Acórdão nº 992/10.1TTPNF-C.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 24 de Abril de 2017

Magistrado ResponsávelJER
Data da Resolução24 de Abril de 2017
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

APELAÇÃO n.º 992/10.1TTPNF-C. P1 SECÇÃO SOCIAL I.RELATÓRIOI.1 No Tribunal da Comarca do Porto Este – Penafiel - Inst. Central – Sec.Trabalho, B… - Companhia de Seguros, S.A., intentou a presente acção declarativa de condenação, com processo especial, para declaração de extinção de direitos resultantes de acidente de trabalho, contra C…; D…; E… e F…, a qual foi distribuída ao Juiz 2, pedindo o seguinte: A) Que seja declarada a caducidade do direito às prestações em espécie compreendidas na reparação do acidente de trabalho sofrido por G… e, consequentemente, B) A condenação dos Requeridos, na sua qualidade de sucessores do falecido G…, a devolverem à Requerente a cadeira de conforto Clematis com os respectivos acessórios, a cama Avepark eléctrica tripartida com grades, o elevador para a cama e a cadeira eléctrica vertical C400VS – Eletrónica R-Net da Permobil e respectivos acessórios facultados ao sinistrado ou, em alternativa, C) A condenação dos Requeridos a indemnizar a Requerente pela perda dos ditos equipamentos, na quantia correspondente ao seu valor, ou seja, €20.325,09.

Para tanto, alegou que o sinistrado G… faleceu no dia 7 de Janeiro de 2014, na sequência do acidente de trabalho de que foi vítima no dia 29/05/2009.

À data da sua morte o sinistrado era casado com a 1ª Requerida e tinha três filhos, os demais Requeridos.

Na sequência do acidente o sinistrado ficou afectado de tetraplegia.

A Requerida, no âmbito do cumprimento da obrigação fixada nos autos principais (de que estes constituem apenso) de prestação das ajudas técnicas adequadas à compensação das limitações funcionais de que o sinistrado ficou afectado na sequência do acidente de trabalho que sofreu, entregou-lhe os seguintes equipamentos: - Cadeira de conforto Clematis com os respectivos acessórios, no que despendeu €1.405,26; - Cama Avepark elétrica tripartida com grades, no que despendeu €589,12; - Elevador eléctrico para a cama, no que despendeu €292,56; - Cadeira Eléctrica Vertical C400VS – Electrónica R-Net da Permobil, e respectivos acessórios, no que despendeu €18.038,15.

Sucede que o direito às prestações em espécie a que se referem os arts. 10º da Lei 100/97 e 23º do DL 143/99 caduca com a morte do sinistrado (actualmente, art. 25º nº 1 al. g) da Lei 98/2009).

Aquelas ajudas técnicas foram fornecidas ao sinistrado em regime de comodato, só se mantendo o direito a tais prestações enquanto necessárias ao restabelecimento do estado de saúde do mesmo. A partir do momento em que o sinistrado já não pode beneficiar do equipamento que lhe foi atribuído àquele título, tem que ser devolvido ao seu proprietário, in casu, à ora Requerente.

No entanto, até à presente data os Requeridos recusam-se a entregar os equipamentos supra descritos à Requerente, alegando serem sua propriedade.

Os Requeridos foram citados para a audiência de partes, no âmbito da qual não foi possível obter a conciliação das mesmas.

Os Requeridos vieram contestar a presente acção, impugnando desde logo que a Requerida tenha entregue ao sinistrado o elevador eléctrico da cama.

Para além disso, consideram que a Requerente Seguradora entregou ao sinistrado G… o material mencionado nas alíneas a), b) e d) do artº 9º da petição inicial no cumprimento da obrigação legal de reparação assumida pela mesma Seguradora por força do contrato de seguro, ramo acidentes de trabalho, que celebrou com a entidade patronal daquele, material esse que ficou a pertencer ao sinistrado, sendo propriedade deste desde o momento do acto de entrega que corresponde à realização da prestação em espécie.

No cumprimento dessa obrigação de reparação e com a realização dessa prestação em espécie – para além das prestações pecuniárias – o direito de propriedade sobre os bens móveis objecto dessa prestação em espécie transferiu-se, pelo acto da entrega (traditio), para o património do sinistrado G…, pelo que após a sua morte, e em virtude do fenómeno sucessório, os mesmos bens móveis ficaram a fazer parte do acervo hereditário do “de cujus” e transmitiram-se aos seus herdeiros legitimários, em comum e sem determinação de parte ou direito, e na proporção dos respectivos quinhões hereditários.

Termos em que concluem pela improcedência da acção, com a sua consequente absolvição do pedido.

Proferido o despacho saneador, com dispensa da selecção da matéria de facto controvertida.

A audiência de discussão e julgamento foi realizada com observância do formalismo legal.

I.2 Subsequentemente foi proferida sentença, fixando-se a matéria de facto e aplicando-se-lhe o direito, culminada com a decisão seguinte: - «Nesta conformidade, julgo a presente acção parcialmente procedente por parcialmente provada e, em consequência: I – Declaro a caducidade do direito às prestações em espécie compreendidas na reparação do acidente de trabalho sofrido pelo sinistrado G….

II – Absolvo os Requeridos dos demais pedidos contra eles formulados pela Requerente.

Custas pela Requerente Companhia de Seguros.

Registe e notifique.

(..)» I.3 Inconformada com esta decisão, a Seguradora autora apresentou recurso de apelação, o qual foi admitido com o modo de subida e efeito adequados.

As alegações foram sintetizadas nas conclusões seguintes: 1. O Tribunal a quo, ao considerar e decidir que os equipamentos supra discriminados e que são enunciados na Douta decisão em crise passaram a integrar o património do sinistrado fez uma errada qualificação jurídica da situação.

  1. Nos termos da lei - Art. 10º da Lei 100/97 o direito dos sinistrados à reparação compreende prestações em espécie, mas apenas desde que necessárias e adequadas ao restabelecimento do estado de saúde e da capacidade de trabalho ou de ganho do sinistrado e à sua recuperação para a vida activa; 3. O Art. 23º do DL 143/99 consagra, na sua al. g) que, relativamente a equipamentos como aqueles em apreço nos autos a obrigação do responsável se traduz no Fornecimento de aparelhos de prótese, ortótese e ortopedia, sua renovação e reparação; 4. Em lado algum da letra da lei se diz que tal fornecimento implique a existência de qualquer direito de propriedade para o sinistrado.

  2. O que o legislador pretendeu foi apenas o seguinte que ao sinistrado em acidente de trabalho sejam facultados, se e enquanto necessários e adequadas ao restabelecimento do estado de saúde e da capacidade de trabalho ou de ganho do sinistrado e à sua recuperação para a vida activa, seja efectuado o fornecimento de aparelhos de prótese, ortótese e ortopedia, sua renovação e reparação; 6. Trata-se, para a entidade responsável, como a recorrente, de uma obrigação de facere, de facultar ao sinistrado o uso de aparelhos de prótese ou ortótese ou ortopédicos, como no caso dos autos, se e enquanto os mesmos se revelarem adequados e necessários ao restabelecimento do seu estado de saúde e da capacidade de trabalho ou de ganho do sinistrado e à sua recuperação para a vida activa.

  3. Sendo o único escopo da lei garantir que ao sinistrado em acidente de trabalho sejam garantidas as ajudas necessárias ao restabelecimento do seu estado de saúde, que lhe sejam facultados os meios necessários à sua mais cabal recuperação e nunca engrandecer o seu património.

  4. Os fundamentos invocados na decisão em crise para afirmar que a entrega dos equipamentos efectuada pela recorrente ao sinistrado implicou a transferência da sua propriedade para o mesmo não colhem.

  5. Na verdade, o facto de, como estatui o Art. 35º da Lei 100/97º direito do sinistrado às prestações em espécie ser inalienável, impenhorável e irrenunciável em nada pode explicar o concedido efeito translativo da propriedade.

  6. O direito à vida ou o direito à integridade física, ambos inalienáveis, impenhoráveis e irrenunciáveis não fazem nascer, em qualquer circunstância, o direito de propriedade sobre o que quer que seja.

  7. Do mesmo modo, a invocação do Art. 40º do DL 143/99 não colhe para sustentar o declarado efeito translativo da propriedade dos equipamentos facultados ao sinistrado – para além de nem sequer ser certo que, se o sinistrado danificar com negligência grosseira os equipamentos que lhe sejam fornecidos, a entidade responsável esteja impedida de o responsabilizar civilmente, o certo é que mesmo tal preceito legal impõe desde logo uma forte limitação ao direito do sinistrado, sancionando tal uso dos bens – a perda do direito à reparação ou renovação de tais equipamentos – sem que, em momento algum, se possa por em causa que a entidade responsável extinguiu já a sua obrigação reparatória por integral cumprimento.

  8. Pelo contrário, do nº 2 deste Art. 40º do DL 143/99 demonstra que não ocorreu qualquer transmissão da propriedade dos bens que facultou ao sinistrado.

  9. Na verdade, o direito de propriedade é um direito pleno, como resulta claramente da letra do Art. 1305º CCiv – O proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem, dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela impostas.

  10. Ora, ao contrário do que sucede com um proprietário, que pode dispor como muito bem entende dos seus bens, vg, destruí-los ou comercializá-los, o sinistrado já não o pode fazer impunemente.

  11. O seu direito é limitado, precisamente porque existe apenas se e enquanto necessárias tais prestações ao restabelecimento do estado de saúde do sinistrado, o que explica as injunções legalmente impostas ao mesmo como, v.g., o cuidado a ter com próteses ou equipamentos que lhe sejam facultados, de modo a não os deteriorar ou inutilizar, limitações estas que são de todo em todo incompatíveis com o direito de propriedade.

  12. A invocação do Art. 37º do DL 143/99 para afirmar a existência de um verdadeiro direito de propriedade sobre os equipamentos fornecidos também não pode colher desde logo porque, ao contrário do sustentado na decisão em crise, não estaríamos aí perante qualquer imbróglio jurídico de difícil ou impossível resolução – teríamos, no máximo, um caso de compropriedade, de facílima resolução...

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