Acórdão nº 774/13.9TBAMT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 03 de Abril de 2017

Magistrado ResponsávelJORGE SEABRA
Data da Resolução03 de Abril de 2017
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo n.º 774/13.9TBAMT.P1 - Apelação Origem: Amarante – Instância Local – Secção Cível – J1.

Relator: Jorge Seabra 1º Adjunto Des.

Sousa Lameira.

  1. Adjunto Des.

Oliveira Abreu* *Sumário: I. No contrato de depósito bancário, e independentemente da sua natureza – contrato de mútuo; contrato de depósito irregular ou como contrato atípico misto de mútuo e de depósito irregular -, o banco (depositário) torna-se, com a entrega dos valores monetários depositados, proprietário dos mesmos, podendo dar-lhe o destino que lhe aprouver (art. 1144º ex vi do art. 1206º, ambos do Cód. Civil).

II. Como assim, por força do preceituado no art. 796º, n.º 1 do Cód. Civil, o risco de desvio dos valores depositados por acção de terceiro – mediante falsificação de assinatura constante de transferência bancária - corre por conta do depositário (Banco).

III. O depositário apenas se liberta da responsabilidade decorrente daquele risco se provar que agiu sem culpa e que o desvio de valores ocorreu por culpa do próprio cliente/ordenante ou, ainda, que se ficou a dever a caso de força maior.

IV. O Código Civil consagrou no seu art. 563º a teoria da causalidade adequada na sua formulação negativa.

V. Segundo este teoria, não são ressarcíveis todos os danos sobrevindos ao facto mas apenas os que tenham tido causa (adequada) no facto constitutivo da responsabilidade.

VI. De acordo com a teoria da causalidade adequada para que exista nexo de causalidade entre o facto e o dano não basta que o facto tenha sido em concreto causa do dano, em termos de conditio sine qua non, sendo ainda necessário que, em abstracto, seja também adequado a produzi-lo, segundo o curso normal das coisas.

* * Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto: I - RELATÓRIO 1.

B… e C… instauraram a presente acção de condenação sob a forma de processo comum (originariamente sob a forma de processo sumário) contra “D…, S.A.

”, pedindo a final a condenação do réu a pagar a quantia de €15.500 euros, acrescida dos juros de mora desde a data das transferências bancárias referidas nos autos, à taxa legal e até integral pagamento e, ainda, no pagamento da quantia de € 8.000 euros, a título de danos morais.

Para tal, aduziram, em síntese, que abriram uma conta bancária de depósito à ordem, onde tinham a quantia de €15.500 euros. Tal conta apenas podia ser movimentada mediante a assinatura de uma das autoras, como consta da respectiva ficha de assinaturas.

Entre 8 de Janeiro de 2007 e 3 de Abril de 2007, através do Balcão de …, foi transferida a quantia global de €15.500 euros para a conta n.º ………../../.., da qual é titular a autora B…, juntamente com o irmão de ambas as autoras, E…, nos seguintes valores parcelares: - €5.000 euros em 8 de Janeiro de 2007; - € 2.500 euros em 27 de Fevereiro de 2007; - €5.000 euros em 8 de Março de 2007; - €3.000 euros em 3 de Abril de 2007; Os pedidos de transferência foram efectuados em nome da autora B… e com uma assinatura com o seu nome, mas à sua revelia, pois que a assinatura da mesma B… foi imitada por F…, que se fez passar pela autora e imitou a sua assinatura.

As autoras sofreram grande desgosto e angústia com esta fraude.

O réu não verificou a identidade e assinatura da ordenante e negligentemente ordenou as transferências.

* *2.

O réu contestou, invocando a prescrição do direito invocado pelas autoras, excepção que foi julgada improcedente, em sede de despacho-saneador e invocou que, além do mais lhe assiste direito de regresso sobre a sua ex- funcionária G… que efectivou as transferências, pelo que requereu a sua intervenção acessória, tendo sido admitido o chamamento.

No mais, defendeu-se por impugnação, sustentando, no essencial, que como as transferências foram feitas para uma conta da qual a 1.ª autora também é co-titular, não se alcança onde está o seu prejuízo ou perda, uma vez que o dinheiro nunca saiu da sua esfera patrimonial.

O regime de movimentação da conta era a solidariedade, ou seja, qualquer uma das autoras podia movimentar a conta sozinha, sem precisar do consentimento da outra.

O Banco agiu de boa-fé, não cometeu qualquer fraude, executando as transferências na convicção que as mesmas estavam a ser ordenadas pela 1.ª autora, que o Banco sabia ser titular da conta sacada e que conferiu ter poderes para sozinha movimentar a conta, sendo aliás, essa, a conclusão do despacho de arquivamento no PCS n.º 474/08.1JAPRT do 2.º Juízo do Tribunal de Comarca de Amarante.

Quem não agiu de boa-fé foram as autoras, sobretudo a 1.ª autora, 2.ª titular da conta para onde foram efectuadas as transferências, sendo que foi o outro co-titular irmão das autoras que emprestou o cartão multibanco associado a esta conta a F….

Conjugados os factos de as autoras serem irmãs do E…, que é o 1.º titular da conta para onde foram efectuadas as transferências e sobretudo de este ser companheiro de F…, a quem emprestou o cartão multibanco, que, além da movimentação, permite ainda a consulta de saldos, e sendo certo que a 1.ª Autora, enquanto titular de ambas as contas, tinha acesso aos respectivos extractos mensais, é difícil acreditar que as autoras desconhecessem as transferências efectuadas pela F…, tanto mais que a conta titulada pelas autoras não era de uso diário ou frequente.

Por outro lado a assinatura que consta nas 4 ordens de transferência é semelhante à assinatura da 1.ª autora constante das fichas pelo que qualquer funcionário bancário de diligência média a aceitaria por semelhança.

* *3.

As autoras ofereceram resposta à matéria de excepção, pugnando pela sua improcedência.

* *4.

Foi elaborado despacho saneador, com fixação do objecto do litígio, definição dos temas de prova e foram, ainda, admitidos os meios de prova oferecidos pelas partes.

* *5.

Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença que julgou improcedente a presente acção, absolvendo o Réu dos pedidos contra si formulados.

* *6.

Inconformadas com sentença proferida, vieram as autoras interpor o presente recurso de apelação, deduzindo as seguintes CONCLUSÕES: A. Vem o presente recurso da douta sentença que julgou improcedente a ação por não provada e, consequentemente, absolveu o réu do pedido.

  1. As aqui Autoras intentaram ação contra “D…, S.A.”, pedindo a condenação deste na quantia de 15.500,00 euros e da quantia de 8.000,00 euros a título de danos morais.

  2. Alegaram as Autoras que eram titulares de uma conta bancária de depósito à ordem, onde tinham a quantia de 15.500,00 euros. Tal conta só podia ser movimentada mediante a assinatura de uma das autoras, como consta da respetiva ficha de assinaturas.

  3. Contudo, entre o dia 8 de janeiro a 2007 e 3 de abril de 2007, através do Balcão de …, foi transferida a quantia global de 15.500,00 euros para a conta n.º ………./../.., sendo que os pedidos de transferência foram efetuados em nome da autora B… e com uma assinatura com o seu nome, mas à sua revelia.

  4. O Réu não verificou, como se lhe impunha a identidade e assinatura da ordenante e negligentemente ordenou as transferências. (No mesmo sentido se apurou no PCS nº 474/08.1JAPRT do 2.º Juízo do extinto Tribunal da Comarca de Amarante, onde é clara a especificidade de que a assinatura da autora B… foi imitada por F…, a qual se fez passar pela autora e imitou a sua assinatura).

  5. Isto posto, a questão que se levanta é a de aquilatar se o réu incorreu em responsabilidade contratual para com as autoras.

  6. Deve o tribunal ad quem, antes de mais, atender nos factos dados como não provados, em concreto o artigo 1.º parte e 2 a 6 (parte) dos temas da prova, e confronta-los com os depoimentos da autora B…, da F…, do H… e ainda confrontar toda a prova produzida no processo n.º 474/08.1JAPRT do 2.º Juízo do Tribunal da Comarca de Amarante.

  7. Veja-se em concreto, cada facto dado, pela douta sentença, como não provado: – Ponto 1 – “Os pedidos de transferência dos valores referidos em C, foram efetuados em nome da autora B…, mas à sua revelia, sem o seu conhecimento e consentimento”. E ponto 4 – “As autoras não deram qualquer ordem de transferência ao réu para serem efetuadas as transferências referidas em C”. Quanto a estes primeiros pontos, deve o tribunal ad quem atentar tanto no depoimento da autora B…, como no da F…, dos quais se conclui, de forma evidente, que não só a autora B… não sabia da transferência, e porquanto, não a ordenou, como sofreu prejuízos com a mesma, já que apesar do dinheiro ter sido transferido para uma conta onde esta é co-titular, a F… acabou por levantar esse dinheiro e usa-lo para fins pessoais (como consumo de droga).

    – Ponto 2 – “A assinatura constante nessas ordens de transferência, em nome da autora B…, foi aposta por F…”. Quanto a este segundo facto dado como não provado, atente-se no já referenciado PCS n.º 474/08.1JAPRT do 2.º Juízo do Tribunal da Comarca de Amarante, onde foi dado como provado a falsificação da assinatura da B… pela arguida F…, ainda corroborado pelo depoimento desta última.– Ponto 3 – “O réu não verificou a identidade e assinatura de quem assinou/preencheu as ordens de transferência.” Quanto a este facto, deve atentar-se no depoimento de H… e ainda no facto de, no decurso da audiência e julgamento, ter sido especificado por variadas vezes, que o procedimento interno do réu (D…) é o de apenas se confrontar a assinatura em presença com a assinatura digitalizada, sem necessidade de qualquer identificação (BI). Ora, no caso em concreto, este procedimento foi adotado, não tendo sido assim a referenciada identificação facultada ou solicitada à aqui F…, que se fez passar pela Autora B…. Isto apesar de daquela ser conhecida na …, a par de B…, não se tendo, mesmo assim, levantado qualquer impedimento.

    – Ponto 5 – “As autoras ficaram privadas na lista negra do montante de 15.500,00 euros, bem como viram o seu nome inscrito na lista negra pelo período de 2 anos, por incidentes bancários”. Quanto a este facto dado como não provado, (1.ª parte) atente-se no depoimento de F…, do qual se conclui, de forma clara...

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