Acórdão nº 650/11.0TAVCD.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 09 de Setembro de 2015

Magistrado ResponsávelPEDRO VAZ PATO
Data da Resolução09 de Setembro de 2015
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Pr650/11.0TAVCD.P1 Acordam os juízes, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto I – B… veio interpor recurso da sentença do Juiz 3 da Secção de Criminal da Instância Local de Vila do Conde do Tribunal Judicial da Comarca do Porto que o condenou, pela prática de um crime de falsidade de depoimento, p. e p. pelo artigo 360º, nº 1 e 3, do Código Penal, na pena de trezentos dias de multa, à taxa diária de sete euros.

São as seguintes as conclusões da motivação do recurso: «1 - O Recorrente foi condenado na prática pela prática de um crime de falsidade de depoimento, previsto e punido pelo art.º360.º nº1 e 3, do Código Penal, na pena de 300 dias de multa à taxa diária de €7,00, no montante global de €2.100,00.

2 - O presente recurso tem como objeto toda a matéria de facto e de direito da douta sentença proferida nos presentes autos.

3 - O Tribunal a quo alicerçou a sua convicção e, consequente decisão, na prova documental, bem como no depoimento da assistente e na testemunha C…, agente da PSP.

4 - Salvo devido respeito, o Tribunal a quo julgou incorrectamente os mencionados factos, porquanto em relação aos mesmos não foi produzida qualquer prova.

5 - O Tribunal a quo valorizou a prova documental - que sequer foi examinada em audiência de julgamento – valorando as declarações do arguido prestadas a órgão de polícia criminal, justificando que o arguido na qualidade de testemunha, prestou juramento e foi advertido das consequências criminais, caso faltasse com a verdade.

6 - Ora, é falso que o arguido tenha prestado qualquer juramento perante o órgão policial.

7 - Até porque, além de não resultar mencionado no auto que o arguido tenha prestado juramento legal, refere o art.º91.º do C. Penal que o juramento é prestado apenas perante a autoridade judiciária competente (ou seja, mediante o caso, perante o juiz, juiz de instrução ou Ministério Público).

8 - Não existe juramento legal perante o órgão de polícia criminal.

9- Contrariamente ao referido na douta sentença, o arguido não prestou juramento em ambas as situações – na policia e em audiência de julgamento – mas apenas e tão só perante a Mma Juiz em audiência de julgamento no âmbito do processo nº 1983/09.0TAVCD.

10 - A douta decisão peca na sua argumentação e fundamentação, que não é clara nem esclarecida, parecendo mesmo referir que o arguido mentiu em fases diferentes do mesmo processo: “Assim, desconhece o Tribunal se o arguido mentiu em fase de inquérito ou em julgamento, sendo certo que em ambos os momentos o arguido estava obrigado a falar com verdade”. - O que não corresponde à realidade! 11 - A jurisprudência é unânime em considerar que o crime de falsidade de depoimento/testemunho ocorre em fases distintas do mesmo processo. (A este propósito e a título de exemplo cita-se o Ac. TRC, de 16/01/2013, Processo nº 1689/11.0TACBR.C1 12 - O que in casu não se verificou! 13 - O tribunal a quo valorizou o depoimento da assistente, a qual refere que não assistiu ao depoimento do arguido prestado na polícia. Ou seja, na verdade a assistente nada sabe! 14 - O arguido esclareceu que não leu o auto das declarações prestadas e não se recorda de ter sido advertido pelo agente de que incorria em responsabilidade criminal caso mentisse (declarações que não foram atendidas pelo Tribunal a quo!).

15 - O arguido esclareceu ainda, com nitidez, que na audiência de julgamento do processo nº 1983/09.0TAVCD, prestou juramento e falou com verdade.

16 - A Mma Juiz do Tribunal a quo, não valorizou a justificação do arguido, afirmando que aquele deveria ter transmitido às suas irmãs que não pretendia ser testemunha, merecendo douta sentença reparo nesta parte, ao recorrer a juízos conclusivos e meras suposições, que se afastam das regras de experiência.

17 - Formou ainda e também o Tribunal a quo a sua convicção nas declarações da testemunha C…, agente da PSP, cujo seu depoimento se afigurava essencial à descoberta da verdade material.

18 - Ora, a testemunha inicia o seu depoimento dizendo que não conhece o arguido! 19 - Como facilmente se constata, são várias as contradições da testemunha C… – agente da PSP, que procedeu à inquirição da testemunha, ora arguido, não se recorda de o ter advertido das consequências penais – o que deveria ter assumido! Pois nenhuma credibilidade merece, tendo em conta que diz recordar-se concretamente dessa advertência, mas inicia o seu depoimento referindo que não conhece o arguido.

20 - Além disso, a referida testemunha não depôs com isenção – como se exigia – pois, de uma forma ou de outra, sempre estaria em discussão a boa ou má execução de uma tarefa levada a cabo por si.

21 - Por fim, e neste aspecto, sem qualquer outra fundamentação, e recorrendo a juízos conclusivos – refere a douta sentença: “Note-se, aliás, que o arguido assinou o auto logo após a advertência efectuada e após as declarações prestadas e se não o leu foi, apenas, porque não quis e diremos nós porque confiou no seu conteúdo, o qual confirmou e não pôs em causa”.

22 - O que a nosso ver – e salvo melhor opinião – também não pode colher. Resulta, pois, das regras da experiência e da razoabilidade, que o simples facto do auto se mostrar assinado pelo arguido, não faz prova que o mesmo soubesse o que assinava ou percebesse o seu conteúdo.

23 - Além de não resultar demonstrado nos autos que o arguido tivesse sido advertido das consequências penais, caso faltasse à verdade no seu depoimento, também não se provou que o arguido soubesse que cometeria um crime caso não faltasse à verdade.

24 - Assim sendo, de toda a prova produzida não resultou evidente que o arguido tivesse voluntária e conscientemente faltado à verdade, com o intuito de, por essa forma, dificultar a realização da justiça.

25 - O crime de falso depoimento exige que o agente tenha agido como dolo, não se prevendo a condenação por negligência.

26 - Exigia-se, assim, que o arguido tivesse agido com a consciência/intenção da prática do crime, pretendendo com as declarações iludir a verdade dos factos – tanto que a douta sentença conclui que a culpa do arguido reveste uma situação de dolo directo.

27 - O que in casu não se verificou! 28 - Acresce que, mesmo que o elemento objectivo do tipo legal sub judice estivesse preenchido, que muito se duvida, o dolo encontra-se excluído, pelo que não estando preenchido o elemento subjectivo, não se verifica a tipicidade da conduta.

29 - Acrescenta-se ainda, que é por demais duvidoso que o arguido, representando a possibilidade de prestar um testemunho falso, tenha actuado com intenção de o fazer.

30 - Ora, mesmo cientes que o preenchimento do elemento objectivo seja discutível – por o atrás expendido – dúvidas não restam que o elemento subjectivo está afastado.

31 - Por tudo aquilo que se deixou exposto, deve concluir-se pela inexistência de indícios suficientes da prática do crime pois falha, pelo menos, a intenção/consciência de mentir, pretendendo com isso, iludir a verdade dos factos e obstar a realização da Justiça.

32 - Ainda que algum sentido fizesse a condenação do arguido, nunca poderia ser com a agravante prevista no nº3 do referido art.º386. C. Penal, mas apenas pela aplicação do nº1 do mesmo preceito, porquanto resulta evidente que o arguido não prestou juramento legal perante o órgão de polícia criminal, merecendo a douta sentença este reparo! 33 - Por todo o exposto não resultaram provados os factos descritos na sentença, existindo uma discrepância entre o que ficou provado em audiência de julgamento e o que é descrito na douta sentença.

34 - Não resultaram dos autos, nem da prova testemunhal e documental (quer globalmente considerada, quer apreciada individualmente), matéria suficiente para que se possa concluir que o arguido e recorrente Pedro Santos praticou o que crime a que foi condenado.

35 - A prova produzida impunha decisão diversa da obtida pelo Tribunal a quo, pelas razões supra expostas.

36 - Desta forma, o Tribunal a quo violou flagrantemente entre outras as normas previstas no art.º32 nº2 da CRP, art.º127, 340.º e 374.ºnº2, todos do C.P.P, devendo a douta sentença ser declarada nula, nos precisos termos do art.º379.º nº1 al. a) do CPP.

37 – Da decisão resulta a insuficiência para a decisão da matéria de facto dada como provada, a que alude o art.º410.º nº2/a) do CPP, bem como padece de erro grosseiro na sua fundamentação.» A assistente D… apresentou resposta a tal motivação, pugnado pelo não provimento do recurso.

O Ministério Público junto desta instância emitiu douto parecer, pugnando pelo reenvio do processo para novo julgamento, nos termos do artigo 426º, nº 1, do Código...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT