Acórdão nº 50/13.7GAARC.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 05 de Julho de 2017

Magistrado ResponsávelERNESTO NASCIMENTO
Data da Resolução05 de Julho de 2017
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo comum singular 50/13.7GAARC da Comarca de Aveiro, Arouca, Instância Local, Secção Competência Genérica, J1 Relator - Ernesto Nascimento Adjunto – José Piedade Acordam, em conferência, na 2ª secção criminal do Tribunal da Relação do Porto I. Relatório I. 1. No âmbito do processo supra identificado, foi o arguido B..., condenado, - parte criminal: pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de coacção agravada, p. e p. pelo artigo 154.°/1 e 155.°/1 alínea a) C Penal, por factos praticados em 23/05/2013, na pena de 1 ano e 2 meses de prisão, cuja execução ficou suspensa por igual período de tempo, com a condição de: - o arguido se abster de praticar quaisquer actos que impeçam o assistente e sua família de praticar os autos de conservação, limpeza e aproveitamento da parcela em causa, desde que o arguido não intente acção judicial respectiva, e com a mesma prossiga até final, com vista a obter sentença que convença o assistente da falta de razão no invocado direito de propriedade sobre a parcela em litígio; - pagar no prazo de 4 meses a indemnização em que vai condenado a pagar ao assistente C...; - parte cível: na parcial procedência do pedido cível, a pagar ao demandante C... a importância de € 800,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais sofridos pela prática do ilícito criminal.

  1. 2. Inconformado, com o assim decidido, recorreu o arguido, pugnando pela sua absolvição, tanto da condenação crime, como do pedido de indemnização civil, apresentando as conclusões que se passam a transcrever: 1. com o presente recuso impugna-se a sentença recorrida na medida em que deu como provados os factos que preenchem os elementos subjectivos do crime de coacção agravada, não tendo sido produzida qualquer prova sobre esses elementos e, mesmo que tendo sido, o que se admite por mera facilidade de raciocínio, o teor das expressões constantes dos 2 cartazes não representam, no contexto em que foram produzidas, a séria ameaça de um mal importante; 2. com efeito, nada permite concluir, como se conclui na sentença recorrida, que o arguido estivesse convicto de que as expressões constantes dos 2 “cartazes" eram de molde a que o ofendido temesse pela sua integridade física e pela vida; 3. com efeito, nada se tendo provado em concreto sobre a convicção do arguido, é de admitir que o mesmo apenas quisesse demover ofendido de continuar a praticar atas na parcela de terreno que aquele considerava sua, já que o conflito existente entre ambos respeitava à divergência quanto à propriedade da mesma parcela; 4. por isso, no quadro de divergência existente sobre a propriedade da parcela que ofendido e arguido disputam como sua, não é possível concluir que, para o arguido, o teor dos escritos extravasasse essa discussão sobre a propriedade e atingisse contornos de ilicitude penal, nomeadamente com a ameaça de agressões ou com a própria morte, para que o mesmo deixasse de se deslocar ao terreno em disputa, coagindo-o, dessa forma, a limitar-se na sua liberdade de movimentos; 5. o Sr. Juiz não entendeu assim, fazendo apelo às regras da experiência comum e do normal acontecer para dar como provados, por presunção judicial, os referidos factos; 6. porém, o que é normal quando numa aldeia, como é o caso, duas pessoas divergem sobre a propriedade de uma parcela de terreno e usam linguagem mais agressiva entre si, intimidatória até, não é que queiram agredir ou matar o outro, mas antes fazer sentir, ainda que com o recurso a linguagem imprópria, que a propriedade da coisa lhe pertence e não deve persistir a nela praticar quaisquer actos; 7. e é com esse sentido que o destinatário dessa linguagem normalmente entende essa mensagem, não temendo pela sua vida e integridade física, antes continuando a comportar-se como até então, sem qualquer receio de eventuais ameaças; 8. assim, salvo o devido respeito por opinião contrária, não podem dar-se como provados os factos constantes nos artigos 7.° a 10.° dos factos provados, por carência de prova dos referidos elemento subjectivos do crime; 9. porém, ainda que tais factos fossem de manter como provados - o que apenas se admite por mera facilidade de exposição de raciocínio - o teor dos escritos, no contexto em que foram afixados, não preenchem os elementos da ilicitude penal, in casu os do crime de coacção; 10. com efeito, o direito penal não visa punir quaisquer condutas socialmente censuráveis, moralmente reprováveis, pelo que, sendo a última "ratio" da punição, só deve ser chamado a punir as condutas socialmente desviantes quando as mesmas sejam de tal forma graves que merecem a tutela da acção penal; 11. ora, no caso, as expressões usadas, no referido ambiente de exaltação por causa da disputa da propriedade e da insatisfação pelos atas praticados pelo ofendido não têm essa dignidade penal; 12. assim sendo, decidindo como decidiu, o Sr. Juiz a quo não só deu como provados factos que não encontram sustentação na prova produzida em audiência de julgamento como fez uma incorrecta aplicação do artigo 154.º/1 e 155.°/1 C Penal, uma vez que a conduta do arguido não preenche os elementos do tipo legal de coacção agravada, por ausência de verdadeira ameaça com mal importante, impondo-se, por isso a sua revogação, com a consequente absolvição do mesmo.

  2. 3. Nas respostas que apresentaram, quer o Magistrado do MP, quer o assistente, pugnam pelo não provimento do recurso.

  3. Subidos os autos a este Tribunal o Exmo. Sr. Procurador Geral Adjunto emitiu parecer, igualmente, no sentido do não provimento do recurso.

    Proferido despacho preliminar e colhidos os vistos legais, vieram os autos à conferência e dos correspondentes trabalhos resultou o presente Acórdão.

  4. Fundamentação III. 1. Como é sabido, o objecto dos recursos é balizado pelas conclusões da motivação apresentada pelo recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas - a não ser que sejam de conhecimento oficioso - e, que nos recursos se apreciam questões e não razões, bem como, não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido.

    E, assim, apesar de o invocar no corpo da motivação o certo é que o arguido não o reproduziu no capítulo das conclusões, donde não se pode deixar de entender que, afinal, tenha deixado cair a questão da alegada violação dos princípios da presunção da inocência e do in dubio pro reo.

    Isto até porque logo de seguida acaba por afirmar que apesar de inconformado com o julgamento firmado sobre a objectividade dos factos provados, não visa colocar em causa com o presente recurso a impugnação da sentença quanto a essa concreta matéria de facto, colocação dos cartazes, na medida em que, como se alcança da motivação, a mesma resultou da convicção do julgador em matéria de livre apreciação da prova (declarações do assistente e depoimentos das referidas testemunhas).

    Assim, de forma clara, expressa e inequívoca, o âmbito do recurso respeita, tão só, à questão, de saber se, é caso de alteração/modificação do julgamento firmado sobre os pontos 7 a 10 do elenco dos factos provados e, de qualquer maneira, se estão, ou não, preenchidos os elementos constitutivos do tipo legal de crime de coacção.

  5. 2. Recurso sobre a matéria de facto.

  6. 2. 1. Vejamos, então, para começar, a matéria de facto definida pelo Tribunal recorrido.

    Factos provados.

    1. O assistente C..., no estado de casado com D... é proprietário do prédio rústico, constituído por pinhal e mato, sito em ..., na freguesia ..., concelho de Arouca, inscrito na matriz predial rústica com o n.º 1747, descrito na Conservatória do Registo Predial de Arouca sob o n° 1179/20070904.

    2. O arguido B... na qualidade de herdeiro de E..., era à data dos factos cotitular em comum e sem determinação de parte ou direito, com os outros sucessíveis de E..., por sucessão por morte deste, do terreno sito no mesmo lugar de ..., inscrito na matriz predial rústica da freguesia ..., sob o artigo 1748, descrito na Conservatória do Registo Predial de Arouca sob o n° 2853/20151009, e hoje é propriedade exclusiva do arguido.

    3. Os prédios confinam entre si de um dos lados.

    4. Desde momento não concretamente apurado, o arguido B... e o assistente C... mantêm um diferendo devido à delimitação das estremas de terrenos confinantes dos quais são proprietários e que foram acima descritos.

    5. No dia 23 de maio de 2013, cerca das 17h30m, em virtude de tais desinteligências, o arguido deslocou-se à parcela de terreno cuja propriedade quer este, quer o assistente se arrogam, e colocou no local por si entendido como delimitador da estrema dos prédios dois cartazes com os seguintes dizeres: a) No primeiro cartaz - «Ó cabeçudo, olha que o monte tem dono tu queres o que é teu e o que é dos outros mas tu tens a cabeça a prémio. Tu pagas os pinheiros bem pagos e não mexes mais nada no monte porque como já te disse tens a cabeça a prémio, eu quero-te encontrar que é para ajustarmos essas contas»; b) No segundo cartaz - «Isto daqui para lá tem dono, cuidado senão vais dentro de quatro tábuas».

    6. O arguido sabia que ao colocar os cartazes no referido local, que os mesmos iriam como o foram - ser visualizados pelo assistente, o que conseguiu.

    7. O arguido estava ciente da idoneidade das expressões descritas em 5° para fazer o assistente temer quer pela sua vida e integridade física e, bem assim, para lhe condicionar a liberdade de acção, determinação e paz individual, o que conseguiu e representou.

    8. Agiu de tal forma no intento de compelir o assistente, sempre contra a sua vontade, a não mais se deslocar ao terreno da discórdia e, consequentemente, a deixar de praticar os poderes de facto inerentes ao direito de propriedade por si reivindicado.

    9. Na sequência de tais actos, o assistente andou durante alguns meses sem se deslocar à dita parcela de terreno e ao monte.

    10. Em todas as circunstâncias, o arguido actuou de forma livre e voluntária, perfeitamente convicto da ilicitude penal das suas...

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