Acórdão nº 909/15.7T8AMT-A.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 27 de Novembro de 2017

Magistrado ResponsávelCARLOS QUERIDO
Data da Resolução27 de Novembro de 2017
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo n.º 909/15.7T8AMT-A.P1 Sumário da decisão:I. A aferição da eficácia reflexa do caso julgado de sentença proferida em ação anterior, relativamente a quem não interveio nessa ação, implica que se questione se o direito de terceiro é suscetível de ser prejudicado na sua consistência jurídica ou no conteúdo pela decisão proferida na referida ação.

  1. Em homenagem ao princípio do contraditório, a decisão judicial só poderá ser oponível a terceiro juridicamente indiferente, ou seja, não titular de quaisquer direitos com ela incompatíveis.

  2. Tendo sido proferida sentença em ação anterior, intentada pelo promitente-comprador contra a promitente-vendedora que veio a ser declarada insolvente, na qual o tribunal considerou provada a traditio dos bens prometidos vender, com fundamento na omissão de contestação da devedora, concluindo pela condenação desta no reconhecimento do crédito correspondente ao sinal em dobro e do direito de retenção, tal decisão não pode ser oposta ao credor hipotecário que não interveio na ação e que tinha a sua garantia registada em data anterior.

  3. De acordo com a tese que prevaleceu no AUJ n.º 4/2014, exige-se para a validade e oponibilidade do direito de retenção do promitente-comprador ao credor hipotecário: i) que o promitente-adquirente seja “consumidor”; ii) que tenha ocorrido a traditio da coisa prometida vender.

  4. O critério normativo de “consumidor” é o que emerge do n.º 1 do art.º 2.º da Lei n.º 24/96, de 31.07, recaindo sobre o credor que invoca o direito de retenção, a prova da respetiva factualidade integradora.

  5. O promitente-comprador que obteve a traditio apenas frui um direito de gozo que exerce em nome do promitente-vendedor e por tolerância deste, sendo, na perspetiva enunciada, mero detentor precário.

  6. Recai também sobre o credor que invoca o direito de retenção, a prova da factualidade concreta, integradora da traditio.

    Acordam no Tribunal da Relação do PortoI. Relatório Por sentença proferida em 31.07. 2015, no processo de Insolvência que corre termos com o n.º 909/15.7T8AMT, no Juízo de Comércio de Amarante (Juiz 2) do Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este, foi declarada a insolvência de Sociedade Imobiliária – B…, Ld.ª, tendo sido fixado o prazo de 30 dias para a reclamação de créditos.

    Decorrido o aludido prazo, veio o Administrador da Insolvência, ao abrigo do disposto no artigo 129.º, n.º 1, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), apresentar a lista dos credores por si reconhecidos, entre os quais figuram C… e D…, como titulares de um crédito no montante de €980.000,00 com a menção de ‘garantido’ por direito de retenção sobre dois prédios rústicos (descrição predial nºs. 1562 e 1563) relativamente aos quais incide hipoteca a favor da E…, S.A.

    Em 7.10.2015, veio a E…, S.A. impugnar o crédito reconhecido aos credores C… e D…, ao abrigo do disposto no artigo 130.º do CIRE, concluindo com o pedido de que não seja verificado e reconhecido qualquer crédito aos credores C… e D….

    Alegou a impugnante, em síntese: na lista de créditos apresentada pelo Administrador de Insolvência é reconhecido um crédito no montante de €980.000,00 com a menção de garantido por direito de retenção sobre dois prédios rústicos (descrição predial nºs. 1562 e 1563); sobre os aludidos prédios incide hipoteca a favor da E…, S.A; a sentença transitada em julgado proferida no âmbito do processo n.º 73/15.1T8PNFJ, apresentada pelos referidos credores não faz caso julgado contra a ora reclamante; o contrato promessa outorgado constitui um negócio simulado, não tendo havido posse dos bens imóveis, bem como qualquer pagamento; os bens imóveis alegadamente adquiridos destinam-se à construção de um empreendimento imobiliário, ou seja, destinam-se a investimento, não tendo, por isso, os promitentes-compradores a qualidade de consumidores finais.

    Os reclamantes do crédito impugnado, C… e D…, apresentaram resposta, na qual concluem pedindo que seja o crédito reclamado reconhecido no montante de €980.000,00, como crédito garantido por gozarem do direito de retenção sobre os prédios inscritos na matriz sob os artigos 1032.º e 1033.º da freguesia de …, descritos na Conservatória de Penafiel sob os nºs 1562/24032000 e 1563/24032000, da freguesia de ….

    Notificado da impugnação do crédito, o Administrador da Insolvência invocou o Acórdão Uniformizador de jurisprudência n.º 4/2004, de 20.03.2014, concluindo que mantem o reconhecimento do crédito impugnado.

    Em 3.10.2016 realizou-se tentativa de conciliação, na sequência da qual, mediante requerimento das partes, foi suspensa a instância por 30 dias, com vista à celebração de um acordo que não se concretizou.

    Em 31.03.2017 foi proferido despacho saneador, declarando-se válida a instância nos seus pressupostos objetivos e subjetivos e dispensando-se a realização de audiência prévia.

    Em 4.07.2017 procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento, após o que, em 13.07.2017, foi proferida sentença com o seguinte dispositivo: «Em face do exposto: - Julga-se a impugnação apresentada pela E…, S.A. parcialmente procedente e reconheço o crédito reclamado por C… e D… como comum e reconhecidos os demais créditos.

    - Graduo-os para serem pagos através do produto da massa insolvente, pela seguinte ordem: - Através do produto da venda dos bens imóveis apreendidos sob as verbas 1 e 2: 1.º - As dívidas da massa insolvente saem precípuas, na devida proporção, do produto da venda; 2.º - Do remanescente, dar-se-á pagamento ao crédito hipotecário do credor E…, S.A.; 3.º - Do remanescente, dar-se-á pagamento ao crédito privilegiado do credor Fazenda Pública no montante de €4.963,70 proveniente de IVA e IRC; 4.º - Do remanescente, dar-se-á pagamento aos créditos comuns (artigo 47.º, n.º 4, al.

    c)); 5.º - Do remanescente, dar-se-á pagamento aos créditos subordinados, graduados pela ordem prevista no artigo 48.º.

    - Através do produto da venda dos demais bens apreendidos: 1.º - As dívidas da massa insolvente saem precípuas, na devida proporção, do produto da venda; 2.º - Do remanescente, dar-se-á pagamento ao crédito privilegiado do credor Fazenda Pública no montante de €4.963,70 proveniente de IVA e IRC; 3.º - Do remanescente, dar-se-á pagamento aos créditos comuns (artigo 47.º, n.º 4, al. c)); 4.º - Do remanescente, dar-se-á pagamento aos créditos subordinados, graduados pela ordem prevista no artigo 48.º.

    Custas pela massa insolvente - artigo 304.º, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas. Valor da ação - o correspondente ao valor do ativo - artigo 301.º, parte final, do diploma legal em referência.

    Registe e notifique».

    Não se conformaram os reclamantes do crédito em causa, C… e D…, e interpuseram o presente recurso de apelação, apresentando alegações, nas quais formula as seguintes conclusões: 1. Incorreu em Erro de Julgamento o Tribunal a quo quando considerou como não provados os pontos 1 e 2 constantes dos factos não provados, relativos ao direito de retenção «1.Que desde a outorga do contrato promessa referido no ponto 2 dos factos provados, a insolvente entregou, desde logo, os lotes 1 e 2 aos reclamantes, encontrando-se, estes últimos, desde então a ocupá-los. 2. Que desde a outorga do contrato promessa, os referidos reclamantes C… e D… encontram-se, de forma exclusiva, a usar, fruir e administrar os lotes 1 e 2, ocupando-os e dele retirando todos os seus furtos e rendimentos.» 2. In casu, os credores/Recorrentes reclamaram o seu crédito e fizeram valer a sua garantia por se encontrarem munidos de um título executivo – sentença obtida no âmbito do processo declarativo 73/15.1TBPNF, que lhes reconhece o crédito e direito de retenção - que o fizeram valer aquando da apresentação da sua reclamação, no seguimento da jurisprudência preconizada pelo STJ – vd., a título de exemplo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30/11/2010, processo 2637/08.0TBVCT-F.G1.S1 e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10.11.2009, processo 1246/06.3TBPTM-H.SI, entre outros – que considera que em processo de verificação e graduação de créditos, apenso a processo de insolvência, para que lhe seja reconhecido o privilégio consagrado no nº 2 do artigo 759º do mesmo diploma, com a consequente primazia sobre hipoteca, mesmo com registo anterior, torna-se necessário que prove os factos dessa alegação, juntando, para tanto, o título justificativo, que, no caso, é a sentença condenatória a reconhecer o incumprimento do promitente vendedor e a tradição da coisa para o promitente-comprador.

    3. Não podia o tribunal a quo ter ignorado o facto de que o crédito reclamado e o direito real de garantia que o acompanha, constam de um título executivo e a sua existência é por ele presumida, presunção que pode ser ilidida mediante impugnação, movida com essa finalidade, pois o título executivo para além da eficácia própria do documento que o consubstancia constituiu, ainda, a base da presunção da existência (e titularidade) do crédito não apenas da existência do facto que a constituiu.

    4. Responderam à impugnação deduzida pela E…, (baseada na simulação do negócio) os ora Recorrentes e o senhor Administrador de Insolvência que assumiu, nos termos do artigo 81º nº 4 do CIRE, a representação da insolvente.

    5. Assim, veio o Senhor Administrador de Insolvência, em representação da insolvente na sua resposta propugnar pelo reconhecimento do crédito impugnado, com o direito real de garantia que o persegue – direito de retenção - tal como consta da relação de créditos reconhecidos, junta aos autos e elaborada nos termos do artigo 129º do CIRE e com essa resposta veio o Senhor Administrador de Insolvência juntar aos autos um documento denominado “Auto de Diligência” do qual resultam declarações prestadas pelo sócio gerente da insolvente a declarar e confirmar, por escrito (o que, em bom rigor já o tinha feito quando da assinatura do contrato-promessa) a existência da tradição dos prédios constante do contrato promessa, designadamente dos lotes e 1 e 2...

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