectuar sob a génese constitucional da relação de concordância prática com respeito pelo núcleo essencial dos direitos fundamentais (art.º 18.°.3 da CRP) - correspondente ao mínimo axiológico que a dignidade da pessoa humana constitui (art.º 1.º da CRP)-, entre o direito de acção executiva, imposto contra o Estado e integrante do espectro abstracto da previsão do art 20.º da CRP (acesso ao...

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