Acórdão nº 329/15.3T9PFR.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 08 de Novembro de 2017

Magistrado ResponsávelJO
Data da Resolução08 de Novembro de 2017
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo nº329/15.3T9PFR.P1 Acórdão deliberado em conferência na 2º secção criminal do Tribunal da Relação do Porto*I. B… veio interpor recurso do acórdão proferido no processo comum singular nº329/15.3T9PFR do juízo local criminal de Paços de Ferreira, Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este, que o condenou: a) pela prática de um crime de retenção de quota sindical, previsto no art.º 459º do Código do Trabalho e punido com a pena prevista para o crime de abuso de confiança, p. e p. pelos artºs 202º, aI. a), 205º, nºs 1 e 4, aI. b), todos do Código Penal, na pena de 200 (duzentos) dias de multa, à taxa diária de €7 (sete euros), perfazendo a multa global de €1.400 (mil e quatrocentos euros).

  1. no âmbito do pedido de indemnização civil formulado pelo demandante civil"C…", a entregar-lhe a quantia de €9.125,83 (nove mil cento e vinte e cinco euros e oitenta e três cêntimos) a título de indemnização pelos danos patrimoniais sofridos, acrescida dos juros legais, contados desde a data da notificação do pedido e até efectivo e integral pagamento.

*I.1. Sentença recorrida (transcrição dos segmentos com interesse para a apreciação do recurso).

(…) Finda a produção de prova, nos termos do preceituado no art.º 358º, n.ºs 1 e 3 do Código de Processo Penal, o tribunal procedeu à alteração da qualificação jurídica dos factos descritos na acusação pública, por entender que os mesmos integravam a prática, em abstracto, de um crime de retenção de quota sindical, previsto no art.º 459º do Código do Trabalho e punido com a pena prevista para o crime de abuso de confiança, p. e p. pelos artºs 202º, aI. a), 205º, n.ºs 1 e 4, aI. b), todos do Código Penal.

Notificado que foi o arguido da aludida alteração da qualificação jurídica, requereu prazo para defesa, o que lhe foi concedido, conforme se infere da acta respectiva.

No exercício desse direito de defesa, veio alegar que a alteração a que se procedeu se tratava de uma alteração substancial dos factos e, não de uma mera alteração da qualificação jurídica.

O tribunal pronunciou-se quanto a tal requerimento, indeferindo-o.

2 - Fundamentação 2.1. Os factos provados: Da acusação pública:1. O arguido era Presidente do Conselho de Administração da sociedade "D…, SA", sita na Avenida …, n.º …, …, Paços de Ferreira, a qual se dedicava à indústria de confecção de vestuário em série.

  1. A trabalhar para esta sociedade encontravam-se cento e vinte trabalhadores sócios do Sindicato C…, associação sindical com sede na Rua …, …, Porto, os quais constam dos mapas de quotizações que aquela sociedade comunicou.

  2. Os seus filiados da denunciante estavam obrigados a pagar uma quota mensal correspondente a 1% da retribuição mensal, incluindo os subsídios de férias e 13º mês.

  3. Assim, o arguido, no exercício das funções de gerência da sociedade "D…, SA", determinou a dedução de 1% na retribuição dos trabalhadores.

  4. Para tanto, os referenciados trabalhadores entregaram à administração da sociedade "D…, SA" a declaração solicitando o processamento do desconto mensal da sua quota sindical e respectiva entrega à associação sindical participante.

  5. Contudo, apesar de ter recebido dos trabalhadores os valores de quotizações de 740,29 euros, relativo a Março de 2014; 564,61 euros referente a Junho de 2014; 564,10 euros relativo a Julho de 2014; 894,59 euros relativo a Agosto de 2014; 490,37 euros referentes a Setembro de 2014; 486,35 euros relativo a Outubro de 2014; 537 euros relativos a Novembro de 2014; 797,39 euros referentes a Dezembro de 2014; 486,52 euros relativos a Janeiro de 2015; 465,36 euros relativos a Fevereiro de 2015, 442,75 euros referentes a Março de 2015, 442,75 euros relativos referentes a Abril de 2015, 442,75 euros relativos a Maio de 2015; 442,75 euros relativos a Junho de 2015, 442,75 euros referentes a Julho de 2015; 442,75 euros relativos a Agosto de 2015 e 442,75 euros relativos a Setembro de 2015, retidos na fonte a título de quotizações sindicais, o arguido, na qualidade de gerente da sociedade "D…, SA" determinou que não fossem enviados à Associação sindical queixosa.

  6. O arguido agiu livre, deliberada e conscientemente, apropriando-se das quantias, em seu benefício, no valor total de 9.125,83 euros, fazendo-as suas, integrando-as no seu património e da sociedade que geria, comportando-se como se seu legítimo proprietário fosse, não as entregando, como contratado com os seus trabalhadores e a Associação sindical queixosa, a esta para pagamento das respectivas quotizações sindicais, não obstante interpelado, por várias vezes, pelo Chefe de Serviços da queixosa.

  7. O arguido sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei.

    Do pedido de indemnização civil:9. Em virtude da conduta do arguido, o demandante civil, sofreu um dano patrimonial de €9.125,83 (nove mil cento e vinte e cinco euros e oitenta e três cêntimos), correspondente aos montantes relativos às quotizações sindicais que havia deduzido das retribuições dos trabalhadores da sociedade comercial que administrava.

    Mais se provou que: 10. A sociedade aludida em 1, atravessava no período referido em 6, dificuldades económicas e acabou por encerrar a respectiva actividade, encontrando-se o arguido a residir na Alemanha.

  8. O arguido já foi condenado, conforme resulta do respectivo CRC de fls 169 a 174, cujo teor se dá por integralmente reproduzido: - Na Instância Local Criminal da Maia - J2, em 11.11.2010, pela prática em 01.01.2005, de um crime de abuso de confiança fiscal, na pena de 180 (cento e oitenta) dias de multa à taxa diária de €10 (dez euros), no montante global de €1.800 (mil e oitocentos euros), declarada extinta em 05.06.2015.

    - Nesta Instância Local Criminal de Paços de Ferreira, em 19.03.2014, pela prática em 10.02.2009, de um crime de abuso de confiança fiscal, tendo ficado dispensado de pena, nos termos do preceituado no art.º 22º do RGIT.

    * 2.2. Os factos não provados:Não se provaram quaisquer outros factos relevantes para a boa decisão da causa, designadamente: 1. Quaisquer condições da vida pessoal, social e económica do arguido (…).

    * 3 - O Direito:(…) Ao arguido B… vem imputada a prática em autoria material e na forma consumada de um crime de retenção de quota sindical, previsto no art.º 459º do Código do Trabalho e punido com a pena prevista para o crime de abuso de confiança, p. e p. pelos artº 202º, aI. a), 205º, n.ºs 1 e 4, aI. b), todos do Código Penal.

    Dispõe o aludido art.º459º do Código do Trabalho, que “O empregador que retiver e não entregar à associação sindical a quota sindical cobrada é punido com a pena prevista para o crime de abuso de confiança".

    Com efeito, entende-se que, estando o empregador obrigado a descontar do vencimento dos seus trabalhadores determinada percentagem, se não a entregar posteriormente ao sindicato, incorre na prática deste crime, sendo punido com a pena prevista para o crime de abuso de confiança, pois que, na verdade está-se ilegitimamente a apropriar de coisa móvel que não lhe pertence e que apenas lhe foi entregue por título não translativo da propriedade.

    Assim, do ponto de vista objectivo, o tipo legal em referência pressupõe os seguintes elementos: Dedução do montante correspondente à quota sindical; Obrigação de entrega da mesma ao sindicato respectivo e a apropriação da prestação deduzida.

    Do ponto de vista subjectivo, o crime de abuso de confiança em causa basta-se com um dolo genérico, ou seja, basta-se apenas o conhecimento da obrigação de entrega ao sindicato e da anti - juridicidade da acção, assim, como a vontade de não enviar ao sindicato respectivo as contribuições retidas.

    Decorre do citado art.º 459º do Código de Trabalho que a pena a aplicar é a pena que se mostra prevista para o crime de abuso de confiança, p. e p. pelo artº 205º do Código Penal.

    Dispõe o n.º1 do citado art.º205º do Código Penal, que o agente é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa.

    Contudo, o n.º 4, als. a) e b) deste artº 205º do Código Penal, prevêm a agravação do ilícito em causa, ao estabelecer - e para o que particularmente nos importa - na alínea a) que se a coisa de que o agente ilegitimamente se apropriou for de valor elevado, a pena é de prisão até cinco anos ou multa até 600 dias.

    O que se deva entender por "valor elevado", é definido pela al. a) do art.º 202º do Código Penal, de acordo com o qual, "valor elevado: aquele que exceder 50 unidades de conta avaliadas no momento da prática do facto".

    Delimitado, deste modo, o quadro legal do crime imputado ao arguido, importará dilucidar se da factualidade dada como provada somos levados a concluir que o arguido efectivamente praticou o apontado ilícito penal.

    E, desde já se diz que se nos afigura que a resposta não pode deixar de ser positiva. Com efeito e, desde logo, ficaram provados todos os elementos objectivos...

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