Acórdão nº 17135/08.4TDPRT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 30 de Setembro de 2015

Magistrado ResponsávelJORGE LANGWEG
Data da Resolução30 de Setembro de 2015
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo nº 17135/08.4TDPRT.P1 Data do acórdão: 30 de Setembro de 2015 Relator: Jorge M. Langweg Origem: Comarca do Porto Instância Central | Antiga 1ª Vara Criminal do Porto Acordam os juízes da 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto Nos presentes autos acima identificados, em que figuram como recorrentes: a) o Ministério Público; b) o arguido B…; I – RELATÓRIO 1. Por douto acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 1 de Julho de 2015, foi reconhecida a existência de um vício insanável de contradição na decisão proferida pelo Tribunal da Relação do Porto e, em consequência, foi determinado o reenvio do processo, a este Tribunal, para novo julgamento, relativo à totalidade do objeto do processo.

  1. Composto o novo coletivo de juízes para a apreciação do mérito dos recursos, os autos foram aos vistos e à sessão de conferência.

    *3. Por acórdão datado de 7 de Outubro de 2011, proferido pelo tribunal coletivo da 1ª Vara Criminal do Porto, a acusação foi julgada parcialmente procedente e, em consequência:

    1. Os arguidos C…, B… e D… foram absolvidos da acusação pela prática, em coautoria material, de um crime de furto qualificado; b) O arguido B… foi condenado na pena de duzentos dias de multa À taxa diária de cinquenta euros, pela autoria material de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo disposto no artigo 86º da Lei nº 5/2006 e, bem assim, na condenação no pagamento das custas.

  2. Inconformado com a absolvição dos arguidos da acusação pela prática, em coautoria material, de um crime de furto qualificado, o Ministério Público interpôs recurso do acórdão, suscitando o vício de erro notório na apreciação da prova e impugnando a decisão da matéria de facto nos termos conclusivos seguidamente reproduzidos: «As razões do presente recurso prendem-se com erro notório na apreciação da prova, com os factos dados por provados e não provados e, consequentemente, com a decisão de absolver os arguidos do crime de furto, tal como lhes é imputado na acusação.

    Analisados à luz das regras da experiência e conjugados entre si, os factos apurados em audiência de julgamento e os documentos juntos ao processo (autos de busca, relatórios de perícias, relatos de vigilâncias, relatórios e elementos relativos a chamadas telefónicas, etc.) deveriam ter conduzido o douto Colectivo a decisão diametralmente oposta à proferida.

    É certo que não há confissões, não há imagens, não há testemunhos directos, não há objectos a gritarem por uma condenação. Nem seria de esperar que houvesse. De resto, se assim fosse, bem fácil seria, e não é, ser juiz, nenhuma perspicácia, inteligência e sentido de razoabilidade se imporiam.

    “Na prova indiciária, mais do que em qualquer outra, intervém a inteligência e a lógica do juiz. Porém, qualquer um daqueles elementos intervém em momentos distintos. Em primeiro lugar é a inteligência que associa o facto indício a uma máxima da experiência ou uma regra da ciência; em segundo lugar intervém a lógica através da qual, na valoração do facto, outorgaremos á inferência feita maior ou menor eficácia probatória”.

    Há-de ser pela conjugação das provas recolhidas, caldeadas entre si e apelando às regras da razoabilidade e da experiência, que o tribunal tem de formar a sua convicção.

    O tribunal não valorizou o depoimento das testemunhas/agentes da PSP E… e F… na parte em que estes afirmaram que, quando recolhiam informações preliminares sobre os autores do crime, ouviram, numa conversa de café, o C… afirmar para uns circunstantes que «ainda tinha ouro com ele» e a nomear o B1… (B…) por, em seu entender, não valerem como prova (cf. fls. 51/2 do douto acórdão).

    O depoimento dos agentes de autoridade, nesta parte, não se debruça sobre declarações prestadas pelos suspeitos/arguidos aos investigadores, antes sobre uma conversa que eles mantiveram com outras pessoas num lugar público e que os agentes presenciaram/ouviram. Não estamos perante declarações prestadas perante OPC, as chamadas declarações informais. Não são declarações prestadas a polícias, são declarações ouvidas por polícias. Num café.

    Assim, o douto tribunal deveria ter dado como provado que os agentes E… e F…, antes de os arguidos serem constituídos como tal e numa fase inicial das investigações, ouviram o C…, num café, afirmar perante terceiros que ainda tinha ouro consigo e a falar no B1… (arguido B…, conhecido por B1…, conforme consta da sua identificação no acórdão).

    O tribunal, para melhor esclarecer os factos, decidiu ouvir o técnico (perito) que realizou a perícia, mas acabou por desconsiderar os esclarecimentos prestados pelo Dr. G….

    Dessas declarações passamos a transcrever as partes que nos parecem mais significativas: Ao minuto 16:29, da sessão do dia 16/08/2011: - Juíza: Qualquer barra igual a esta que está aqui identificada com o nº 2 produziria o mesmo tipo de vestígio? - Perito: Individualizadores, não. Podemos ter vários objectos que saem semelhantes, fabricados no mesmo local, mas todos vêm com acabamentos ou características individualizadas que permitem distingui-los entre eles.

    - Juíza: Sr. Dr. não se importa de falar mais devagarinho que é para eu perceber! - Perito: Vários objectos e ferramentas quando são produzidas e saem novos teoricamente de fábrica já apresentarão diferenças individualizadoras… entretanto com o uso podem adquirir características que permitem diferencia-las e individualizá-las, logo a probabilidade de haver uma outra ferramenta que consiga ter um estriado ou consiga produzir um estriado semelhante a este é... mesmo, muito pequena.

    Mais adiante (minuto 28,26) - Juíza: A pergunta é esta: se podia ser possível outros instrumentos que não estes, darem o mesmo resultado de provável que deu aqui? - Perito: Não. Precisamente pelo que disse anteriormente, há várias ferramentas que são iguais… no entanto apresentam características individualizadoras, vistas através do estriado e do microscópio que são diferentes de ferramenta para ferramenta.

    Finalmente, agora ao minuto 32.13 - Juiz: Da sua experiência, qual é a probabilidade de se pegar aí numa ferramenta em qualquer lado, mesmo admitindo a perfeição ou imperfeição do vestígio, etc., qual é a probabilidade de depois vir a dar uma provável identificação? - Perito: Baixa ou nula. Haver outro alicate com características semelhantes.

    Assim, o tribunal deveria ter dado como provado que, pela escassez dos vestígios é provável que tivessem sido produzidos por aquelas duas ferramentas, e ainda, que outras ferramentas/instrumentos não poderiam produzir os vestígios que foram encontrados na fechadura e canhão do cofre arrombado.

    Assentemos, como fez o tribunal, e de resto resulta claro do depoimento da testemunha E… e dos diversos documentos das operadoras de telemóveis juntos aos autos, que os aparelhos e cartões que foram encontrados na posse ou nas casas dos arguidos e por eles foram usados nos termos documentados nos autos a partir das informações prestadas pelas operadoras de telefones móveis.

    Porém, de forma totalmente incompreensível, o tribunal entendeu, contra todas as regras da experiência, desvalorizar os contactos mantidos entre os arguidos e fez tábua rasa (no acórdão, que não no julgamento) das comunicações constantes do Anexo A.

    Mais grave ainda. O tribunal não deu importância às localizações celulares (BTS) e não deu qualquer justificação para essa atitude.

    No dia 13 de Abril (o alarme das instalações tinha sido cortado na madrugada desse dia) o arguido C… entre as 7.57.36h e as 23.20.59h fez ou recebeu 9 chamadas telefónicas acionando a BTS da …, ou seja, a BTS que fica a escassos metros das instalações assaltadas. Dois desses contactos são com os arguidos D… e B…. Não há qualquer justificação objectiva, nem o arguido a deu, para naquele dia estar ou passar naquele local e a horas tão diferentes (a BTS da área da sua residência não é aquela, será a do …).

    Mas, facto igualmente relevante, os arguidos sempre tão pródigos nos contactos entre si e com terceiros, a horas e dias diversificados, não fazem nem recebem qualquer chamada ou SMS na noite de 13 para 14 de Abril. Nenhum deles.

    A partir das 06.54.23h desse dia 14 (chamada realizada pelo arguido C… partir do n° ………), ou seja, como que por milagre, os arguidos retomam os contactos telefónicos entre si mas agora acionando a BTS de …, isto é, a BTS mais próxima da garagem usada pelo arguido C… e onde foram encontradas as ferramentas (barra e alicate) que deixaram no cofre arrombado os já referidos vestígios.

    Esta sucessão de factos que envolvem os três arguidos e o H…, julgamos estar absolutamente de acordo com a regras da experiência se concluirmos que os quatro estiveram nas imediações da “I…, SA” até cerca das 23 horas do dia 13, por ali deambulando com o objectivo de se certificarem de que o corte do sistema de segurança nessa noite não tinha espoletado qualquer reacção; depois dessa hora, todos com os telemóveis desligados, reintroduzem-se nas instalações, furtaram o ouro e após deslocaram-se todos para um local, insuspeito e recatado, como era a garagem arrendada ao C… e ai, provavelmente, repartem o produto do roubo e deixam as ferramentas que usaram.

    Os arguidos, que não tinham ao tempo da verificação dos factos, emprego ou actividade laboral constante, com a excepção do arguido D…, vender de berma de estrada de automóveis em 2ª mão, todos exibem um património e quantias em dinheiro verdadeiramente inusuais.

    Nenhum deles deu justificações válidas para terem consigo tais quantias em dinheiro “vivo”, não convencem na justificação para o património que naquela altura possuíam.

    De resto, atente-se na extraordinária coincidência que ressalta de os arguidos C… e B… terem adquirido no mesmo dia - 21/06/2008 – automóveis de gama alta no valor de mais de 40.000 e 80.000 €, respectivamente.

    Deixando de lado as quantidades inusitadas de objectos em ouro que foram apreendidos aos arguidos, estes três arguidos em data Posterior à ocorrência do furto passaram a exibir um património e...

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