Acórdão nº 1223/14.0JAPRT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 30 de Setembro de 2015

Magistrado ResponsávelNETO DE MOURA
Data da Resolução30 de Setembro de 2015
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo n.º 1223/14.0JAPRT.P1 Recurso Penal Relator: Neto de Moura Acordam, em audiência, na 1.ª Secção (Criminal) do Tribunal da Relação do Porto I - Relatório No âmbito do processo comum que, sob o n.º 1223/14.0 JAPRT, corre, agora, termos pela 2.ª Secção Criminal (J2) da Instância Central da Comarca de Aveiro, B… e C…, ambos devidamente identificado nos autos, foram submetidos a julgamento, por tribunal colectivo, acusados pelo Ministério Público da prática, o primeiro, em autoria material, de um crime de detenção de arma proibida e a segunda, em autoria material e em concurso real, de um crime de homicídio qualificado na forma tentada e um crime de detenção de arma proibida.

Realizada a audiência, com documentação da prova nela oralmente produzida, após deliberação do Colectivo, foi proferido acórdão (fls. 434 e segs.), datado de 16.04.2015 e depositado na mesma data, com o seguinte dispositivo (na parte que para aqui releva): “Nos termos do exposto, acordam os juízes que compõem este tribunal coletivo em julgar a acusação deduzida nos autos procedente, por provada, pelo que, consequentemente: 1. Condenam o arguido B…, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de detenção ilícita de arma proibida, previsto e punido pelo disposto no 86.°, n.º 1, alíneas c) e d), da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, por referência aos arts. 2.° nºs. 1, als. p), s), aj) e ar), e 3, als. e), p); e 3.°, n.º 6, al. c), do mesmo diploma legal, na pena de 250 (duzentos e cinquenta) dias de multa, à taxa diária de € 8 (oito euros), o que perfaz um total de € 2.000,00 (dois mil euros); 2. Condenam a arguida C…, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de detenção ilícita de arma proibida, previsto e punido pelo disposto no 86.°, n.º 1, alíneas c) e d), da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, por referência aos arts. 2.° nºs. 1, als. p), s), aj) e ar), e 3, als. e), p); e 3.°, n.º 6, al. c), do mesmo diploma legal, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) de prisão; 3. Condenam a arguida C…, pela prática, em autoria material e na forma tentada, de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos artgs 131.º e 132.°, n.ºs, 1 e 2, alínea b), por referência aos artigos 22.°, nºs 1 e 2, al. a), 23.°, nºs 1 e 2, e 73º, nº 1, als. a), e b), todos do Código Penal, com a agravante p. e p. pelo disposto no art. 86.º, n.º 3, da Lei n. 5/2006, de 23 de fevereiro, na pena de 8 (oito) anos de prisão; 4. Operando o cúmulo jurídico das penas parcelares impostas nos pontos nºs 2º e 3º deste dispositivo, condenam a arguida C… na pena única de 8 (oito) anos e 6 (seis) meses de prisão efectiva”.

Inconformada com a decisão condenatória, a arguida C… dela interpôs recurso para este Tribunal da Relação, com os fundamentos explanados na respectiva motivação, que “condensou” nas seguintes “conclusões” (em transcrição integral): 1. “Vem o presente Recurso interposto do douto Acórdão, pelo qual, foi a Recorrente C…, condenada como autora material, na forma consumada, de um crime de detenção ilícita de arma proibida, previsto e punido pelo disposto no artº 86, nº 1, als. c) e d), da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro, por referência aos artºs 2, nº 1, als. p), s), aj) e ar), e 3, nº 6, al. c), do mesmo diploma legal, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão; - Como autora material e na forma tentada de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos artºs 131 e 132, nºs 1 e 2, al. b), por referência aos artºs 22, nº 1 e 2, al. a); 23, nºs 1 e 2, e 73, nº 1, als. a) e b), todos do C.P., com a agravante p. e p. pelo disposto no artº 86, nº 3, da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro, na pena de 8 (oito) anos de prisão.

Em Cúmulo Jurídico, condenar a arguida na pena única de 8 (oito) anos e 6 (seis) meses de prisão efetiva.

  1. Quanto aos factos provados e não provados a douta Sentença é totalmente omissa de fundamentação, não considerou, nem relevou os factos alegados pela Recorrente (não fez referência à sua confissão, nem à sua colaboração ativa, durante o Inquérito, esta acedeu a que se procedesse à reconstituição dos factos, pois a G.N.R. só foi alertada para a situação em causa, no dia 11.07.2014, pelas 10:45h (dia seguinte ao dos factos, cfr. Auto de Notícia de fls. 3 e s.s.); prestou declarações, manteve a mesma postura de colaboração durante a Audiência de Discussão e Julgamento, confessando e mostrando que já interiorizou o mal cometido); não identificou, nem inquiriu outras testemunhas, nem investigou as circunstâncias concretas do uso ilegal da arma proibida, e estas diligências são essenciais para a decisão, tal omissão acarreta a nulidade da Sentença, pois é de tal modo grave que afeta as garantias de defesa da Recorrente C….

  2. Estes factos, com relevância para a descoberta da verdade material e boa decisão da causa não foram considerados provados, nem não provados, não tendo relevado para a decisão, em prejuízo da Recorrente e seus direitos e garantias de defesa, porquanto são suscetíveis de excluir/ diminuir/mitigar a ilicitude e a culpa.

  3. Na Audiência de Discussão e Julgamento não foi produzida prova direta, indireta ou qualquer outra prova válida e lícita, no que concerne à intenção de matar e ao dolo direto e intenso, necessário para o preenchimento do crime de Homicídio, uma vez que do depoimento das testemunhas não resulta de qualquer forma a intenção da Recorrente, e não pode presumir-se, quando nada foi provado, para além das declarações da Recorrente, que não foram valoradas, pois a mesma referiu que agiu com intenção de assustar/intimidar.

  4. Quanto a tais factos, houve omissão de pronúncia, pois muito embora, a propriedade da arma proibida, tivesse sido assumida pelo co-arguido B…, que detinha a mesma na morada de família, sendo certo, que a Recorrente só a usou ilicitamente, o Tribunal condenou a Recorrente pelo crime de detenção ilícita de arma proibida (omitindo ainda a confissão, a colaboração ativa e o arrependimento da Recorrente), o que integra a nulidade consubstanciada no artº 379, nº 1, al. a), por referência ao artº 374, nº 2, ambos do C.P.P., o que, implica também a nulidade nos termos dos artºs 374 e 379, nº 1, al. c), todos do C.P.P.

  5. A fundamentação da douta Sentença recorrida não cumpre a norma do nº 2, do artº 374, do C.P.P., visto que não contém a exposição dos motivos que fundamentaram a decisão do Tribunal “a quo” de considerar provados todos os factos constantes da referida Sentença (factos esses que sustentaram a decisão de condenação da Recorrente), bem como exame crítico das provas que terão servido para formar a sua convição nesse sentido.

  6. Assim, o Tribunal recorrido violou o disposto a referida norma (e, também, o artº 205, nº 1, da C.R.P.), sendo, por isso, a douta Sentença recorrida nula, nos termos do artº 379, nº 1, al. c), do C.P.P. – o que aqui se vem arguir, nos termos do nº 2, deste último artigo -, devendo ser declarada tal nulidade e, consequentemente, ordenada a remessa do processo ao Tribunal “a quo” para que proceda à elaboração de nova Sentença que contenha as apontadas menções em falta do nº 2, do artº 374, do C.P.P.

  7. Por mera cautela, invoca-se a inconstitucionalidade da norma do artº 374, nº 2, do C.P.P., quando interpretada (como aconteceu no Acórdão recorrido) no sentido de que a fundamentação das decisões em matéria de facto, se basta com a simples enumeração e reprodução das declarações e depoimentos prestados na Audiência, não exigindo a explicitação do processo de formação da convição do Tribunal, por violação do dever geral de fundamentação das decisões dos Tribunais, artº 205, nº 1, da C.R.P.

  8. A Recorrente fica sem saber em que provas assentou concretamente a sua condenação pelos crimes acima indicados, ou quais as provas concretas para dar como provados os factos, mormente a intenção de matar em circunstâncias que revelam especial censurabilidade ou perversidade, com dolo direto e na modalidade do mais intenso.

  9. É que, na verdade, a única prova da ocorrência dos factos e das circunstâncias envolventes, é a confissão (omitida) da Recorrente e as diligências que a mesma aceitou fazer durante o Inquérito (reconstituição dos factos).

  10. É, pois, lícito questionar, porque razão se dá credibilidade às declarações da Recorrente para considerar provados os factos da Acusação, mas depois não se julgam credíveis para afastar a especial censurabilidade ou perversidade, nem para afastar o dolo direto e intencional, nem sequer para mitigar a ilicitude e a culpa.

  11. Assim, deve ser declarada a nulidade da Sentença recorrida, e, consequentemente, ordenada a remessa do processo ao Tribunal “a quo”, ordenando-se novo Julgamento quanto à totalidade do objeto (artºs 374; 379; 426 e 426-A, todos do C.P.P. e artº 205, da C.R.P.).

  12. Nos termos e para os efeitos do artº 412, nº 3, do C.P.P., está erradamente julgada a matéria de facto ínsita nos números 5; 6; 7; 10; 12; 14; 15; 16; 17; 18 e 19, a prova produzida, analisada objetiva e imparcialmente, conduz a decisão diversa da Recorrida.

  13. A prova testemunhal, onde foi essencial o depoimento dos arguidos, não conduz, sem dúvidas, à prática do crime de homicídio qualificado, na forma tentada e com dolo direto e intenso.

  14. Importa proceder à reanálise da prova: - Declarações do arguido B…, gravadas no sistema Áudio, em uso no Tribunal, na Sessão de Julgamento de 18/03/2015, com início em 11:30:47 e com fim da gravação em 11:31:27; e com início em 11:39:25 e com fim da gravação em 12:01:02; - Declarações da arguida C…, gravadas no sistema Áudio, em uso no Tribunal, na Sessão de Julgamento de 18/03/2015, com início em 11:31:28 e com fim da gravação em 11:32:09; e com início em 12:01:05 e com fim da gravação em 12:24:51; - Declarações da testemunha D…, gravadas no sistema Áudio, em uso no Tribunal, na Sessão de Julgamento de 18/03/2015, com início em 12:25:53 e com fim da gravação em 12:37:54; - Declarações da testemunha E…, gravadas no sistema Áudio, em uso no Tribunal, na Sessão de Julgamento...

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